Pegue numa mão-cheia de terra da Floresta Negra (Alemanha), de Tongass (Alasca) ou de Waipoua (Nova Zelândia). Levante-a e aproxime-a dos olhos.
O que vê?
Terra, evidentemente. Macia, rica e escura como cacau. Agulhas de pinheiro e folhas em decomposição. Partículas de musgo ou de líquen. Uma minhoca a contorcer-se para se afastar da luz, talvez, ou uma formiga assarapantada com a súbita mudança de altitude. Sue Grayston sabe que existe muito mais do que isto.
A sua dedicação ao solo começou no seu quintal. Quando era criança, em Stockton-on-Tees (Inglaterra), ajudava a mãe a semear e a cuidar do jardim. Sue adorava a escritora Beatrix Potter, não só pelos seus livros infantis sobre coelhos, mas também pelas suas ilustrações científicas de fungos e das diversas e maravilhosas formas que estes assumem ao emergirem do solo.
Na faculdade, onde teve acesso a microscópios, ficou fascinada pelas constelações de criaturas existentes no solo, embora fossem demasiado pequenas para estudar a olho nu. Sue sabia que encontrara a sua vocação. Depois de concluir o doutoramento em Ecologia Microbiana na Universidade de Sheffield, trabalhou para uma empresa de biotecnologia em Saskatoon, na província canadiana de Saskatchewan, e depois como investigadora do Instituto de Investigação Agrária de Macaulay (actual Instituto James Hutton), na Escócia. Ali começou a colaborar com especialistas em ecologia vegetal, lançando as sementes de um empreendimento que iria absorvê-la ao longo de grande parte da sua carreira: as ligações complexas entre os mais pequenos e os maiores habitantes do solo, os micróbios e as árvores.
Como criámos estas imagens: As imagens desta reportagem foram captadas com um microscópio electrónico de varrimento, que usa electrões em vez de luz para captar os pormenores mais delicados. Estes microscópios geram imagens em tons de cinzento, que têm de ser coloridas para mostrar as diferentes formas de vida.
Combinando campos de estudo inovadores com técnicas sofisticadas de sequenciamento genético, Sue e outros ecologistas compuseram um retrato muito mais rico de uma sociedade secreta que se esconde no solo da floresta – uma comunidade maioritariamente invisível, sem a qual aquele ecossistema entraria em colapso.
“Grande parte da biodiversidade encontra-se no solo, mas historicamente não sabemos muito sobre ela”, diz. “Isso começou a mudar nas últimas duas décadas.”
Muito abaixo das copas frondosas das florestas, teias de fungos filamentosos ligam raízes em redes de micorrizas através das quais as árvores trocam água, alimento e informação. Amebas unicelulares fundem-se em bolhas metamórficas chamadas fungos mucilaginosos, que exsudam de dentro da terra, ou ao longo dela, caçando bactérias e fungos. Artrópodes minúsculos conhecidos como colêmbolos deslocam-se rapidamente, catapultando-se ocasionalmente até distâncias mais de vinte vezes superiores ao comprimento do seu corpo numa fracção de segundo. Os ácaros oribatídeos, cada qual com cerca de um décimo do tamanho de uma lentilha, arrastam-se ao longo daquilo que, para eles, são montanhas e desfiladeiros, caminhando apenas cerca de metade de uma pista de bowling durante o seu tempo de vida típico de cerca de um ano e meio.
Outras criaturas são tão minúsculas que só se deslocam contorcendo-se ou remando sobre as finas películas de água que rodeiam as plantas e as partículas de solo. Entre outros, estes seres bizarros incluem nemátodes transparentes, com o formato de fios de esparguete; rotíferos com coroas rodopiantes de fibras semelhantes a pêlos que puxam alimento para dentro dos seus corpos em forma de jarra; e tardígrados, que parecem ursinhos de goma com oito patas, garras e tubos de sucção.
Rosemary Wardley. Fonte: Green Marble
Ainda mais minúsculos são os protozoários, um grupo diversificado de organismos unicelulares que, por vezes, se deslocam abanando os seus numerosos apêndices. No solo da floresta, também abundam bactérias e arqueias, que são superficialmente semelhantes às bactérias, mas constituem um reino biológico próprio. Num único grama de solo da floresta, chegam a existir mil milhões de bactérias e de fungos, milhares de protozoários e centenas de nemátodes.
Ao contrário do que se pensava noutros tempos, o solo não é uma substância inerte na qual árvores e outras plantas convenientemente se ancoram para extrair aquilo de que precisam. É cada vez mais claro que o solo é uma rede dinâmica de habitats e organismos – uma enorme tapeçaria em constante mudança, tecida com os fios de inúmeras espécies. O próprio solo está vivo.
Sue Grayston e outros ecologistas defendem actualmente que o conhecimento contemporâneo requer alterações substanciais na silvicultura. Eles descobriram que a prática comum do desmatamento causa danos muito mais generalizados e duradouros do que outrora se supunha. Não basta ter em conta a maneira como o abate das árvores altera a floresta do tronco para cima. Para ser realmente sustentável, a silvicultura também precisa de considerar as consequências de tudo o que se encontra em baixo.
Há ;milhares de milhões de anos, a Terra não tinha solo – apenas uma crosta rochosa que a chuva, o vento e o gelo desgastaram. Ao povoarem o planeta, micróbios, fungos, líquenes e plantas aceleraram a erosão da rocha, escavando-a, dissolvendo-a com a secreção de ácidos e quebrando-a com raízes.
