Um rapaz pálido de uniforme inclina timidamente a cabeça e as lágrimas começam a deslizar-lhe rosto abaixo. Está a contar de novo a sua história aterradora.
Emmanuel Festo, de 15 anos, passou grande parte da sua vida aprendendo a viver com a perda que sofreu aos 6 anos de idade. Quatro homens armados com catanas cortaram-lhe quase todo o braço esquerdo, a maior parte dos dedos da mão direita, parte do maxilar e quatro dentes da frente, com o intuito de vendê-los. Emma, como lhe chamam, é hoje um aluno de excelência num colégio interno privado. Embora gagueje, é saudável, forte e tem amigos. É também um artista: desenha jogadores de futebol e o Homem-Aranha. Para mim, desenhou de memória um mapa pormenorizado do seu país, utilizando a bochecha, o queixo e o ombro para conduzir os marcadores. 

Tem a pele branca como marfim, o cabelo rapado à escovinha cor de laranja pálido e a visão fraca.

Emma nasceu com albinismo, uma característica recessiva que herdou dos pais de pele escura. Tem a pele branca como marfim, o cabelo rapado à escovinha cor de laranja pálido e a visão fraca. Há muito que as pessoas como ele são temidas e escarnecidas na África Austral, até pelos próprios familiares. Agora, são mesmo atacadas. Alguns feiticeiros defendem que partes dos seus corpos, transformadas em poções, pós ou amuletos, podem proporcionar riqueza e sucesso. 
Relatos pormenorizados e horripilantes são preservados pela Under the Same Sun, organização sem fins lucrativos que combate a discriminação contra as pessoas com albinismo. Desde a década de 1990, em 27 países africanos, pelo menos 190 pessoas foram assassinadas e 300 sofreram ataques, na sua maioria desde 2008. O epicentro desta vaga de crimes, na qual se inclui o saque de sepulturas, é a Tanzânia. 

Num templo hinduísta perto de sua casa em Nova Deli, na Índia, três gerações de uma família com albinismo posam para um raro retrato de família. Quando duas pessoas com albinismo têm filhos, as crianças são todas albinas. Rose Turai Pullan (na fila da frente) e a sua mulher, Mani (ao centro), posam com os seis filhos, o genro (fila de trás, segundo a contar da esquerda), e o seu único neto, Dharamraj Mariappan Devendra.

Há quase uma década, quando estes ataques suscitaram pela primeira vez a atenção internacional, as autoridades públicas tanzanianas reuniram muitas crianças com albinismo e, para sua segurança, enviaram-nas para escolas rudimentares destinadas a crianças cegas e portadoras de outras deficiências. Muitas continuam a viver lá. Até 2012, Emma partilhou um beliche com mais três rapazes num destes centros estatais. 
Emma diz-me que gosta muito da sua escola nova perto de Mwanza, onde lhe deram uma cama só para ele. Quando lhe pergunto o que o preocupa hoje, ele responde que os outros rapazes fazem troça dos seus dentes partidos. Depois, faz uma confissão simples e confrangedora: “[Preocupa-me] Ir à casa de banho. O meu amigo ajuda-me, mas por vezes não me dá papel higiénico ou só me dá um pedacinho, que não me chega.”


Estudantes com albinismo, de chapéu, sentam-se à sombra durante o intervalo para o lanche da manhã na escola de Lake View, perto de Mwanza, na Tanzânia, enquanto os seus colegas se dirigem para o soalheiro pátio de recreio. As pessoas com albinismo possuem pouca ou nenhuma melanina na pele, tornando-se vulneráveis à radiação ultravioleta potencialmente causadora de cancro cutâneo. 

