O comportamento recentemente registado pode significar que a aranha jorō, uma espécie invasora, pode ter um efeito pequeno, mas positivo na vida de outros animais selvagens.
No dia 13 de Setembro de 2022, Arty Schronce, um naturalista especialista em jardinagem sediado em Atlanta, olhou pela janela da cozinha e viu aquilo que pensou ser uma fêmea de cardeal presa numa enorme teia de aranha dourada.
Isso já era suficientemente estranho, mas ao observá-la mais de perto, Schronce percebeu que a ave não estava presa. Na verdade, estava empoleirada num fio da teia e a atacar o grande aracnídeo preto amarelo e vermelho que a construíra: uma invasora jorō (Trichonephila clavata).
Depois de afugentar a aranha, o cardeal comeu alguns dos insectos que tinham ficado presos na teia. Em seguida, levantou voo.
O encontro durou apenas dois minutos, mas Schronce suspeitou que acabara de assistir a algo especial. Voltou no dia seguinte e viu que a aranha ainda lá estava e que a teia permanecia intacta.
“É altamente invulgar”, diz Andy Davis, especialista em aranhas jorō da Universidade da Georgia.
Aves a roubar comida de teias de aranha é um comportamento documentado, mas nestes casos, as aves pairavam sobre a teia ficavam empoleiradas num ramo próximo, relataram Davis e Schronce num estudo publicado na revista Insects. Também há registos de aves que ficaram presas em teias de aranha ou que recolheram teias de aranha para usarem nos seus ninhos. No entanto, nunca ninguém relatara ter visto uma ave poisada numa teia de aranha.
“Tanto quanto sabemos é uma estreia científica”, diz Davis. Schronce afirma que a experiência o fez perceber quão importante pode ser a ciência cidadã. “Todos podemos observar, aprender e talvez ver algo que nunca foi registado antes”, diz. Sendo fotógrafo de longa data, Schronce só gostaria de ter tido uma câmara melhor ao seu alcance.
Teia de uma cor diferente
Pensa-se que a jorō de cores vibrantes tenha sido acidentalmente introduzida nos Estados Unidos da América em 2014, através de um porta-contentores vindo da região oriental da Ásia – onde a espécie é nativa. Embora sejam maioritariamente inofensivos para os seres humanos, os aracnídeos pretos, amarelos e vermelhos são grandes, com uma envergadura de patas do tamanho da mão de um ser humano adulto.
Além disso, a jorō pertence a um género de tecedeiras conhecidas por tecer em teias grandes e resistentes. Outra espécie deste género, igualmente introduzida nos EUA, é conhecida como aranha da seda dourada devido ao tom amarelado de sua seda.
Coincidentemente, poucos meses antes de Schronce observar a ave empoleirada na teia da jorō, Davis realizara uma série de testes para determinar a força das teias de aranha no âmbito de um projecto para a feira de ciência da escola primária do seu filho Oscar.
A dupla de pai e filho usou um fio fino para colocar um medidor de força electrónico em cima de dez teias de jorō de dimensões semelhantes. Em seguida, puxaram-nas suavemente até as teias cederem ao esforço e registaram a força requerida em Newtons (uma unidade de medida definida como a força necessária para acelerar 1 kg de massa à velocidade de 1 metro por segundo a cada segundo).
As medidas obtidas por Davis permitiram-lhe concluir que as teias da jorō podem suportar um objecto que pese até 69 gramas. Isso significa que uma teia é facilmente capaz de suportar um cardeal, uma ave cujo peso situa-se tipicamente entre 42 e 49 gramas.
“Quatro ou cinco meses mais tarde, um tipo telefona-me e diz-me que viu uma ave poisada numa teia”, recorda Davis. “E então junto 2 + 2 e apercebo-me de que tenho dados que mostram basicamente a mesma coisa”.
Oscar ganhou o concurso da feira de ciência — e Davis ganhou um apoio valioso para a nova descoberta.
'Uma coisa bastante bizarra para um cardeal fazer'
Daniel Baldassarre, especialista em cardeais, diz que nunca tinha visto uma destas aves, comuns na América do Norte, fazer algo assim. Para começar, “os cardeais não são aves pequenas”, diz Baldassarre, ornitólogo da Universidade Estadual de Nova Iorque, em Oswego.
As aranhas jorōs são conhecidas por tecerem teias excepcionalmente grandes. Neste caso, a teia de uma aranha jorōs era suficientemente forte para suportar um cardeal empoleirado. Fotografia de Arty Schronce.
Além disso, não são o tipo de ave que procura alimento de uma forma tão delicada. Os cardeais passam muito tempo caçar alimento no solo e têm muito menos probabilidades de adoptar este tipo de comportamento de “andar na corda bamba”, que, segundo Baldassarre, é mais comum em aves que se alimentam sobretudo nas copas da floresta.
“Os cardeais são mais desajeitados e pesadões na maneira como forrageiam”, diz.
Além disso, são conhecidos pelo seu comportamento explorador: “têm tendência a tentarem comer de tudo, que é uma das razões pelas quais são uma espécie tão disseminada e bem-sucedida”, afirma.
Por isso, talvez não seja de admirar que a ave tenha roubado alguns dos insectos presos na teia da aranha - um comportamento conhecido como cleptoparasitismo.
“Mas sim, continua a ser uma coisa muito bizarra para um cardeal fazer”, diz Baldassarre.
Embora o comportamento só tenha sido documentado uma vez até à data, Davis interroga-se se outras aves nativas dos EUA poderão começar a perceber as potenciais vantagens disponibilizadas por estas novas aranhas grandes e as suas teias. Outro cleptoparasita nativo, conhecido como aranha gota-de-orvalho, parece estar a aproveitar ao máximo a situação.
“Estas aranhas pequenas ganham o seu sustento andando nas teias de outras aranhas e roubando-lhes o alimento”, diz Davis. “Em todas as teias de jorō que vi neste Outono, devo ter visto aranhas gotas de orvalho em pelo menos 30% delas. Por isso, as gotas de orvalho estão a beneficiar imenso com as jorōs.”