A fotossíntese é uma componente essencial da vida na Terra, permitindo às plantas fabricarem o seu próprio alimento – mas os cientistas ainda não sabem exactamente como funciona. Duas novas experiências desvendaram uma nova fase da fotossíntese, identificando pormenores previamente desconhecidos sobre como as moléculas de água são decompostas – uma das reacções químicas mais difíceis.
As moléculas de água libertam oxigénio para a atmosfera quando se decompõem. Esse oxigénio, “do qual todos dependemos e é essencial para todas as formas de vida superiores, é um sub-produto desta reacção”, diz Jan Kern, químico do Lawrence Berkeley National Laboratory, na Califórnia, e co-autor de um dos estudos. Todos os animais precisam de oxigénio para respirar, incluindo os insectos, os peixes e os seres humanos – e a maioria das plantas também necessita de oxigénio para a respiração celular.
Kern e a sua equipa extraíram a estrutura proteica que decompõe a água, conhecida como Fotossistema II, de bactérias para estudar o seu comportamento.

Bombardeando estas estruturas com lasers e raios X, conseguiram captar imagens do processo à escala atómica, conforme descrito na revista "Nature". Outro estudo, igualmente publicado na "Nature", utilizou os sinais emitidos pelo Fotossistema II quando atingido por luz infravermelha para estudar as alterações ocorridas durante a fotossíntese. Estas técnicas de imagiologia detalhadas revelaram que a decomposição da água decorre em várias fases, nunca antes observadas.
O objectivo da decomposição das moléculas de água é libertar electrões, que são utilizados para alimentar o resto do processo da fotossíntese. “Este é basicamente o motor que impulsiona tudo”, diz Kern.

Munidos de um melhor conhecimento destas reacções químicas complexas, os cientistas têm agora uma ideia mais precisa dos motores que impulsionam a vida e poderão imitar a fotossíntese para gerar combustível à base de hidrogénio limpo.

“O nosso sonho é substituir os combustíveis fósseis”, diz Jenny Zhang da Universidade de Cambridge, em Inglaterra, que não participou nos estudos. “Para os substituirmos, precisamos de alimentar os electrões e a água é a melhor fonte”.

Consumidores de água e luz

A fotossíntese usa a luz solar para converter dióxido de carbono e água em açúcar, libertando oxigénio como produto residual. Evoluiu em bactérias unicelulares há mais de 2.500 milhões de anos.
“As consequências são colossais”, diz o biofísico Holger Dau da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, co-autor de um destes novos estudos, porque “conduziu à atmosfera rica em oxigénio que temos hoje na Terra”. O oxigénio é altamente reactivo e fornece muita energia aos organismos que o conseguem aproveitar, tendo permitido a evolução de animais activos de grande porte.
Actualmente, a fotossíntese é realizada por cianobactérias, algas verdes e plantas verdes, desde ervas a flores silvestres e sequóias gigantes. Contudo, apesar desta enorme diversidade de vida fotossintética, os pormenores do processo permaneceram incrivelmente constantes. “A natureza descobriu uma coisa há 3.000 milhões de anos e nunca mais a largou”, diz o biofísico Vittal Yachandra, do Lawrence Berkeley National Laboratory, co-autor de um dos novos estudos.
O primeiro passo da fotossíntese é decompor moléculas de água, que são formadas por um átomo de oxigénio e dois átomos de hidrogénio, libertando oxigénio como produto residual e aproveitando os electrões como fonte de energia.
As moléculas de água são decompostas por uma enzima complexa – uma estrutura proteica que funciona como um catalisador, acelerando as reacções bioquímicas – denominada Fotossistema II. O seu nome deve-se a um acidente histórico: é a primeira a actuar no processo da fotossíntese, mas uma outra enzima que entra em acção posteriormente foi descoberta primeiro.
O centro do Fotossistema II contém um aglomerado de iões, ou partículas com carga eléctrica, mais especificamente de manganésio, cálcio e oxigénio. Este aglomerado é responsável por decompor as moléculas de água e é o foco dos novos estudos. “Esta fase ainda não foi devidamente compreendida ao nível atómico”, diz Dau.