Em Dar es-Salam, a maior cidade da Tanzânia, Mariamu Staford compreende as dificuldades enfrentadas por Emma. Ela perdeu os dois braços aos 25 anos, mas aos 33 gere uma pequena loja onde vende água e refrigerantes. O sorriso enche--lhe o rosto redondo, tem as unhas dos dedos dos pés pintadas de vermelho e azul e reluz no seu vestido verde garrido. As mangas caem dos dois lados do corpo. 
Dois dos seus agressores foram libertados e um morreu antes de ser julgado. Quando a interrogo sobre o quarto agressor (um vizinho), ela cerra os olhos e franze o rosto como se fosse dizer uma piada hilariante. “Puseram-no em liberdade!”, grita. “Voltou à aldeia.” Como a visão de Marianne é fraca, “o juiz disse que eu não conseguia identificá-lo. Mas nós tínhamos vivido perto daquele indivíduo durante mais de dez anos. Seria capaz de identificá-lo sem dificuldade”.

Mwigulu Matonange e Baraka Cosmas tinham 9 e 5 anos quando foram atacados por agressores armados com catanas. Cortaram-lhes partes do corpo que se diz terem poder como amuletos de feitiçaria. No Hospital Shriners de Filadélfia, receberam próteses oferecidas pelo Global Medical Relief Fund, organização sem fins lucrativos que ajuda crianças estropiadas. 

Mariamu precisa do apoio de um jovem ajudante que dá o troco aos clientes e de uma prestadora de cuidados a tempo inteiro que cozinha e lhe dá de comer, vestindo-a e despindo-a e ajudando-a a lavar-se de uma maneira que a maioria das pessoas gostaria de nunca necessitar. E contudo, noutros aspectos, ela é independente. Lê a Bíblia servindo-se da língua e do queixo para virar as páginas. E gaba-se de ser capaz de escrever mensagens no seu telemóvel. 

À semelhança de outras pessoas com albinismo, Emma e Mariamu têm pouca ou nenhuma melanina, ou pigmento, na pele, no cabelo e nos olhos.

Para meu espanto, vejo-a encaixar o telefone na mesa e, de seguida, debruça-se sobre ele como se fosse dar-lhe um beijo. Em vez disso, dactilografa com os dentes, emitindo sons parecidos com os de uma galinha a debicar o solo. “Bwana Yesu asifiwe”, escreveu em suaíli. “Louvado seja o Senhor.”
À semelhança de outras pessoas com albinismo, Emma e Mariamu têm pouca ou nenhuma melanina, ou pigmento, na pele, no cabelo e nos olhos. São vulneráveis a lesões solares potencialmente causadoras de cancro. Enfrentam desafios idênticos aos de outras pessoas nascidas com albinismo em todo o mundo – o estigma do ridículo, a visão fraca e a sensibilidade ao sol –, mas, além disso, vivem numa região onde é comum a crença em espíritos e feitiços, onde a formação escolar é pontual, a pobreza endémica e o albinismo é geralmente mal compreendido. No passado, as pessoas com albinismo eram frequentemente mortas ao nascerem ou enterradas em rituais tribais. 

No Centro Kabanga, no Noroeste da Tanzânia, Yonge Kifunga, de 5 anos, faz sombra com a mão para proteger os seus olhos sensíveis. Mbalu Keja, com dois dos seus três filhos, vive no centro. Para proteger as crianças com albinismo, após uma vaga de assassínios em 2008, o Estado enviou muitas para instituições destinadas a estudantes cegos e portadoras de deficiência.

Embora a maior família de pessoas com albinismo até agora documentada viva na Índia, o albinismo está mais generalizado na Tanzânia do que em qualquer outro país. Cerca de 1 em cada 1.400 habitantes do país nasce pálido e cerca de 1 em cada 17 é portador do gene recessivo. A ocorrência do albinismo apresenta grande variação em todo o mundo. Na Europa e na América do Norte, a taxa é de apenas 1 em 20 mil. No arquipélago de San Blas, ao largo da costa do Panamá, a prevalência entre o povo guna é impressionante: 1 em 70. Aqui, segundo os habitantes locais, os panamianos morenos e loiros vivem juntos sem incidentes. 
O ambiente escolar seguro de Emma e a prestadora de cuidados de Staford são pagos pela ONG Under the Same Sun, fundada pelo empresário canadiano Peter Ash. Peter e a mulher contribuem todos os anos com 900 mil euros para o orçamento de 1,3 milhões de euros desta organização sem fins lucrativos. Peter é, provavelmente, o mais destacado defensor das pessoas com albinismo. Conseguiu persuadir a Organização das Nações Unidas a proclamar o dia 13 de Junho como Dia Internacional da Sensibilização para o Albinismo e a nomear um perito que se deslocou a Moçambique e ao Malawi em 2016, após uma vaga de ataques nestes dois países. 

