FOTOGRAFIA DE HEIKE OLLERTZ, AGENTUR FOCUS / REDUX
O rio Una, na Bósnia e Herzegovina, é, alegadamente, um bom candidato a parque nacional de rio selvagem, parcialmente por ser o lar do salmão do Danúbio, a maior espécie de salmão da Europa.
Na sua viagem a caminho do mar Adriático, as águas azul-turquesa do rio Vjosa, ameaçadas por décadas de represamento e operações mineiras, brilham e reluzem ininterruptamente através das dramáticas paisagens de montanha do sul da Albânia. O rio, protegido pelo seu estatuto especial de “parque nacional de rio selvagem” desde Março, está a impulsionar um movimento para salvar outros rios prístinos através dessa designação.
Há muito que os conservacionistas se esforçam por encontrar a melhor forma de proteger os rios. Historicamente, os rios têm sido enquadrados nas medidas de protecção da terra. Contudo, os estudos mostram que os rios não beneficiam dessa abordagem, em parte porque podem entrar e sair de áreas protegidas, por vezes, atravessando fronteiras. Aquilo que acontece na secção final, não-protegida, de um rio pode ter um impacto profundo a centenas de quilómetros de distância.
“Para protegermos um rio, temos de nos concentrar primeiro no próprio rio”, diz Ulrich Eichelmann, ecologista e conservacionista da Riverwatch, uma organização sediada em Viena, na Áustria, e líder da Save the Blue Heart of Europe, a coligação internacional que liderou o trabalho realizado com o rio Vjosa.
Ele e outros activistas estão agora a levar a sua abordagem, que põe o rio em primeiro lugar, até outros países nos Balcãs – a região sudeste da Europa composta por 11 países, incluindo a Bósnia e Herzegovina e Montenegro – onde a batalha para proteger outras vias fluviais prístinas das pressões ambientais está a intensificar-se.
SUSAN WRIGHT, THE NEW YORK TIMES / REDUX
Segundo os conservacionistas, algumas secções do rio Neretva, que atravessa a Bósnia e Herzegovina e a Croácia, são candidatas a preservação.
“Queremos que este tipo de protecção dos rios seja a regra e não a excepção”, diz Eichelmann.
O que é necessário para salvar um rio
Segundo alguns estudos, embora a água doce sustente grande parte da vida, os rios, lagos e terras pantanosas estão, em média, mais degradados do que os ecossistemas marinhos e terrestres, frequentemente devido a barragens que alteram os caudais dos rios e interrompem as migrações dos peixes.
Embora os rios europeus sejam, em geral, os mais represados de qualquer continente, muitos rios nos Balcãs permanecem relativamente intactos, apesar dos planos para construir milhares de centrais hidroeléctricas. De momento, existem propostas para construir oito barragens no troço principal do Vjosa e dezenas de outras nos seus afluentes.
A campanha para proteger o Vjosa recebeu um apoio incrível do público, tendo dado origem a anos de protestos, processos judiciais e pressões internacionais no sentido de obrigar a Albânia a cancelar os planos de construção das barragens. O governo, que se tem esforçado para melhorar as condições económicas num dos países mais pobres da Europa, resistiu durante muito tempo, especialmente porque o abastecimento de electricidade da Albânia depende quase exclusivamente de centrais hidroeléctricas.
A marca de vestuário e equipamento outdoors Patagonia, sediada nos EUA, que gastou quase um milhão de dólares na campanha do Vjosa, exerceu alegadamente uma forte influência no processo de convencer o governo de que um parque nacional poderia contribuir para o crescimento da sua indústria turística. “Isso [mostra] o que a sociedade civil, o governo e a indústria podem alcançar quando trabalhamos em prol do mesmo conjunto de objectivos”, afirma Ryan Gellert, director executivo da Patagonia, instalado em Ventura, na Califórnia.
Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o estatuto de parque nacional de categoria II atribuído ao Vjosa protege-o de actividades danosas como a construção de barragens e a extracção de gravilha, enquanto permite a sua utilização pelo ser humano.
Além da bacia hidrográfica principal, que é o lar de mais de 1.100 espécies de animais, o novo parque inclui três grandes afluentes e abrangerá mais de 400 quilómetros de vias fluviais, bem como os terrenos contíguos.
Os conservacionistas hesitaram um pouco quanto a reconhecer Vjosa como o primeiro parque nacional fluvial do mundo, pois outros rios podem ser interpretados como tal. No entanto, James Hardcastle, responsável pelo programa de áreas protegidas e conservadas da IUCN em Gland, na Suíça, diz que o Vjosa representa “a primeira vez que um sistema fluvial é o foco de um parque nacional”.
