Em Abril de 1895, quando o famoso explorador norueguês Fridjtof Nansen tentou atravessar o Oceano Árctico congelado de trenó para alcançar o Pólo Norte, foi detido por filas intermináveis de cristas de gelo marinho. “Era um verdadeiro caos de blocos de gelo, estendendo-se até ao horizonte”, escreveu Nansen no seu relato da expedição, Farthest North. Puxar um trenó sobre eles era “suficiente para cansar gigantes”.
A acidentada paisagem de gelo que frustrou Nansen é agora coisa do passado, segundo um estudo publicado recentemente na revista Nature. O gelo marinho do Árctico sofreu uma alteração abrupta, permanente na sua estrutura – deixando de ser espesso e acidentado para se tornar fino e plano. A mudança ocorreu por volta de 2007, quando a cobertura de gelo de Verão atingiu um valor mínimo recorde, desencadeando um círculo vicioso que fez aumentar a temperatura da água e derreter o gelo.
Agora, quando as banquisas colidem, o gelo marinho, mais fino, tem mais propensão para se desfazer devido à pressão do que para construir cristas – um processo semelhante a um acordeão que torna o gelo mais espesso. O gelo fino e plano também se desloca mais depressa pelo oceano, fazendo com que as plataformas de gelo tenham menos tempo para crescer e dificultando a vida daqueles que dependem delas para sobreviver.
“O gelo marinho está para o ecossistema Árctico como o solo está para a floresta”, diz Flavio Lehner, cientista especializado em clima da Universidade de Cornell e do Polar Bears International. “Alterações rápidas como estas afectam toda a fauna e flora que depende do gelo marinho, desde as algas minúsculas que vivem sob o gelo a predadores de topo como os ursos polares”.
As cristas tornam o gelo do Árctico mais espesso e resistente. Vistas de cima, parecem “blocos de lego numa pilha comprida”, diz Mats Granskog, membro da equipa de investigação que monitoriza o gelo marinho desde 1990 no Estreito de Fram – a principal passagem entre os oceanos Árctico e Atlântico. Este tipo de gelo espesso e com cristas diminuiu para cerca de metade desde 2007, segundo o autor principal do estudo, Hiroshi Sumata, e os seus colegas do Norwegian Polar Institute.
Actualmente, é mais provável que o gelo marinho do Árctico se pareça mais com um parque de estacionamento coberto de neve do que com os caóticos blocos de gelo vistos por Nansen. Dois anos de declínio do gelo marinho durante o Verão – 2005 e 2007 – expuseram a superfície escura do oceano a mais calor vindo do Sol, reduzindo ainda mais o gelo marinho e aumentando a temperatura, num círculo vicioso, diz a co-autora Laura de Steur. As conclusões do novo estudo coincidem com as observações de satélite e outras investigações, diz Julienne Stroeve, especialista em detecção remota de gelo marinho do National Snow and Ice Data Center dos E.U.A. e da Universidade de Manitoba.
As cristas formam-se quando as plataformas colidem (ridging), ou uma se sobrepõe à outra (rafting). A pressão faz com que partes da plataforma se “deformem” – empurrando blocos de gelo para cima e formando pilhas volumosas. Este processo é a forma mais rápida de o gelo engrossar, diz Sumata. Contudo, o gelo mais fino não consegue produzir cristas desta dimensão e é mais frágil, tendo mais probabilidades de se desintegrar quando as plataformas de gelo colidem.
À semelhança dos icebergues, 90 por cento de uma plataforma de gelo encontra-se abaixo da água. A parte submersa das cristas pode atingir 18 metros de profundidade, o que lhes permite funcionarem como quilhas que ajudam a manter o gelo no sítio e a dar-lhe mais tempo para crescer. No entanto, a Transpolar Drift Stream – a poderosa corrente descoberta por Nansen quando fez o seu navio congelar no gelo deliberadamente – acelerou mais de um terço desde 2007, dizem os investigadores. Com quilhas mais pequenas, ou até ausentes, o gelo de hoje tem menor capacidade para resistir às forças que o empurram através do Árctico até ao Atlântico, mais quente, onde derretem. Consequentemente, o tempo de vida médio de uma plataforma de gelo diminuiu mais de 1,5 anos.
Mais fino, mais plano, mais rápido – o novo regime do gelo poderá ter efeitos profundos no ecossistema Árctico. Os ursos polares, por exemplo, têm de caminhar mais depressa para se manterem perto de bons territórios de caça à medida que a velocidade de deriva do gelo aumenta. Isso faz com que gastem mais energia na “passadeira de gelo”, diz John Whiteman, biólogo da Old Dominion University e do Polar Bears International. No entanto, à medida que a plataforma de gelo marinho onde caçam diminui e a estação de gelo se torna mais curta, as reservas de energia dos ursos também se vão tornando cada vez menores. A mudança das condições do gelo também ameaça mamíferos que dependem do gelo como focas-de-crista e narvais, bem como comunidades indígenas que vivem no Árctico e dependem da caça no gelo para se alimentarem.
A parte submersa do gelo marinho alberga uma enorme quantidade de vida, como estes anfípodes. A perda de cristas de gelo submersas poderá reduzir o habitat destes e outros organismos minúsculos que formam a base de rede alimentar oceânica com repercussões em todo o sistema marinho. O gelo mais fino e liso também é mais vulnerável a ser destruído por ciclones árcticos, cada vez mais frequentes à medida que o planeta aquece. O novo regime do gelo poderá abrir as águas do Árctico ao tráfego naval e a espécies invasoras. Ainda não conhecemos todas as consequências.
Entretanto, as temperaturas da água no Árctico continuam a subir. “Agora acontece no Inverno e no Verão”, afirma o oceanógrafo de Steur, “tornando ainda mais difícil a subsistência do gelo, que já está mais fino”.