Embora a maior família de pessoas com albinismo até agora documentada viva na Índia, o albinismo está mais generalizado na Tanzânia do que em qualquer outro país.

O orçamento desta organização sem fins lucrativos é quase totalmente despendido a partir de um complexo murado e guardado em Dar-es-Salam. A Under the Same Sun financia a educação de cerca de 320 crianças para profissionalizá-las, procurando alterar os estereótipos que afectam as pessoas com albinismo na África subsaariana, onde há muitos séculos elas são vistas como maldições e fardos. A sua visão é demasiado fraca para frequentar a escola normal. Para muitos, elas são demasiado estranhas para serem abraçadas. 
“Para mim, estas crianças são como mísseis, disparados sobre a sociedade para destruir a discriminação”, diz Peter Ash, ao sentar-se no chão de outra escola, na companhia de 40 alunos albinos, de crianças pequenas a adolescentes. Grande, forte e autoconfiante, vai aplaudindo enquanto os miúdos gritam os seus sonhos de carreira – “Advogado!” “Enfermeiro!” “Presidente!” – e, depois, proclama-os “embaixadores da mudança”. De seguida, cercam-no como um enxame. Levanta o queixo aos mais tímidos e diz-lhes: “Tens de olhar-me nos olhos. Se não acreditares em ti, o mundo também não acreditará.”


Shamima Kassimu, de 8 anos, vive no Centro de Kabanga com três irmãos também com albinismo. Algumas pessoas produzem pequenas quantidades de melanina. A exposição solar provoca manchas escuras inofensivas na pele, mas o sol também pode causar lesões perigosas capazes de degenerar em cancro da pele se não forem tratadas numa fase precoce. 

O quadro de funcionários da Under the Same Sun, composto por 26 tanzanianos, mais de metade dos quais albinos, organiza seminários para sensibilizar as comunidades para o albinismo, habitualmente em aldeias onde há homicídios, ataques ou raptos. Nesses lugares isolados, existe grande diversidade de conselheiros, curandeiros, feiticeiros ou adivinhos, denominados waganga em suaíli, que costumam ser consultados para resolver problemas diversos – desde doenças de vacas que perderam o leite ou esposas indiferentes. Entre outros remédios, receitam raízes pulverizadas, poções de ervas ou sangue de animais. 

Segundo se afirma, o cabelo, os ossos, os órgãos genitais e os polegares dos albinos possuem poderes especiais.

As pessoas desesperadamente desejosas de sucesso procuram por vezes soluções mais potentes. Alguns waganga insistem que a magia é abundante nos seus vizinhos de pele cor de giz. Segundo se afirma, o cabelo, os ossos, os órgãos genitais e os polegares dos albinos possuem poderes especiais. Uma vez secos, moídos e ensacados ou polvilhados sobre o mar, diz-se que os pedaços de pessoas nascidas brancas num continente de gente com pele escura podem encher uma rede de pesca, revelar ouro num leito rochoso ou contribuir para que os políticos conquistem votos. 
Na rochosa margem meridional do lago Victoria, em Mwanza, homens e rapazes ocupam-se dos seus veleiros toscamente esculpidos em madeira. Um dos pescadores comenta em suaíli: “Não podemos ir para o lago de qualquer maneira, sem orientação ou protecção. Alguns de nós acreditam em Deus, mas os que acreditam em feiticeiros conseguem mais peixe do que os que acreditam em Deus!”

No Centro de Kabanga, Melas Luge, de 10 anos, e as irmãs Zawia, de 11, e Shamima Kassimu precisam de aproximar os objectos dos olhos para conseguirem vê-los. As pessoas com albinismo têm visão fraca que, frequentemente, pode ser melhorada com uso de óculos. Obtêm bons resultados escolares sentando-se nas filas da frente e contando com a ajuda dos colegas que partilhem com elas os apontamentos. 

