Proteínas anti-congelantes. Células repletas de açúcar. Desactivação cerebral. Para sobreviverem até à Primavera, muitas espécies descobriram maneiras surpreendentes de suspenderem as suas funções corporais.

Há alguns anos, um professor da minha universidade chocou a turma com uma demonstração. Mostrou uma rã-da-floresta que ainda estava viva, mas congelada, em estado sólido. Depois, de repente, atirou-a contra uma parede e ela estremeceu. Todos ficaram boquiabertos.

Instantes mais tarde, ele explicou que não atirara a rã. Para criar um momento dramático, trocara a rã por um pedaço de gelo. No entanto, o seu objetivo era ilustrar um argumento: que uma rã-da-floresta se congela efectivamente, ficando tão sólida como um pedaço de gelo, para sobreviver ao Inverno. Depois volta a descongelar na Primavera.

A rã-da-floresta é um dos animais que se congelam mais frequentemente estudados do planeta. Quando as temperaturas descem no Outono, ela aninha-se entre as folhas e deixa que o frio penetre no seu corpo até sucumbir por completo – coração, cérebro e tudo o resto. No entanto, não é a única espécie que praticamente morre para depois regressar à vida.

Milhares de larvas de insectos congelam e descongelam e algumas repetem o processo de ida e volta diariamente, consoante o estado do tempo. Juvenis de tartaruga-pintada conseguem congelar-se sem recorrer aos mesmos métodos que a rã-da-floresta. E existem ainda os tardígrados, que se desidratam por completo e aguardam a Primavera.

“Um animal congela-se para alargar o seu domínio mais para norte ou para altitudes mais elevadas, como o topo de uma montanha”, diz Kenneth Storey, professor de bioquímica da Universidade de Carleton, em Ottawa, no Canadá, que estuda a tolerância à congelação.

“Um animal consegue um melhor nicho no mundo se for capaz de congelar-se.”

Os açúcares são essenciais

“Temos então a rã-da-floresta: é líquida e está a saltitar de um lado para o outro; depois o gelo cobre-a vindo de fora”, diz Storey. “A sua pele congela um pouco e em seguida o gelo penetra na rã através das veias e das artérias.”

Daí em diante, tudo se torna mais estranho. Os olhos da rã ficam vidrados, o seu cérebro congela e o gelo empurra o sangue para o coração da rã antes de também este ficar sólido.

Esta transição exige grandes alterações a nível bioquímico. As moléculas de microRNA da rã reorganizam as células de modo a protegê-las de lesões. Em seguida, o gelo começa a formar-se lentamente em redor do exterior de órgãos e células. Em simultâneo, o fígado da rã bombeia quantidades incríveis de glucose – um líquido xaroposo que funciona como anticongelante para os órgãos vitais – que se infiltra em todo o lado, incluindo no interior das células para as impedir de encolherem e morrerem.

Depois, na Primavera, diz Storey, “o Sol volta a brilhar, a lama aparece e elas aquecem e descongelam”.

O seu grau de congelamento varia. No Alasca, as rãs-da-floresta congelam até -20,5ºC. Outras, na Carolina do Norte, arrefecem até -13,6ºC. Contudo, os mecanismos são os mesmos e também foram observados noutras rãs, incluindo a Litoria ewingii, a Pseudacris crucifer e a Acris crepitans, bem como em muitos insectos e larvas de insectos.

No entanto, essa não é a única forma como os animais congelam. Segundo novas investigações publicadas na revista Science of the Total Environment, as crias de tartaruga-pintada congelam através de uma reorganização do metabolismo comandada pelo microRNA, um processo que consome significativamente menos glucose do que o utilizado pelas rãs-da-floresta. E, na idade adulta, não já não congelam tanto, optando antes por suster a respiração. As adultas hibernam debaixo de água, na lama, onde podem sobreviver até 4 meses sem respirar.

