É Verão e o tordo-fulvo já quase acabou de acasalar e de chocar a geração deste ano no Norte dos EUA e no Sul do Canadá. Em breve, a ave de penas castanhas e barriga branca fará uma mudança monumental, migrando milhares de quilómetros rumo a Sul, atravessando o Golfo do México e o mar das Caraíbas, até à América do Sul.

É uma viagem perigosa para uma pequena ave canora com apenas cerca de 30 gramas e, se um furacão se atravessar na sua migração, algumas aves poderão nunca chegar ao destino.

No entanto, todas as estações de furacões são diferentes e, segundo os estudos, os tordos sintonizaram-se com os ciclos de clima globais, o que lhes permite prever quão perigosa será uma estação.

 Tordo é colocado num saco de pano
GREG KAHN

Um tordo é colocado num saco de pano, no qual aguarda ser examinado e etiquetado por cientistas. No Parque Estadual de White Clay Creek, no estado de Delaware, Heckscher e a sua equipa de investigação estudam os hábitos migratórios das aves locais. Todos os anos diversas espécies percorrem milhares de quilómetros rumo a Sul para passar o Inverno.

Um estudo publicado na revista Scientific Reports em 2018, mostrou que, ao longo de duas décadas os padrões de migração dos tordos desde o estado de Delaware até à América do Sul previram com rigor a intensidade da estação de furacões na Bacia do Atlântico. Nos anos maus, as aves encurtavam a época de acasalamento, iniciando a sua migração para a América do Sul mais cedo, e nos anos amenos, as aves permaneciam mais tempo na região oriental da América do Norte.

 

Tahira Mohyuddin retira um tordo de uma rede
GREG KAHN

A aluna de pós-graduação Tahira Mohyuddin retira um tordo de uma rede utilizada para capturar as aves. Quando se prevê uma estação de furacões particularmente perigosa, os tordos terminam a época de nidificação mais cedo, mudam a pena e rumam a Sul antes do pico da estação.

“Os furacões ocorrem na altura em que elas migram. Se terminarem a estação de acasalamento mais cedo, podem chegar mais cedo ao Sul. Faz sentido que tenham descoberto como lidar com isso”, diz Christopher Heckscher, líder do estudo e ecologista da Delaware State University.

Desde que o estudo de Heckscher foi publicado que as aves continuam a fazê-lo. Embora ele diga que é demasiado cedo para determinar o que as aves estão a prever para 2023, em três das quatro últimas estações de furacões atlânticos, os tordos foram tão precisos – e, num caso, até mais – do que os modelos meteorológicos.

 

Peso dos tordos
GREG KAHN

Os tordos são aves pequenas, pesando entre 20 e 50 gramas. Uma das teorias sobre a forma como prevêem os furacões defende que, quando chove mais no seu habitat sul-americano, há também mais fruta disponível, o que melhora a sua forma física e os torna capazes de permanecer na América do Norte durante mais tempo.

“Estas aves recebem dicas de algum lado e pode ser algo que ainda nem sequer descobrimos”, diz Heckscher.

Embora não tenha procurado padrões semelhantes entre outras aves migratórias, ele suspeita que existam.

Foram realizados muitos estudos sobre migração de aves nos pontos de paragem dos animais, como o Golfo do México, afirma. “Se fôssemos à procura deste sinal previsor dos furacões nesses dados, acho que poderíamos encontrá-lo”.

 

Como os tordos prevêem o futuro

Heckscher acha que as aves obtêm as suas informações meteorológicas nos locais onde passam o Inverno, na América do Sul, onde os padrões meteorológicos de grande escala que influenciam a estação dos furacões começam a desenrolar-se muito antes de um furacão se formar.

A maneira exacta como os tordos prevêem as estações de furacões poderá resultar de pequenas alterações em ciclos globais regulares como os eventos El Niño e La Niña.

Heckscher estuda tordos há 25 anos
GREG KAHN

Heckscher estuda tordos há 25 anos e descobriu que os seus padrões migratórios e as estações de furacões estavam ligadas por acidente, quando reparou que os hábitos das aves mudavam de ano para ano. “Pensei, bem, os furacões ocorrem na mesma altura em que elas migram. Talvez se terminarem a época de acasalamento mais cedo possam chegar lá abaixo mais depressa.”

Nos anos de El Niño, a água do Oceano Pacífico aquece acima da média e essas temperaturas do Oceano Pacífico geram ventos que desfazem mais eficazmente os furacões, resultando em estações de furacões abaixo da média. O oposto aplica-se a um ano de La Niña. Devido a estas alterações sazonais, a precipitação pode variar no habitat dos tordos: em anos com mais chuva poderá haver mais fruta, um alimento essencial na dieta dos tordos.

 

O resultado dessas flutuações na precipitação ocorridas a 8.000 quilómetros de distância: uma previsão fiável da estação dos furacões.