Todos riem, anuindo com convicção. E continua: “Os feiticeiros arranjam-nos um objecto envolto em pano ou papel.” Pergunto o que se encontra no embrulho. Um homem mais velho, alto, diz simplesmente: “Não nos atrevemos a olhar.” Contraponho: “Contaram-me que, por vezes, partes do corpo de pessoas albinas são usadas nestes amuletos”, e, antes de o meu intérprete terminar, todos eles já estão a franzir o sobrolho. Um acaba por dizer: “Aqui ninguém faz isso. Lá nas minas é que fazem assim.”
Não se sabe ao certo como essas partes do corpo conquistaram a sua mística, mas os investigadores conseguem rastrear o seu uso como bens de valor à viragem deste século, momento em que os agricultores de subsistência descobriram melhores oportunidades, mas também mais riscos, na pesca ou na mineração de ouro. 

Na maior parte dos casos, há um familiar implicado no ataque. “Dinheiro ambulante” é um insulto proferido contra as pessoas com albinismo.

Na maior parte dos casos, há um familiar implicado no ataque. “Dinheiro ambulante” é um insulto proferido contra as pessoas com albinismo. Peter Ash explica a situação com uma analogia: “É como se alguém tivesse um cão doente no quintal e o vizinho lhe dissesse: ‘Dou-lhe um milhão de euros para abater esse cão.’ É assim que alguns pais vêem estas crianças. Um braço pode render 4.500 euros a um feiticeiro e o pai pode obter 450 ou 900 euros. É muito dinheiro.” Na Tanzânia, o rendimento médio anual é de de 2.750 euros.
Desde 2007, apenas 21 indivíduos foram condenados por assassinar outros com albinismo em seis processos judiciais, segundo a procuradora Beatrice Mpembo, que atribui as culpas deste número à falta de colaboração por parte dos parentes. Peter Ash afirma que só cerca de 5% dos detidos são condenados. Ninguém revelou até hoje o nome de qualquer instigador na origem desta violência — os clientes ricos dos waganga.

 Desde 2007, apenas 21 indivíduos foram condenados por assassinar outros com albinismo em seis processos judiciais.

Peter ash começou por ser pastor religioso, juntando-se de seguida ao irmão, que também tem albinismo, nos negócios. Uma vez que é praticamente cego, à semelhança da maior parte das pessoas com albinismo, Peter emprega um motorista a tempo inteiro, que conduz o seu BMW negro de último modelo. Os seus óculos foram tingidos com protecção solar e o lado esquerdo, daquele a que chama o seu “olho que vê”, encontra-se equipado com uma lente que amplia seis vezes.


Na escola Lake View, Rehema Hajji, de 9 anos, aplica protector solar à sua irmã mais nova, Fatuma, de 5 anos, antes de ambas saírem para a rua e ficarem expostas ao sol. O protector solar é caro em África, mas as organizações sem fins lucrativos distribuem-no gratuitamente. Na Tanzânia, muitas pessoas com albinismo morrem de cancro cutâneo antes dos 40 anos. 

Em 2008, aos 43 anos, já acumulara tanto dinheiro que se sentiu apto a fazer algo com o excedente. Certa noite, a horas tardias, ao procurar no Google por “albinos África”, ficou horrorizado e sem sono com o que viu. Nessa madrugada, leu reportagens recentes elaboradas por Vicky Ntetema, uma tanzaniana responsável pela delegação da BBC no país. 
Vicky disfarçou-se de empresária e visitou dois curandeiros tradicionais e dez feiticeiros, cujas palhotas redondas com telhados de colmo polvilham a paisagem rural. “Dois foram muito claros: ‘Nós matamos.’ E prometeram que, depois de eu pagar uma entrada, me enviariam partes de corpos”, recorda. Cada parte, mesmo que fosse cabelo, custar-lhe-ia 1.800 euros. 
Para sua surpresa, as reportagens que apresentou suscitaram a ira dos tanzanianos. Os curandeiros ameaçaram-na de morte. Alguns compatriotas questionaram o seu patriotismo. Funcionários públicos sugeriram que estas ocorrências se registavam noutros lugares, perguntando por que razão se centrava ela na Tanzânia? Para garantir a sua segurança, a BBC ocultou-a em local secreto, fora do país. Peter Ash descobriu-a e ouviu-a durante horas a fio, pelo telefone. 