Como decompor H2O

Estudos prévios demonstraram que a reacção que decompõe a água é faseada. Primeiro, uma molécula de água entra no Fotossistema II e adere ao aglomerado de metais. Entretanto, o aglomerado acumula a energia proveniente da luz recebida, da qual necessita para decompor a água.
Para descobrir o que acontece em seguida, Yachandra, Kern e os seus colegas extraíram vários exemplares de Fotossistema II de bactérias. Mantiveram-nos às escuras e atingiram-nos com impulsos curtos de laser para desencadear as reacções e, em seguida, com raios X, para captar imagens das alterações ocorridas nas suas estruturas atómicas. Desta forma, conseguiram também captar imagens do processo de decomposição da água enquanto este decorria.
Foi então que tiveram uma surpresa: “Segundo o paradigma, a enzima carregava-se sozinha… e depois a química acontecia de uma só vez, na última fase”, diz Yachandra. Contudo, os dados não eram compatíveis com esta teoria. “O que estamos a descobrir é que a última fase não ocorre de uma só vez: inclui fases mais pequenas”.
Ainda não se sabe quais são as fases intermédias. Duas moléculas de água podem ser temporariamente transformadas num peróxido, no qual os oxigénios são unidos por um novo laço, forçando a remoção do hidrogénio.
No segundo estudo, Dau e os seus colegas descobriram evidências complementares. Obtiveram amostras de Fotossistema II de folhas de espinafre frescas e estimularam-nas com impulsos laser. Em seguida, utilizaram espectroscopia de infravermelhos para monitorizar alterações ocorridas no Fotossistema II, bombardeando-o com radiação infravermelha e medindo as emissões resultantes para verificar as alterações na enzima.
A equipa efectuou estas medições 230.000 vezes. “Começámos esta experiência há 15 anos”, diz Dau.
Estes dados também sugerem que existe uma fase intermédia na reacção de decomposição da água. A equipa de Dau também descobriu que a reacção só era possível porque um electrão e quatro protões se deslocavam de forma coordenada, revelando que o Fotossistema II exerce um controlo rigoroso sobre até as mais pequenas partículas envolvidas na reacção.
Os dois estudos “descobriram a última fase deste percurso catalítico”, diz Zhang. “Tem sido uma das maiores problemáticas da área.”

Origens evolutivas

Ainda não se sabe ao certo como a evolução do Fotossistema II e a fotossíntese começaram. O que se sabe é que o sistema de decomposição da água permaneceu praticamente inalterado ao longo de milhares de milhões de anos. “A natureza só teve de descobrir como fazê-lo uma vez”, diz Zhang. Isso pode dever-se ao facto de a reacção ser particularmente complexa, obrigando as moléculas a separarem-se apesar dos laços que as mantêm juntas.
Há apenas um mecanismo para decompor moléculas de água e este exige uma enzima altamente elaborada como o Fotossistema II. Como conseguiu a evolução descobri-la? Parte da resposta é que existem outras formas mais primitivas de fotossíntese que não implicam a decomposição da água. Essas versões menos familiares também usam a energia luminosa, mas obtêm electrões a partir de outros químicos, como o sulfeto de hidrogénio, e não libertam oxigénio.
Esta fotossíntese “anoxigénica” é mais antiga do que a que nos é familiar. “Ainda existem muitos organismos que realizam fotossíntese anoxigénica”, diz Kern, como bactérias verdes sulfurosas, mas estão confinadas a nichos pequenos.
A fotossíntese moderna, que decompõe a água, evoluiu provavelmente a partir destes sistemas mais antigos e simples.
“A água é uma escolha muito inteligente enquanto fonte de electrões porque existe em praticamente toda a Terra”, diz Kern. Utilizando a água como fonte de energia, “os organismos fotossintéticos conseguiram colonizar quase todos os habitats”.

Roubando electrões

Estudar os mecanismos da fotossíntese natural também pode inspirar o design de sistemas fotossintéticos artificiais.
A decomposição da água é essencial para o fabrico de “hidrogénio verde”. A ideia é utilizar o hidrogénio como combustível e substituir alguns combustíveis fósseis. Contudo, para ser verdadeiramente sustentável, o hidrogénio tem de ser criado através da decomposição de moléculas de água. “É uma reacção realmente difícil”, diz Zhang, por isso quaisquer pistas que a natureza nos possa dar serão fundamentais.
Um melhor conhecimento da fotossíntese também poderá conduzir a novas formas de gerar energia a partir das plantas, extraindo os electrões das células à medida que estes reagem.
Num estudo publicado em Março, Zhang e os seus colegas demonstraram ser possível extrair electrões de Fotossistema II fracções de segundo após estes serem activados pela luz. “Começamos agora a ver que podemos ligar-nos a sistemas vivos, a organismos fotossintéticos, por isso conseguimos roubar electrões”, afirma.
Os investigadores de Imperial College London estão a utilizar biologia sintética para redesenhar o Fotossistema II sem o removerem das células vivas. Outros pretendem redesenhar completamente o processo utilizando materiais sintéticos.
“Estamos a tentar aprender o conceito de design com a fotossíntese natural”, diz Junko Yano, colega de Vachandra e Kern no Lawrence Berkeley National Laboratory.
Yano diz que a lição mais importante a reter é que o processo só funciona num ambiente altamente controlado, como o existente no interior do Fotossistema II. “Ainda não conseguimos fazer tipo de química incrivelmente controlada em sistemas de fotossíntese artificiais”, afirma.
Com mais trabalho, porém, os cientistas poderão aprender a imitar um dos truques mais impressionantes da natureza.

 

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.