Quando os primeiros europeus se instalaram na Austrália, em finais do século XVIII, ficaram surpreendidos com a fauna que povoava o continente. Desde logo, a espécie que mais chamava a atenção era o canguru, e os seus parentes, o coala e o wallabee, marsupiais de grande tamanho que não eram parecidos com qualquer espécie conhecida até então. Todavia, a criatura mais surpreendente foi a que hoje chamamos ornitorrinco: “É um animal anfíbio semelhante a uma toupeira, mas muito maior. Os olhos são pequenos. Tem membranas nas patas e uma cauda grossa e curta.

O aspecto mais extraordinário reside no bico de pato em vez de mandíbula”. A descrição de David Collins, governador da colónia de Nova Gales do Sul, manifestava bem a estranheza face a um animal que fugia às categorias da zoologia da época.

O ornitorrinco é conhecido como boondaburramallangongtambreet ou dulaiwarrung pelas diferentes tribos de indígenas. Na tradição oral aborígene, existe uma lenda sobre ele: uma bonita pata chamada Daroo, desobedecendo aos patos anciãos, aventurou-se para fora do seu lago e foi sequestrada por Bigoon, o malvado rato-de-água, que a obrigou a deitar-se com el Grávida, Daro conseguiu esca par e regressou a seu lago. Ao fim de umas semanas, fez uma postura de ovos de onde saíram crias com bico e patas palmípedes como a mãe e com pêlo e um espinho venenoso nas patas traseiras, herança do pai. Foram os primeiros ornitorrincos.

Ornitorrinco

Bico e garras de ornitorrinco (à esquerda), desenhados por George Shaw (à direita).

Uma fraude?

Em 1798, John Hunter, governador da colónia e naturalista amador foi o primeiro europeu a observar um exemplar vivo de ornitorrinco na lagoa de Yarramundi, a norte de Sydney, quando seguia na companhia de um caçador aborígene. Surpreendido pela aparência do animal, Hunter elaborou um desenho pormenorizado do animal e enviou a pele do exemplar caçado para Londres, onde foi examinada por George Shaw, conservador do Museu Britânico.

Ao ver o exemplar, Shaw ficou tão desconcertado que inicialmente pensou tratar-se de um embuste. Não seria o primeiro. Nessa época, circulavam numerosos corpos mumificados de sereia, mas, na verdade, eram torsos de primatas unidos a caudas de peixes pela arte de hábeis embalsamadores chineses. Por essa razão, Shaw pensou que a pele australiana pertencia simplesmente a um rato-de-água à qual teriam cosido partes de um pato. “De todos os mamíferos conhecidos, este é o mais extraordinário quanto à configuração”, escreveu. “Apresenta um bico de pato enxertado na cabeça de um quadrúpede. À primeira vista, faz pensar numa preparação enganosa.” No entanto, depois de o examinar mais atentamente, não conseguiu encontrar costuras que denunciassem a fraude e por fim ficou convencido de que se tratava de um animal verdadeiro.

Ornitorrinco

Pele de ornitorrinco, estudada por Shaw, conservada no Museu de História Natural de Londres.

Shaw deu à criatura o nome científico de Platypus anatinus,“pato de pé plano”. Mas o termo Platypus já fora utilizado para descrever um género de escaravelhos. Em 1800, o anatomista alemão Johann Friedrich Blumenbach propôs a denominação Ornithorhynchus paradoxus,“focinho de ave paradoxal”. Por fim, ficou decidido que o nome seria Ornithorhynchusanatinus, combinando ambas as nomenclaturas. O termo platypus foi adoptado como nome comum da espécie no mundo anglo-saxónico, enquanto as línguas latinas optaram por ornitorrinco.

O animal ficou classificado numa nova ordem de pequenos e arcaicos mamíferos endémicos da Austrália que mantinham as características herdadas dos seus antepassados répteis, que inclui o ornitorrinco e o equidna, pequeno insectívoro semelhante ao ouriço. Chamou-se-lhes monotrémato (de monotremo, orifício único) termo que alude a uma característica invulgar em mamíferos: a confluência dos sistemas digestivo, urinário e reprodutor na cloaca do animal.

Ainda hoje, o ornitorrinco continua a ser um dos animais mais estranhos do planeta. A sua descoberta revolucionou as ciências naturais e demonstrou que, por vezes, as grandes surpresas também podem vir em pacotes pequenos.