Para sua surpresa, as reportagens que apresentou suscitaram a ira dos tanzanianos. Os curandeiros ameaçaram-na de morte. Alguns compatriotas questionaram o seu patriotismo.

Não sabia localizar a Tanzânia no mapa. Nunca viajara mais longe do que a Europa. Nunca fizera do albinismo causa própria. Mas, como afirma, “passei a ter resposta para a pergunta do que seria a minha vida a partir de então”. Na manhã seguinte, marcou voos para África. 
Vicky Ntetema é actualmente a directora de pessoal da Under the Same Sun. Sabe o nome de quase todas as crianças patrocinadas pela organização e conhece as suas histórias. 
Entre os mais recentes e mais queridos, encontra-se Baraka Cosmas, um rapaz de 6 anos. O seu rosto franco revela um espírito bondoso, embora a mão direita tenha sido cortada um ano antes. “Vi sangue a voar por todo o lado e chamei pelo meu pai, mas ele não veio”, contou ele a Vicky, depois do ataque sofrido. Quando ela contou à equipa os pormenores deste ataque de Março de 2015, terminou a mensagem de correio electrónico nos seguintes termos: “Meu Deus, isto é sofrimento a mais! Quando será que isto vai acabar?”
Conhecemo-nos em 2015, quando o Global Medical Relief Fund, uma pequena organização sem fins lucrativos sediada em Staten Island (EUA), desenvolveu diligências no sentido de Baraka, Emma e três outras crianças tanzanianas com albinismo, estropiadas por ataques, serem equipadas com próteses gratuitas no Hospital Shriners de Filadélfia.

Incidência do albinismo - Representando quase metade da totalidade de casos mundiais de albinismo, o OCA-2 é mais generalizado na África Austral. A sua prevalência na Tanzânia é 14 vezes superior à registada na América do Norte e na Europa. O povo guna, do Panamá, apresenta uma das taxas mais elevadas. 

Agora, no salão de entrada de um hotel em Dar- es-Salam, Baraka faz desenhos no meu bloco de apontamentos, segurando debaixo do coto do braço um ursinho de peluche que eu lhe trouxe. Tal como Emma, Baraka cresceu e a prótese já lhe fica pequena. Ele e uma irmã com albinismo vão frequentar a escola e as despesas serão suportadas pela Under the Same Sun. Eu e ele retomamos o nosso jogo de tocar no rosto um do outro, dizendo: nariz, pua; olho, jicho; bochecha, shavu. Ele sabe contar até 10 em inglês, usando duas vezes os dedos da sua única mão. 
Tem visto a mãe poucas vezes, mas, franzindo o cenho, diz: “O meu pai está na prisão.” O pai e um feiticeiro foram acusados pelo ataque. Baraka sente-se feliz, recebendo mais abraços e beijos na escola do que recebeu durante toda a vida na aldeia. 

Ele sabe contar até 10 em inglês, usando duas vezes os dedos da sua única mão.

Nessa noite, Peter organiza uma festa em honra de uma dezena dos 40 alunos patrocinados que obtiveram um grau académico universitário e arranjaram emprego com a ajuda de Godliver Gordian, funcionária da organização. Esta mulher enérgica desenvolveu contactos persistentes junto das entidades empregadoras, defendendo os alunos apesar dos medos que lhe transmitiram: “São fantasmas, cães brancos, macacos brancos. Estão amaldiçoados. Se os puserem nas vossas empresas, podem ficar também amaldiçoados.”
Encontro-me com uma bancária, um jornalista, um técnico de laboratório e um actor que participou no filme independente de 2013 “White Shadow”, sobre um rapaz perseguido para lhe cortarem partes do corpo. Hamisi Bazili contou que a mãe, também com albinismo, morrera de cancro da pele depois de o filme estrear. 

