A caixa de 2,5 quilogramas chegou num dia húmido de Junho. Ainda estava quente devido à viagem na carrinha de entregas. A etiqueta dizia “Boot Barn” em letras maiúsculas e, quando abri a embalagem, o cheiro a couro dominou a sala. A metade inferior das botas tinha um padrão enrugado distinto e áspero ao toque. Estampada no interior do cano das botas, estava a mensagem: “Couro de elefante genuíno.” Com um preço de tabela de 799,99 dólares, as botas estavam anunciadas online como botas exóticas “El Dorado Men’s Brass Indian Elephant”. Ou seja, as botas supostamente tinham sido produzidas com pele de um elefante-asiático, uma espécie ameaçada. Após quatro anos de trabalho como repórter do “Wildlife Watch”, um projecto de investigação financiado pela National Geographic Society, eu sabia que havia um mercado para praticamente qualquer espécie exótica, mas pensei que já seria difícil chocar-me.
A venda de botas produzidas com couro de elefante-asiático era um novo limite. Parecia um acto potencialmente ilegal ao abrigo da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas (CITES), na própria percepção de John Scanlon, secretário-geral da CITES entre 2010 e 2018. Os elefantes-asiáticos e os africanos são espécies ameaçadas de extinção. Como poderia a empresa Boot Barn, uma das grandes retalhistas do mercado norte-americano, vender estas botas?
Assim começou uma investigação que implicou meses de entrevistas, pesquisa em registos comerciais e financeiros, análises de materiais e inúmeros becos sem saída. Por fim, aprendemos uma lição difícil, mas valiosa: os esforços para monitorizar a conformidade do comércio com os regulamentos que regem produtos concebidos a partir de animais podem ser frustrados pela dificuldade de provar a proveniência dos itens.
Restam cerca de 400 mil elefantes-africanos e 50 mil elefantes-asiáticos. A maioria dos elefantes-asiáticos concentra-se na Índia e tem o que se pode chamar vantagem biológica sobre os seus primos africanos: na maioria das vezes, não têm presas. Essa circunstância ajuda a protegê-los do comércio de marfim, que tem dizimado a população de elefantes-africanos. Nos elefantes-asiáticos, só os machos têm presas.
A principal ameaça que recai sobre os elefantes-asiáticos resulta dos conflitos entre humanos e animais nas explorações agrícolas. De modo crescente, o comércio de pele de elefante também se tornou um problema. A pele é usada por vezes para fazer as contas dos colares da sorte usados em Myanmar e na China. Porém, até à data, não existiam relatos de botas de pele de elefante-asiático, pelo que a National Geographic decidiu descobrir se este produto usava realmente pele de elefante.
Conversei com especialistas em leis de comércio e vida selvagem, vasculhei os registos da CITES em busca de remessas legais de pele de elefante e identifiquei a empresa que fabricava as botas, mas para lá disso, as respostas eram difíceis de encontrar. Na esperança de determinar a origem das botas, a National Geographic comprou um par para fazer testes de DNA.
A Boot Barn anuncia botas exóticas de elefante indiano feitas a partir de pele de elefante. Como as vendas globais de pele de elefantes-asiáticos são potencialmente ilegais, tentámos confirmar a proveniência do material das botas através da análise de DNA. Tiras de material cortadas de uma bota foram testadas num laboratório da Universidade de Washington.
No laboratório do biólogo Sam Wesser da Universidade de Washington, os investigadores tentaram identificar a origem do couro das botas, usando testes de DNA. Seccionaram pequenas amostras e cortaram-nas em pedaços com uma lâmina de barbear, uma forma simples de obter a maior área de superfície possível, aumentando as hipóteses de encontrar DNA. Aplicaram produtos químicos às amostras para romper as paredes celulares, transformando os fragmentos numa papa castanha. Passaram cerca de uma semana a incubar a amostra, adicionando produtos químicos, em busca de indícios genéticos. No final, o computador devolveu apenas os resultados de DNA das amostras de controlo e não validou as amostras da Boot Barn.
Antes de fazer a compra, telefonei e enviei e-mails para a empresa vendedora durante semanas, fazendo perguntas sobre as botas e a sua origem. Não obtive qualquer resposta a quase uma dúzia de e-mails, telefonemas e mensagens no LinkedIn endereçadas ao director financeiro da empresa, ao gabinete de comunicação e às pessoas listadas como contactos de relações com a imprensa e investidores. Também liguei para o atendimento ao cliente e falei com um funcionário que me disse que tentaria apurar respostas e me ligaria de volta. Nunca houve contactos. O último pedido de comentário, dirigido ao presidente e director executivo da Boot Barn, foi enviado semanas antes da publicação deste artigo. O pedido não obteve resposta.
O anúncio da Boot Barn dizia que as botas eram produzidas por uma empresa chamada El Dorado. Ao pesquisar os registos de patentes da El Dorado e, em seguida, as declarações de rendimentos públicas da Boot Barn para a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, descobri que a El Dorado é uma “marca exclusiva” da Boot Barn Holdings, Inc. O site público da Boot Barn lista a El Dorado como uma das marcas de botas criadas pelo retalhista.