As desvantagens do super arrefecimento

A expressão “super arrefecido” é, por vezes, utilizada para denominar um estado que evita o congelamento a temperaturas negativas. No entanto, o super arrefecimento acarreta os seus riscos na natureza e, sobretudo, nos órgãos humanos, diz Shannon Tessier, professora assistente na Faculdade de Medicina de Harvard que estuda como a animação suspensa na natureza pode ser aplicada nos transplantes de órgãos humanos.

O gelo precisa de algo em redor do qual se formar, um agente nucleante, que pode ser tão pequeno como um grão de poeira ou uma molécula de colesterol. No entanto, se um insecto ou um animal conseguir impedir a formação de cristais de gelo, o seu sangue congelado permanecerá líquido.

Isso é um grande “se”. Fora de um ambiente de laboratório altamente controlado, o nosso mundo está repleto de agentes nucleantes, diz Tessier. O esquilo-do-Ártico demonstrou ser capaz de evitar a congelação eliminando quaisquer potenciais núcleos que possam conduzir à formação de cristais. Contudo, isso não significa que super arrefeça até ao extremo. E, se o fizesse, que Storey reforça que não faz, qualquer força exterior ou um agente nucleante intrusivo transformaria o esquilo num sincelo incapaz de voltar à vida.

“Manter um órgão em estado líquido tem muitas vantagens” diz Tessier. “Mas, se houver sempre risco de formação acidental de gelo, esse problema que precisa de ser abordado.”

É por esta razão que muitas espécies que vivem em climas frios desenvolveram proteínas ou açúcares que as ajudam a diminuir a temperatura de congelação do seu sangue, permitindo-lhes assim descer abaixo dos 0ºC sem ocorrer formação de gelo. Algumas espécies de peixes marinhos têm proteínas anti-congelantes, enquanto muitos insectos usam açúcares.

Diferentes insectos desenvolveram maneiras diferentes de alcançar este mesmo objetivo. As larvas da mosca Eurosta solidaginis congelam no Inverno, em temperaturas negativas, e descongelam quando o ambiente aquece, chegando a demorar 24 horas a realizar o processo. As larvas da mariposa Gnorimoschema gallaesolidaginis, por outro lado, permanecem líquidas durante o dia e a noite, diz Storey.

Tal como a rã-da-floresta, as larvas de Eurosta solidaginis usam o açúcar para protegerem as suas células dos efeitos nocivos das temperaturas negativas. As larvas de Gnorimoschema gallaesolidaginis usam o açúcar para impedir a congelação, super arrefecendo até temperaturas tão baixas como -38ºC.

Desidratação para um frio seco

Os tardígrados, seres invertebrados microscópicos que se encontram nos climas mais extremos da Terra, descobriram uma forma inventiva de impedir que a água das suas células congele: limitam-se a expeli-la.

Os seres humanos não conseguem fazer isso. Se uma pessoa perdesse tão pouco como 5 por cento da sua água, morreria. Os tardígrados, porém, expelem água até estarem quase completamente secos. Os seus cérebros desligam-se, as suas oito patas recolhem-se e eles enfrentam o frio.

“Podemos mergulhá-los em azoto líquido e eles ficam bem”, diz Storey.

Os tardígrados recuperam igualmente depressa. Se lhes dermos água, eles reidratam-se e regressam àquilo que conhecemos como vida.

As rãs-da-floresta e outros animais que sobrevivem a condições extremas na natureza têm muitas aplicações na medicina moderna, sobretudo no domínio dos transplantes de órgãos, diz Tessier. Um coração humano, por exemplo, só consegue resistir cerca de 4 horas fora do organismo.

“Este tempo limitado causa constrangimentos logísticos”, acrescenta. “Por isso, estamos a tentar aplicar os princípios das rãs-da-floresta, com grandes quantidades de glucose, e congelar um fígado inteiro, um coração ou outro órgão, mantendo-o em animação suspensa, reanimando-o em segurança e transplantando-o posteriormente.”

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