 Só recentemente é que as organizações sem fins lucrativos começaram a distribuir gratuitamente protector solar – de outra forma raro e dispendioso, pois custa aqui cerca de 22 euros por bisnaga – e chapéus de aba larga, com badanas à retaguarda para tapar o pescoço.

Para as pessoas com albinismo em África, esta é uma história comum. Só recentemente é que as organizações sem fins lucrativos começaram a distribuir gratuitamente protector solar – de outra forma raro e dispendioso, pois custa aqui cerca de 22 euros por bisnaga – e chapéus de aba larga, com badanas à retaguarda para tapar o pescoço. 
Em Dar es-Salam, visito o Instituto Oncológico Ocean Road para entrevistar Jeff Luande, o principal perito do país em cancros cutâneos que afectam as pessoas com albinismo. Em 1990, Jeff descobriu que apenas 12% das pessoas com albinismo na área metropolitana de Dar-es-Salam atingiam os 40 anos de idade. A principal causa de morte era o carcinoma de células escamosas, facilmente tratável se identificado em fase precoce.
Jeff conduz-me a uma enfermaria onde seis homens, dois dos quais com albinismo, jazem nas suas camas ainda vestidos. Saidi Iddi Magera desenrola cautelosamente a gaze em torno da sua cabeça, revelando um orifício em carne viva, de contornos irregulares, no pescoço, abaixo da orelha esquerda. O cancro encontra-se em estado muito avançado, confidencia o médico. Há nove semanas que Saidi jaz no leito, aguardando radioterapia num equipamento sobrecarregado. 

Mas o sol continua a ser a maldição que os aflige todos os dias.

Do outro lado da enfermaria, Msuya Musa jaz na cama. O cancro, que há três anos o aflige, consumiu parte da orelha esquerda e pintalgou-lhe de vermelho a base do pescoço. “Agora, estou a tentar pescar durante a noite”, diz.
É provável que nenhum dos dois, ambos com cerca de 45 anos, venha a sobreviver por muito mais tempo. Primeiro, recorreram provavelmente à ajuda espúria dos waganga e só procuraram assistência médica demasiado tarde. 
As crianças patrocinadas pela Under the Same Sun conhecem e demonstram a rotina do protector solar, aplicando-o atrás das orelhas e entre os dedos das mãos. Mas o sol continua a ser a maldição que os aflige todos os dias. O grupo de Peter Ash distribui óculos de sol em cada paragem e outros grupos realizam testes de acuidade visual e fazem distribuição gratuita de óculos para ajudar as crianças em idade escolar a ler os quadros negros. 
Na maior parte do planeta, as pessoas com albinismo enfrentam os desafios próprios da infância e as frustrações da escola, mas costumam encontrar trabalho e amor e criar uma família. Em algumas carreiras, a pele e o cabelo branco até se tornaram uma vantagem inesperada. 
Veja-se por exemplo o músico Aaron Nordstrom, de 35 anos, vocalista da banda de metal alternativo Gemini Syndrome, em Los Angeles. “Passei a maior parte da minha vida a tentar adaptar-me”, conta. Sentia-me zangado e deprimido e comecei a ser medicado quando tinha 12 ou 13 anos.” Oito semanas depois de entrar na escola secundária, tentou suicidar-se. 


As irmãs Recalina Hernandez, de 28 anos, e Eralina Hernandez, de 26, que vivem no arquipélago panamiano de San Blas, pertencem à população nativa dos guna, entre os quais existe uma impressionante incidência do albinismo: 1 em cada 70 pessoas. Como a condição é comum e frequentemente vista como uma bênção divina, existe pouca ou nenhuma discriminação. 