Pedi a Jonathan Kolby, um explorador da National Geographic que trabalhou como inspector de vida selvagem, para examinar a fotografia do anúncio. Ele disse que o material realmente era semelhante à pele de um elefante. Teresa Telecky, zoóloga e vice-presidente do Departamento de Vida Selvagem da Humane Society International, disse o mesmo. “Nunca vi botas de pele de elefante-asiático à venda”, disse.
Quando perguntei ao Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA sobre as regras para o uso de pele de elefante, a resposta foi uma declaração: “Em consequência do estatuto de protecção do elefante-asiático, a importação comercial e a venda subsequente de peles só poderia ser legal de acordo com a antiga excepção da Lei de Espécies Ameaçadas”. Essa antiga excepção refere que produtos de espécies protegidas podem ser importados e vendidos se tiverem pelo menos cem anos de idade. Outra excepção da CITES permite o comércio global de produtos cuja data de produção seja anterior à data em que o animal foi colocado na lista proibida – no caso do elefante-asiático, isso aconteceu em 1975. Mesmo assim, as vendas globais do produto teriam de ser anotadas nos registos comerciais da CITES, que são públicos. Ao pesquisarmos esses registos, não detectámos qualquer carregamento de peles de elefantes-asiáticos que parecesse uma fonte potencial. Outra possibilidade sombria: e se as peles fossem de elefantes cativos nos Estados Unidos, vendidas talvez por um dos zoológicos informais existentes no país? Telecky referiu que ainda assim seria ilegal vendê-las fora das fronteiras estaduais ao abrigo da Lei das Espécies Ameaçadas.
Dan Ashe, presidente e director-geral da Associação de Zoológicos e Aquários, tinha outra teoria. Sugeriu que, se as botas fossem genuinamente de pele de elefante, esta poderia provir de uma importação recente de peças de pele de elefante-africano do Zimbabwe. Embora o comércio de partes de elefantes-asiáticos seja proibido ao abrigo da CITES, há uma excepção legal para o comércio de couro de elefantes de quatro nações africanas com populações de elefantes estáveis: Zimbabwe, Botswana, Namíbia e África do Sul.
Para explorar a hipótese levantada por Ashe, telefonei para Sam Wasser, da Universidade de Washington. Sam dirige um laboratório que rastreou com sucesso as origens de marfim de elefante através de análises de DNA. Se fornecêssemos as botas, a sua equipa conseguiria determinar se eram de pele de elefante e, em caso afirmativo, de que espécie? Não havia garantias de que o processo de curtimento do couro tivesse deixado DNA nuclear utilizável, mas o laboratório tentaria.
Depois de as botas terem chegado a minha casa naquele dia quente de Junho, enviei-as para o laboratório de Wasser. As amostras do couro foram preparadas e testadas, mas não foi encontrado DNA nuclear. A directora do laboratório de genética de vida selvagem, Zofia Kaliszewska, disse que o DNA pode estar ausente porque “os taninos mataram tudo” durante o processamento ou porque realmente não era um elefante. Num último esforço, pediu ao laboratório para procurar DNA mitocondrial que pudesse ter sobrevivido. O mtDNA não conseguiria identificar uma espécie de elefante, mas podia pelo menos dizer-nos se havia pele de elefante presente. A equipa do laboratório passou vários dias à procura de mtDNA. Também sem sucesso.
Qual a espécie? Os elefantes-asiáticos são oito vezes mais raros do que os seus primos africanos. São também mais pequenos, têm orelhas arredondadas e possuem uma unha adicional no dedo da pata. Na maior parte das vezes, não têm presas. Usam a totalidade da tromba para levantar objectos, ao passo que os elefantes-africanos têm duas pontas na tromba para essas tarefas. Fotografia de Brent Stirton.
Depois de todo o tempo, dinheiro e esforço, não conseguimos determinar a proveniência das botas. Estaria o fabricante a vender botas de pele de elefante-asiático legal ou ilegalmente? Ou de pele de elefantes-africanos falseando a informação? Ou as botas não eram de pele de elefante de todo?
Isto é tudo o que podemos dizer: a nossa investigação sobre a origem das botas dá uma ideia real dos obstáculos que as autoridades e as agências reguladoras do comércio de vida selvagem enfrentam ao monitorizarem online a venda de produtos derivados da vida selvagem. Por mais que estes grupos trabalhem, estão provavelmente em desvantagem na Internet, um centro global no mercado negro multimilionário de animais exóticos e produtos de origem animal, uma das principais razões pelas quais o “Wildlife Watch” foi fundado pela National Geographic.
Nos meses seguintes, continuei a seguir o site da Boot Barn. No momento em que este artigo foi impresso, a empresa parecia ansiosa por vender rapidamente o seu stock de botas de pele de elefante. O site anunciava uma promoção: “34% de desconto.”