Enquanto isso, os decompositores enriqueceram a crosta mineral com matéria orgânica. Solos florestais reconhecíveis surgem pela primeira vez no registo fóssil no Devónico, há cerca de 420 a 360 milhões de anos.
Actualmente, a vida continua a manter os solos do planeta em todos os ecossistemas terrestres. O solo da floresta encontra-se carregado de elementos essenciais, como carbono, azoto, fósforo e potássio. Sem as actividades diárias de criaturas minúsculas, sublinham Sue Grayston e os seus colegas, muitos destes elementos permaneceriam retidos ou seriam, de outra forma, inacessíveis.
Charly Ebel, vigilante da natureza na Floresta Negra (à direita), ajuda o fotógrafo Oliver Meckes (ao centro) e a bióloga Nicole Ottawa a recolher amostras de solo em locais onde a floresta não é tocada pelos lenhadores há mais de cem anos. Este trabalho procura revelar a espectacular biodiversidade que prospera no solo e sustenta o ecossistema acima deste.
Assim como as plantas fazem a fotossíntese, transformando a energia do Sol em moléculas ricas em carbono, elas libertam uma parte destes compostos através das raízes na terra, onde são consumidas por micróbios e fungos. Nessa troca, fungos micorrízicos e alguns micróbios que vivem entre raízes densas e emaranhadas ajudam-nas a absorver água e nutrientes e a transformar formas difíceis de metabolizar de azoto em moléculas que as plantas podem utilizar.
Quando parte das plantas murcha ou morre, anelídeos, artrópodes, fungos e micróbios decompõem esses tecidos frequentemente em componentes mais pequenos, devolvendo os seus nutrientes ao solo. Em paralelo, o movimento contínuo de animais minúsculos mistura diferentes camadas de solo, distribui nutrientes e mantém-no arejado. Ao digerir enormes quantidades de terra, segregando substâncias viscosas e depositando esferas fecais duradouras, as minhocas, lesmas e artrópodes imbuem a terra de matéria orgânica e ajudam as partículas a manterem-se juntas, melhorando a estrutura do solo. Em 2000, enquanto trabalhava para o Instituto Macaulay, Sue Grayston viajou até Tuttlingen, uma aldeia alemã empoleirada sobre o Danúbio, para investigar os solos da Floresta Negra com os seus colegas. Esta região do Sudoeste do país, com cerca de 6.000 quilómetros quadrados, conhecida pelas suas montanhas florestadas, é há muito valorizada pelas indústrias mineira e madeireira. Os investigadores visitaram alguns sítios distinguidos pela presença de faias com 70 a 80 anos de idade, com cascas cinzentas e macias e troncos retorcidos. Algumas das zonas examinadas pela equipa tinham sido bastante exploradas, com muitas árvores abatidas, enquanto outras permaneciam relativamente intactas.
Sue Grayston usou brocas para extrair pedaços de solo da floresta de diferentes locais e levou-as rapidamente para a Escócia, para serem examinadas mais pormenorizadamente. Os testes laboratoriais e as culturas de células revelaram que, numa parte da floresta, o abate intensivo de árvores diminuíra significativamente a abundância de micróbios.
Nessa época, essas associações revelaram-se fascinantes, mas ainda bastante misteriosas nos seus pormenores. Nas últimas duas décadas, porém, Sue e outros cientistas descobriram muito mais sobre a interdependência de plantas e micróbios do solo e a importância dessas relações para os ecossistemas florestais como um todo.
Em 2003, Sue mudou-se para Vancouver para ocupar o cargo de professora de Ecologia Microbiana na Universidade da Colúmbia Britânica e trabalha lá desde então. Ganhou carinho pelas altíssimas tuias gigantes e outras coníferas semelhantes, bem como pelas morquelas, cantarelos e outros cogumelos deliciosos que surgem entre elas como dádivas da floresta. Aqui, a sua equipa investiga mais aprofundadamente a maneira como diferentes tipos de silvicultura alteram as comunidades microbianas do solo. Muitos dos seus estudos comparam três tipos de abate madeireiro: o indiscriminado, que elimina todas as árvores de uma área; a abertura de clareiras e a remoção selectiva, que preserva aglomerados de árvores e a retenção dispersa que remove selectivamente árvores individuais, conservando uma distribuição uniforme.
Para testar a saúde do solo, Sue e os colegas enterraram sacos de rede de nylon cheios de raízes finas em zonas da floresta que tinham sido abatidas de diferentes formas. Deixaram as raízes para decomposição pelos minúsculos animais, fungos e micróbios e removeram-nas alguns meses ou anos mais tarde. De volta ao laboratório, os investigadores fizeram vários testes para identificar os organismos associados às raízes e determinar quão activos tinham sido.
Em muitos casos, o corte raso diminuíra a biodiversidade do solo e prejudicara os ciclos dos nutrientes. O abate em clareiras também alterara frequentemente a demografia das comunidades do solo, permitindo o domínio de um pequeno número de espécies.
No entanto, nem todos os métodos de abate tinham sido igualmente destrutivos. A abundância, diversidade e actividade dos micróbios permanecera relativamente alta nas zonas de abate selectivo para manter uma distribuição uniforme. Nos locais reduzidos a aglomerados de árvores, os investigadores descobriram comunidades microbianas similarmente robustas e vibrantes apenas na vizinhança imediata destes aglomerados. Quanto mais os investigadores se afastavam dos conjuntos de árvores remanescentes, mais inerte se tornava o solo.