Tive a primeira lição sobre a física das dunas em 1998, no decurso de uma expedição ao Saara. Para captar fotografias aéreas nesta região isolada do mundo, aprendi a pilotar um paramotor, um dos meios de transporte aéreos mais leves e lentos do mundo. Pesa cerca de 45 quilogramas, atinge a velocidade máxima no ar de 50km/h e não tem rodas. Ao contrário do parapente, não necessita de um desnível para descolar.
Nota: Adicionámos a esta galeria fotografias de outros autores que mostram este espectacular fenómeno.
Para conseguir voar com o paramotor, aprendi a dominar novas técnicas. Não percebi, porém, que uma delas me iria fazer falta para sobreviver no Saara: a capacidade de interpretar as dunas. Vi-me obrigado a aprender a prever as correntes de ar invisíveis que criam as dunas. Se não prestasse atenção, poderia ser apanhado por turbulência ou até por uma corrente descendente fatal.
O Saara é atravessado por fieiras de barcanas ou dunas em forma de crescente. Senti-me intrigado pelas barcanas ao ler um livro de Ralph Bagnold, oficial do exército britânico pioneiro nas viagens motorizadas no deserto da Líbia. O autor descreveu-as como formas de vida, no sentido em que se deslocam, multiplicam-se, mantêm a estrutura e adaptam-se ao ambiente. Achei que seria interessante fotografá-las de cima.
Primeiro, porém, teria de chegar às dunas. Viajei até à região com o francês Alain Arnoux, campeão de paramotor. Demorámos quatro dias a chegar às barcanas com um veículo todo-o-terreno, partindo de N’Djamena, a capital do Chade, e daí rumando ao longínquo Norte. A areia que compõe as dunas também viajara, migrando para oeste, vinda do Egipto e do Sudão. Um mapa francês antigo, que mostrava as dunas como parêntesis curvos de fecho apontando na direcção do vento, serviu-nos de orientação.
Nem pude prever o fascínio exercido pelas dunas. Quando comecei a voar no deserto, vi-me enredado no seu feitiço e iniciei aquilo que seria um projecto de 15 anos a fotografar os desertos mais inóspitos do mundo.
Quando chegámos à depressão de Mourdi, o meu companheiro de viagem tinha más notícias. Gritando para se fazer ouvir, sobrepondo a voz ao vendaval, Alain disse-me que nem ele seria capaz de voar com tanto vento. Por isso, conduzimos até uma ampla bacia rochosa até encontrarmos uma barcana com 15 metros de altura que nos servisse de abrigo durante a noite.
Acordámos antes da alvorada. Sobre a crista da duna, o vento esmorecera até se tornar uma brisa. Descolei ao nascer do Sol, correndo pela encosta da duna a barlavento. Ao fim de 150 metros, senti-me como um insecto a voar sobre um enorme tapete rolante. As barcanas estendiam-se até ao horizonte enquanto se fundiam, separavam e geravam descendência.
Não tardei a enervar-me. O vento era muito mais veloz do que eu e, por isso, sentia-me empurrado para trás enquanto avançava na sua direcção. Para um piloto, é uma experiência assustadora. Não conseguimos ver o que está atrás de nós e, quando aterramos, temos 45 quilogramas às costas e uma vela enorme sobre a cabeça que continua a querer levar-nos para trás.
A fricção do vento contra o solo provoca o seu abrandamento: por isso desci até posicionar-me a 15 metros da crista da duna, para conseguir avançar. Uma hora mais tarde, até o vento a baixa altitude começou a aumentar. O solo escuro, aquecia, criando bolhas de ar quente ascendente que interrompiam a corrente suave junto à superfície. Quando ganhei altitude para descobrir o acampamento nas dunas, comecei a voar com o vento pelas costas, em vez de o ter pela frente, e, de repente, dei por mim a avançar a mais de 110 quilómetros por hora. Virei na direcção do vento e pairei como um papagaio 60 metros acima do acampamento. Alain aproximou-se rapidamente, vindo de baixo, e leu a duna como um livro aberto: o vento soprava sobre o topo da crista e depois voltava para trás. Uma tentativa de aterragem junto aos nossos automóveis, estacionados no arco interno da duna, seria fatal. O paramotor é uma asa insuflada. Numa atmosfera turbulenta, perderia a rigidez e ficaria enrugado. Seria melhor aterrar na encosta de barlavento da duna, mas uma rajada de vento poderia empurrar-nos novamente para o remoinho de vento, deixando-nos em péssimos lençóis. Enquanto eu o observava, Alain fez a escolha prudente e aterrou nas planícies de gravilha ao lado da duna, evitando deste modo a turbulência. Desci pouco depois, juntando-me a ele.
Alain ensinara-me uma lição sobre a maneira de interpretar os ventos. Após 26 expedições no deserto, descobri que, nas primeiras horas da manhã, as dunas são belas e é possível voar sobre elas. E aprendi a ser paciente na escolha das estações. No Saara, por exemplo, o Outono é melhor porque os ventos são relativamente fracos.
Ainda tenho medo das tempestades de areia, que podem surgir praticamente sem aviso e que obrigam a aterrar depressa. Com uma aeronave que voa mais depressa do que eu consigo correr, aprendi também que as dunas são minhas amigas. São macias e apontam sempre na direcção de uma aterragem segura. Não precisamos de um meteorologista que nos diga qual a direcção do vento quando existem dunas para nos informar.
Elaborei algumas regras simples. As dunas mais pequenas são as mais afectadas pelo vento e, por isso, a sua orientação diz-nos para onde ele está a soprar. Sempre que possível, devemos aterrar do lado da duna de areia onde bate o Sol: do lado que se encontra à sombra costuma haver correntes descendentes, que nos afundam como se fôssemos uma pedra. É mais seguro voar sobre areia branca do que sobre areia escura: a areia escura absorve o calor e, depois, liberta-o sob a forma de grandes bolhas de ar quente, como um candeeiro de lava. Quando há areia soprada sobre as cristas das dunas, é a hora certa para ficar em terra. E, por fim, é sempre melhor estar em terra, ansiando por voar no céu, do que estar no céu ansiando por chegar a terra.