Mais de um século após os levantamentos sistemáticos de biodiversidade, São Tomé e Príncipe continua a revelar segredos inesperados. Uma bolsa da National Geographic Society ajudou a deslindar um mistério.
No século XXI, a descoberta de novas espécies de vertebrados resulta, na maioria dos casos, da evolução da genética, que permite agora distinguir espécies que antes se pensava serem uma só. Este não é um caso desses.
No final da década de 1990, o biólogo Martim Melo, do CIBIO/UP, estudou o papagaio-cinzento na ilha do Príncipe e pediu ajuda aos locais que capturavam e vendiam esta espécie muito procurada pelo comércio ilegal. Foi nessa altura que ouviu falar pela primeira vez da presença de uma espécie desconhecida que ocupava as mesmas cavidades onde os papagaios se reproduziam.
Quando lhes mostraram um guia de aves, os locais apontaram com prontidão para as ilustrações de mochos. Apesar de não haver qualquer mocho descrito para aquela ilha e de se colocar a hipótese de espécies migratórias voarem por acidente para o Príncipe, não era provável que ocupassem cavidades nas árvores. A informação era promissora, mas encontrar um mocho numa floresta densa seria tarefa difícil.
Em 2002, de novo na região, o biólogo ouviu e gravou uma vocalização semelhante no timbre à de outros mochos, mas que se distinguia na estrutura. Encaixava-se mais uma peça do puzzle. Anos mais tarde, foi descoberta uma carta de um colector português que visitara a ilha em 1928 ao serviço do Museu de História Natural dos Estados Unidos, onde revelava que, apesar de não ter conseguido avistar a ave, ouvira também relatos de habitantes locais sobre a existência de um mocho. As notícias começaram a circular e, em 2016, o belga Philippe Verbelen fotografou por fim um mocho na ilha. No ano seguinte, os biólogos fizeram a primeira captura que permitiu confirmar que o mocho se distingue da espécie continental e da vizinha ilha de São Tomé.
Seguiu-se o minucioso processo de descrição da espécie. Com uma bolsa “Early Grant” atribuída pela National Geographic Society à investigadora Bárbara Freitas, realizou-se o mapeamento da distribuição, densidade e abundância da nova espécie.
Coube aos biólogos que colaboraram no processo propor um nome para este novo mocho que será reconhecido na nomenclatura científica como Otus bikegila. Bikegila ;é a alcunha pela qual todos conhecem Ceciliano do Bom Jesus, um antigo apanhador de papagaios que se tornou vigilante do Parque Natural do Obô e que, ao longo de décadas, trabalhou incansavelmente com os investigadores. O nome da nova espécie de mocho homenageia-o não apenas a ele, mas a todo o conhecimento local que tantas vezes se mantém oculto e sem o qual o progresso científico não seria possível.