Ao tocar piano e guitarra com bandas de rock “zangadas e sem pedir desculpas”, encontrou um escape. Começou a escrever a sua própria música, incluindo uma canção chamada “Basement” que começa assim: “Blasfémia com base na cor, esta estranha anatomia – é mesmo esta a minha vida?” 
O aplauso do público deu-lhe confiança. Agora, usa o cabelo enrolado em rastas e a barba densa. “Quando nos apresentamos em palco, toda a gente se veste de preto, menos eu. Ponho roupa branca.” Não precisa de maquilhagem para se destacar: “É um dom de Deus.”
No ano passado, realizou-se no Quénia o primeiro concurso de beleza para pessoas com albinismo, com o objectivo de erradicar o estigma, num momento em que as modelos albinas se tornam famosas em todo o mundo. Diandra Forrest, uma norte-americana de ascendência africana, foi a primeira contratada por uma agência de modelos de renome. Aos 28 anos, assegura que não trocaria a sua beleza etérea por nada: “Já não me importo de ser a modelo albina, porque, pelo menos agora, as pessoas sabem o que é o albinismo.”

No ano passado, realizou-se no Quénia o primeiro concurso de beleza para pessoas com albinismo, com o objectivo de erradicar o estigma, num momento em que as modelos albinas se tornam famosas em todo o mundo.

Algumas pessoas com albinismo também estão a alcançar o topo na Tanzânia, entre as quais dois deputados ao Parlamento e Abdallah Possi, que, em 2015, aos 36 anos de idade, foi nomeado ministro-adjunto — o primeiro albino. Actualmente, desempenha funções de embaixador. Foi o primeiro advogado do país com albinismo. 
Descubro o futuro do albinismo na Tanzânia quando Acquilina Sami, de 28 anos, me acolhe no seu apartamento situado mesmo à saída de Dar-es--Salam. “O meu pai fugiu quando eu tinha uma semana.” Culpou a mãe pela sua cor de pele e do irmão mais velho. “Não queria olhar para nós. Disse: ‘Não são seres humanos.’”
Sente-se afortunada por ele não ter feito pior. “Na nossa cultura, quando uma criança nasce assim, é atirada ao lago para ninguém a ver.

Divertindo-se num jogo de críquete no exterior da casa dos seus avós, em Deli, Dharamraj, de 6 anos, juntamente com a tia Pooja e o tio Ram Kishan, que o vigiam atentamente, aguarda com expectativa por dias de maior aceitação e melhores oportunidades para as pessoas com albinismo. A incompreensão desta condição genética tem gerado discriminação, ostracismo e violência.

Uma holandesa que dava trabalho à sua mãe pagou os estudos de Acquilina numa escola privada. Queria ser engenheira, até se aperceber de que isso implicaria lidar com números e símbolos. Em vez disso, com uma bolsa concedida pela Under the Same Sun, licenciou-se em gestão de empresas. Hoje, é professora no Instituto de Assistência Social, onde deambula pela sala de aula, incentivando os alunos, leccionando sem apontamentos e raramente escrevendo no quadro.
“A maioria sente dúvidas quando entra”, afirma. “Então, conto-lhes um bocadinho da minha história: dou-lhes o ABC do albinismo.” Acabam por gostar dela. “O ensino é o trabalho dos meus sonhos, a minha felicidade: conduzir o outro ao patamar superior.”
Na sua opinião, o estigma contra as pessoas como ela está a desaparecer, embora todos os dias interaja com estranhos que a olham fixamente, com pensamentos que ela não consegue ler. O desafio da sua vida continua a ser simples mas, na Tanzânia, difícil de superar: “Paz de espírito.” 


Mecânica da melanina - A cor da pele, do cabelo e dos olhos é controlada por  genes determinantes da quantidade e tipo de pigmento de melanina que cada ser humano possui. Uma mutação genética hereditária pode interferir no processo, originando insuficiência ou inexistência de melanina e agravando o risco de queimadura solar grave, úlceras cutâneas e cancro da pele. “OCA-2”, o tipo mais comum de albinismo, é causado por uma mutação que apenas gera pequenas quantidades de melanina. 

Protecção da pele face ao sol - A melanina é o principal pigmento na pele dos seres humanos e dos outros mamíferos. Quando a luz solar toca na pele, a melanina reveste os núcleos das células cutâneas e absorve a radiação ultravioleta nociva. Gráfico Jason Treat; Meg Roosevelt. Arte: Bryan Christie. Fontes: Murray Brilliant, Instituto de Investigação Clínica e Translacional da Universidade de Washington; Raymond Boissy, Universidade de Cincinnati. 

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