Rios promissores a proteger
Segundo os conservacionistas, a maioria dos rios dos Balcãs têm tanto valor ecológico que deveriam ser completamente interditos a exploração hidroeléctrica. Entre eles encontram-se dois futuros candidatos a parque nacional de rio selvagem – o Una, que corre maioritariamente através da Bósnia e Herzegovina, e o Morača, em Montenegro.
Enquanto o Una é o lar de uma das poucas populações saudáveis de salmão do Danúbio, a maior espécie de salmão da Europa, o Morača alimenta o lago Scutari, o maior lago dos Balcãs e um importantíssimo santuário de aves. Apesar dos planos hidroeléctricos, as bacias de ambos os rios permanecem maioritariamente não represadas e a rede fluvial corre livremente ao longo de centenas de quilómetros, atravessando paisagens deslumbrantes.
Vladimir Topić, do Centro para o Ambiente, em Banja Luka, na Bósnia e Herzegovina, diz que o novo estatuto de Vjosa “deveria ser o início de protecções semelhantes para outros rios nos Balcãs”. Beth Thoren, directora das operações de acção ambiental da Patagonia na Europa, diz que a sua empresa planeia investir 4,6 milhões de dólares para ajudar a criar mais parques deste género na região.
Segundo os conservacionistas, existem ali muitos rios a precisar desesperadamente de protecção, mas que podem não se qualificar para o estatuto de parque nacional de rio selvagem. Um deles é o Neretva, que corre através da Bósnia e Herzegovina e da Croácia. Embora o curso intermédio do Neretva já tenha sido represado e a construção de barragens noutras secções da sua bacia hidrográfica já esteja avançada, a zona a montante do rio, que possui cascatas espectaculares e está rodeada por floresta imaculada, ainda corre em liberdade.
“A designação de parque nacional de rio selvagem não funcionaria para o Neretva, mas isso não significa que não deva haver alguma protecção”, diz Eichelmann. “Existem secções do rio que devem ser protegidas, mesmo enquanto parque nacional”.
O que se segue?
Algumas pessoas esperam que a mudança de estatuto do Vjosa, declarada no dia 15 de Março pelo primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, inspire esforços para proteger outros rios intocados pelo mundo fora. Hardcastle, da IUCN, sugere o rio Patuca nas Honduras o segundo maior (e até à data não represado) rio da América Central como potencial candidato.
STEVO VASILJEVIC, REUTERS
Vista do rio Morača a partir da ponte de Moracica, na auto-estrada Bar-Boljare em Smokovac, em Montenegro no dia 27 de Maio 2021. Um empréstimo concedido pelos chineses para construir o primeiro troço de uma auto-estrada entre o porto de Bar, no Mar Adriático e a fronteira da Sérvia fez disparar a dívida de Montenegro, obrigando o país a pedir ajuda à União Europeia. Fotografia captada a 27 de Maio de 2021.
A cientista Michele Thieme, a principal especialista em água doce do World Wildlife Fund, em Washington, D.C., gostaria de ver mais protecções em alguns dos maiores não represados do mundo, algo a que a sua organização se dedica, nomeadamente o rio Salween, no Sudeste Asiático e vários rios africanos. “Ainda há oportunidade de manter alguns destes sistemas relativamente intactos”, diz.
Os parques nacionais terrestres, diz Thieme, nem sempre protegem os rios que os atravessam da construção de barragens. Um estudo da sua autoria publicado em 2020 identificou pelo menos 1.249 grandes barragens em áreas protegidas de todo o mundo, estando planeadas ou em construção mais de 500 barragens em áreas protegidas, muitas das quais nos Balcãs.
Segundo os activistas, é por isso que a designação do Vjosa é essencial: porque protege o rio especificamente. No entanto, eles advertem para o facto de haver muito por fazer antes de o parque se tornar operacional, desde descobrir como lidar com o uso actual das terras e a propriedade privada à construção de um centro para visitantes e contratação de vigilantes da natureza devidamente formados para o parque. O objectivo é estender a protecção até ao outro lado da fronteira com a Grécia, onde o rio se chama Aoös, e abranger uma área mais ampla da bacia de drenagem.
Besjana Guri da organização sem fins lucrativos EcoAlbania, sediada em Tirana, a capital da Albânia, que desempenhou um papel fundamental na campanha, diz que o Vjosa pode “ser uma inspiração para todas as comunidades que estão a lutar para salvar os seus rios. A nossa mensagem para eles é que é possível ganhar esta luta, por mais difícil que possa parecer”.
Stefan Lovgren é um colaborador regular da National Geographic e co-autor, juntamente com Zeb Hogan, do livro Chasing Giants: In Search of the World’s Largest Freshwater Fish, publicado em Abril de 2023.