Se vivêssemos numa época normal, seria praticamente impossível assistirmos ao desaparecimento de uma espécie. Um acontecimento desses seria tão raro que os seres humanos não o testemunhariam. No caso dos mamíferos, o grupo animal mais estudado, o ritmo de extinção “histórico” fornecido pelo registo fóssil é tão lento que, no decurso de um milénio, apenas se extinguiria uma única espécie.

No entanto, não vivemos numa época normal. Em todo o lado, há espécies a desaparecer. Só na última década, extinguiram-se duas espécies de mamíferos: o morcego-australiano (Pipistrellus murrayi) e o morcego-rato (Melomys rubicola).

Maior Ameaça: Seres Humanos
Causada sobretudo pela expansão humana, à medida que nos vamos apropriando de solo, a perda de habitat é a principal ameaça para a maior parte das espécies de animais, seguida da caça e da pesca. Mesmo quando o habitat não está perdido, poderá ter sido alterado de tal forma que os animais não se adaptam. As vedações fragmentam as pradarias. O abate de árvores destrói os corredores de migração. A poluição torna os rios tóxicos. Os pesticidas causam morte generalizada. A estas ameaças locais temos de acrescentar ameaças globais: o comércio, que espalha as doenças e desloca espécies invasoras; e as alterações climáticas, que acabarão por afectar todas as espécies da Terra, começando pelos animais que vivem nas montanhas frias ou dependem do gelo polar. Todas estas ameaças são atribuíveis aos seres humanos e à nossa crescente pegada.
A maior parte das espécies enfrenta ameaças múltiplas. Algumas adaptam-se a nós e outras irão desaparecer. 

A União Internacional para a Conservação da Natureza elaborou uma lista com mais de duzentas espécies e subespécies de mamíferos em perigo crítico. Nalguns casos, como o rinoceronte de Samatra e a vaquita (um boto endémico do golfo da Califórnia), restam menos de cem indivíduos. Noutros casos, como o baiji (também conhecido como golfinho-de-rio-chinês), é provável que a espécie, embora ainda não oficialmente classificada como extinta, já tenha desaparecido.


 

Infelizmente, aquilo que se aplica aos mamíferos é igualmente válido para quase todos os restantes grupos de animais: répteis, anfíbios, peixes e até insectos. Os ritmos de extinção são centenas ou milhares de vezes mais elevados do que os ritmos históricos. São tão elevados que, segundo os cientistas, nos encontramos à beira de uma extinção em massa. 

A última extinção em massa, que aniquilou os dinossauros há cerca de 66 milhões de anos, foi desencadeada pelo impacte de um asteróide. Actualmente, as causas da extinção parecem mais difusas: desflorestação, caça furtiva, agentes patogénicos introduzidos, alterações climáticas e acidificação do oceano.

Ameaça: Doença
Desde a década de 1980 que uma doença fúngica chamada quitridiomicose, provavelmente disseminada através de contacto directo e água infectada, tem devastado as populações de anfíbios. Mais de quinhentas espécies foram afectadas, 90 das quais podem encontrar-se extintas. O fungo perturba a transmissão dos electrólitos através da pele da rã, ou do sapo, acabando por provocar paragem cardíaca.

No entanto, se rastrearmos todas estas causas até à origem, encontramos sempre o mesmo culpado. O eminente naturalista E.O. Wilson observou que os seres humanos são a “primeira espécie na história da vida a transformar-se numa força geofísica”. Na opinião de muitos cientistas, entrámos numa nova era geológica – o Antropocénico, a idade do homem. Por outras palavras, desta vez, o asteróide somos nós. 

O que se perde quando um animal se extingue? Uma maneira de olhar para uma espécie, seja um símio ou uma formiga, é vê-la como resposta a um enigma: como viver no planeta Terra. O genoma de uma espécie é como um manual: quando essa espécie perece, o manual perde-se. Num certo sentido, andamos a rapinar uma biblioteca – a biblioteca da vida. Recusando o termo Antropocénico, Wilson chamou Eremozóica à era em que estamos a entrar– a era da solidão.


 

Ameaça: Espécies Invasoras
À semelhança de muitas espécies insulares, a kagu, uma ave endémica da Nova Caledónia, no Pacífico francês, quase desprovida de capacidade para voar, foi gravemente afectada pela chegada dos colonos europeus e dos seus animais em finais do século XVIII. Com o tamanho aproximado de uma galinha, a kagu continua a ser presa de porcos, felinos e canídeos introduzidos. Estas aves fazem ninho no solo e os ratos devoram-lhes os ovos. Uma estimativa recente aponta para menos de mil exemplares sobreviventes da kagu. Ainda assim, os cientistas têm alguma esperança no futuro: décadas bem-sucedidas de reprodução em cativeiro conduziram à reintrodução destas aves. O controlo dos predadores permitiu a recuperação de algumas populações. 
Kagu,Rhynochetos jubatus

kagu

Há 13 anos que Joel Sartore fotografa animais para o seu projecto Photo Ark. Num número crescente de casos, os animais alojados em jardins zoológicos ou em instalações especiais de reprodução são dos últimos representantes da sua espécie. Em alguns casos, são mesmo os únicos representantes.

Toughie, um exemplar da rã arborícola da espécie Ecnomiohyla rabborum, oriunda da região central do Panamá, vivia no Jardim Botânico de Atlanta. Tornou-se a última representante conhecida da sua espécie depois de uma doença fúngica ter devastado o seu habitat. O programa de reprodução em cativeiro fracassou. Toughie morreu em 2016 e é provável que a Ecnomiohyla rabborum esteja agora extinta.