 Com intervalos de alguns anos, o Oceano Pacífico aquece acima da média
GREG KAHN

Com intervalos de alguns anos, o Oceano Pacífico aquece acima da média – um El Niño — ou arrefece abaixo da média — La Niña. Estas fases podem gerar mais ou menos furacões num determinado ano, mas também influenciam quanta chuva cai no habitat brasileiro dos tordos. Estas alterações na precipitação podem produzir mais ou menos fruta, um alimento essencial na dieta da ave.

Heckscher coloca a hipótese de esta alteração na dieta dos tordos poder ajudá-los a regressar à América do Norte em melhor forma, mais capazes de empreender uma época de acasalamento mais longa. Em contrapartida, com fruta a menos, eles poderão ter de encurtar a estação de acasalamento por estarem em pior forma física.

“Algo que se passa na composição química do seu sangue ou nas hormonas que os faz parar de acasalar a dada altura”, diz Heckscher.

Os cardeais
GREG KAHN

Os cardeais, como a fêmea aqui examinada, vivem nas regiões oriental e central da América do Norte. Ao contrário dos tordos, os cardeais não migram. As suas distintivas penas vermelhas e o formato da sua cabeça fazem com que seja uma das aves preferidas dos ornitólogos amadores.

Para os efeitos deste estudo, ele e os seus colegas observaram aves entre 1998 e 2016 e, em quase todos os anos, o comportamento dos tordos foi um indicador preciso de uma actividade dos furacões acima ou abaixo da média nos EUA.

“É um [estudo] fascinante”, diz Andrew Farnswoth, especialista em migrações de aves do Cornell Lab of Ornithology, que não participou nesta investigação. Farnsworth não estava familiarizado com quaisquer estudos que demonstrassem correlações semelhantes, mas diz que o estudo de Heckscher é sólido em termos lógicos.

“O facto de existir um padrão interessante como este faz todo o sentido”, afirma. “Há imensos eventos relacionados, uma espécie de efeito borboleta.”

As alterações climáticas perturbam um equilíbrio delicado

Migrações como as dos tordos foram evoluindo ao longo de milhares de anos à medida que as aves vão sentindo e reagindo a alterações previsíveis no clima.

“A questão agora é a velocidade a que o clima está a mudar. Conseguirão as aves reagir suficientemente depressa?”, pergunta Farnsworth.

A mariquita-de-coroa-ruiva é um tipo de toutinegra
GREG KAHN

A mariquita-de-coroa-ruiva é um tipo de toutinegra. Acasala na região oriental dos EUA e no sul do Canadá antes de voar rumo a sul até às Caraíbas e ao México, onde passa o Inverno. As aves, tanto as que migram como as que permanecem no mesmo local, são altamente reactivas a alterações no seu ambiente e fornecem informações sobre como estes ambientes estão a mudar aos cientistas.

As investigações demonstraram que as alterações climáticas aumentam a probabilidade de tempestades pequenas se transformarem em tempestades grandes, formando furacões, enquanto atravessam o oceano mais devagar.

Heckscher teme que a possibilidade de os furacões se deslocarem mais devagar sobre o Golfo do México possa fazer aves como os tordos enfrentarem um período de risco mais longo, durante o qual podem ser afastadas da sua rota ou morrer.

Tahira Mohyuddin sopra delicadamente sobre as penas da barriga de um tordo
GREG KAHN

A aluna de pós-graduação Tahira Mohyuddin sopra delicadamente sobre as penas da barriga de um tordo para expor a placa de incubação, uma zona de pele sem penas que se desenvolve durante a época de nidificação e ajuda as aves a transferirem o calor corporal para os seus ovos. Ao longo de milhares de anos, gerações de tordos adaptaram-se ao seu ambiente, mas as alterações climáticas estão a perturbar rapidamente os padrões regulares de que eles necessitam para sobreviver.

As populações de tordos-fulvos decaíram quase um terço a nível mundial desde 1966. O seu habitat na América do Sul está a ser rapidamente dizimado para criar espaço para a agricultura e os seus habitats setentrionais estão a ser cada vez mais fragmentados.

Aves migratórias como os tordos também enfrentam maior risco de colisão contra edifícios – todos os anos até mil milhões de aves morrem ao chocar com edifícios cujas janelas de vidro reflectoras são frequentemente confundidas com o céu.

 

 Tordo deixa os pousos onde passa a Primavera e o Verão na América do Norte dirigindo-se à América Central
GREG KAHN

Este tordo, como os seus parentes, deixa os pousos onde passa a Primavera e o Verão na América do Norte dirigindo-se à América Central e do Sul para passar os meses frios do Outono e do Inverno.

Isto faz com que os tordos corram o risco de desaparecerem das florestas, levando consigo as suas melódicas canções.

“Estou muito preocupado com estas aves”, diz Hecksher. “Elas são vulneráveis por imensas razões.”

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.