No “aquário do mundo”, expressão que Jacques-Yves Costeau usou para qualificar o mar de Cortés, uma massa de água estreita que se estende entre o México continental e a península da Baixa Califórnia, existe um ilhéu encantado com segredos por revelar.
Los Islotes, um conjunto de dois afloramentos de rochas sedimentares vulcanogénicas despidas de vegetação, é o epicentro de uma Área Marinha Protegida com 610 mil metros quadrados. Sob a superfície das águas azul-turquesa, um sortido de habitats constituído por pináculos, recifes, cavernas e cristas rochosas dá origem ao território mais austral do leão-marinho da Califórnia (Zalophus californianus). Neste santuário, uma colónia reprodutora com cerca de seiscentos indivíduos prospera. Embora muito semelhante às focas, mas dotado de um par de orelhas externas em vez de fendas auditivas, este mamífero marinho carnívoro da mesma família a que pertencem os nossos cães e gatos domésticos, diferencia-se ainda pela sua capacidade de rotação pélvica, que lhe permite caminhar ou mesmo correr em terra. No universo subaquático, as suas velozes e poderosas acrobacias são conferidas por amplas barbatanas peitorais que varrem a água como vassouras.
De jubas majestosas, os machos alfa são seres poligâmicos com estatuto soberano, que lhes confere o direito exclusivo de acasalar com todas as fêmeas do seu reino ou, pelo menos, era nisso que acreditava a ciência até há pouco tempo. Durante a época reprodutiva em Los Islotes, enquanto as crias e juvenis brincam, as suas progenitoras tomam banhos de sol nas rochas, durante longas sestas revitalizadoras. Atentos a cada movimento, encontram-se os machos alfa que patrulham os vinte territórios deste ecossistema. Completamente focados na sua tarefa, privados de sono e alimento, chegam a perder muito do seu peso corporal (cerca de quatrocentos quilogramas) em apenas algumas semanas. É um sacrifício penoso, mas recompensador, tendo em conta que é o seu harém e a sobrevivência dos seus genes que estão em jogo.
Um estudo genético realizado entre 1990 e 2018, por Claudia J. Hernández-Camacho, investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Marinhas de La Paz, concluiu que apenas 15% dos machos alfa de Los Islotes são progenitores dos recém-nascidos da época reprodutiva seguinte. Isto não se deve apenas ao facto de as fêmeas se envolverem com machos oportunistas que aproveitam a ausência dos dominantes. Frequentemente, são os próprios alfa que decidem não copular as suas fêmeas. Qual será então a lógica por detrás de tamanho empenho e dedicação?
Como se trata de animais filopátricos, ou seja, que permanecem ou regressam habitualmente à sua área de nascimento para se alimentarem e procriarem, muitos leões-marinhos da Califórnia de Los Islotes são, por definição, parentes. De acordo com a bióloga, os dados da análise comportamental, combinados com os resultados da leitura genética desta população ao longo de quase três décadas, revelaram que os machos dominantes estão dispostos a enormes gastos de energia, não só pelos seus filhos, mas também para protegerem as famílias extensas. Já no que diz respeito à escolha selectiva das suas parceiras, o objectivo revelou-se claro: evitar a consanguinidade. Uma abordagem à vida colectiva que até aqui era associada apenas a mamíferos com inteligência superior como os primatas, elefantes e golfinhos.
Os leões-marinhos da Califórnia são a prova viva de que as aparências iludem ou não tivessem sido eles tomados por sultões durante séculos, quando na realidade se trata de verdadeiros guerreiros altruístas. Será este um sinal de que chegou o momento de reconsiderar a forma como olhamos para a capacidade cognitiva no reino animal?