Pensa-se que Romeu, o macho de uma rã-aquática de Sehuencas que vive no Museu de História Natural de Cochabamba, na Bolívia (representado na página 41), será igualmente o último sobrevivente. Os cientistas criaram um perfil de encontros online para ele associado a uma página de angariação de fundos: os 22,6 mil euros angariados contribuíram para financiar expedições à região oriental dos Andes, onde a espécie foi outrora abundante.

Ameaça: Fragmentação
Esta subespécie da gazela-dama abundou outrora em toda a região ocidental do Saara. Agora, há menos de trezentos exemplares no Mali, Chade e Níger. O território está fragmen-
tado por pastagens criadas para os animais domésticos e a sua existência é ameaçada pela caça. A taxa de sucesso da reintrodução de animais criados em cativeiro é irregular.
Gazela-dama de Mhorr,Nanger dama mhorr

gazela

Surpreendentemente, a busca revelou a existência de mais cinco exemplares desta espécie, dois machos e três fêmeas. Foram todos levados para Cochabamba: a única fêmea adulta capaz de reproduzir-se com Romeu recebeu o nome de Julieta. Será Julieta uma parceira capaz de perpetuar a espécie? Ninguém sabe. 

Existia beleza na Ecnomiohyla rabborum? Não era tão exuberante, por exemplo, como a ararinha-azul (que deverá estar extinta na natureza), nem do langur-dourado da espécie Trachypithecus geei (em perigo), mas possuía um encanto muito próprio, graças aos seus expressivos olhos castanhos e membros elegantes.


 

Ameaça: Perda de Habitat
As borboletas percorrem longas distâncias em voo e alimentam-se de diversos tipos de flores, mas as lagartas são localívoras, alimentando-se das plantas sobre as quais nascem ou na sua proximidade. Quando essas plantas se perdem, as borboletas desaparecem. As espécies aqui referidas não figuram na lista da UICN (que só avaliou oito mil espécies de insectos), mas outras instituições consideram-nas em risco.

Para Joel Sartore, todas as criaturas merecem reverência. As suas fotografias captam o que existe de singular e espiritual em cada ser vivo. Uma das minhas imagens favoritas de Joel é de um caracol da espécie Partula nodosa deixando atrás de si um rasto de baba. Antigamente, havia dezenas de espécies do género Partula no Pacífico Sul, ocupando várias ilhas e diferentes nichos ecológicos. À semelhança dos tentilhões de Darwin, estes caracóis são espécies acarinhadas pelos biólogos especializados em evolução, pois constituem exemplos vivos do poder da selecção natural.
A introdução de caracóis carnívoros provenientes da Florida empurrou para a extinção quase um terço das espécies: várias sobrevivem apenas graças aos programas de reprodução em cativeiro. 

Ameaça: Caça Furtiva
É possível que 100 mil elefantes deambulassem pela Ásia no início do século XX. Desde então, a sua população reduziu-se provavelmente para metade. Foram abatidos pelas presas de marfim, mas também pela sua carne e coiro e, por vezes, como retaliação por danos causados às colheitas.
Elefante-asiático,Elephas maximus

elefante

Como a extinção ocorre hoje em dia com tanta frequência, é possível habituarmo-nos a ela.
É esta dessensibilização que torna tão importantes as imagens de Joel Sartore, pois mostram a majestosidade de cada espécie que se está a perder. 

Vivemos uma época extraordinária. Talvez ao reconhecê-lo consigamos começar a imaginar outra diferente – uma época que preserve, tanto quanto ainda é possível, a maravilhosa diversidade da vida.

Ameaça: Desflorestação
Para os lêmures que habitam árvores, não há vida sem a floresta - ou Madagascar, o seu único lar. No entanto, a nação insular perdeu 80% das suas árvores para o desenvolvimento, a produção de carvão vegetal e a agricultura de corte e queima. Os lêmures são espremidos em áreas protegidas limitadas; 38 espécies estão criticamente ameaçadas. Fogões com baixo consumo de combustível estão sendo introduzidos para incentivar as pessoas a reduzir o uso de madeira e proteger o habitat da floresta.

Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), há mais de 28 mil espécies de animais e plantas em risco de extinção. Este número constitui, aliás, uma estimativa conservadora. A partir de 1964, ano em que a UICN criou uma “lista vermelha” de espécies em perigo e começou a compilar dados de todo o planeta, essa lista tornou-se a base de dados mais conhecida dos animais e plantas ameaçados e uma ferramenta essencial para as políticas de conservação. No entanto, a UICN só conseguiu avaliar cerca de 106 mil dos mais de 1,5 milhões de espécies de animais e 300 mil espécies de plantas descritas e designadas pelos cientistas – as quais representam menos de um quarto das realmente existentes. Um relatório intergovernamental recentemente apresentado sobre a crise da biodiversidade calcula que a ameaça de extinção possa afectar um milhão de espécies de animais e plantas conhecidas e desconhecidas.
A UICN espera aumentar o número de avaliações de espécies para 160 mil até 2020. O ponto seguinte na sua agenda de prioridades é uma “lista verde” de sucessos de conservação. Vai ser muito mais curta do que a lista vermelha. 

toutinegra

Toutinegra de Bachman Vermivora bachmanii. Uma das mais pequenas toutinegras endémicas dos EUA, talvez já se encontre extinta devido a perda grave do habitat causada pela construção imobiliária no Sudeste do país e no seu território de Inverno, em Cuba. O último avistamento de um exemplar vivo deste animal foi relatado em 1988.