Hamilton James descreve esta fotografia captada por um assistente que viaja com ele: “Estou cercado por várias famílias awá enquanto elas cozinham um pequeno-almoço de caimão, paca e coendo que os homens caçaram na floresta na noite anterior.” Os animais foram abatidos com arco e flecha, mas “o coendo foi roubado a um jaguar que se preparava para o comer”.

Um dos desafios da narração de histórias na revista National Geographic é a forma de apresentar aos leitores pessoas e culturas que estas nunca viram. É uma parte bonita dos nossos 130 anos de história, mas também é um campo ético minado: que responsabilidades temos quando contamos as histórias daqueles que, pelo menos exteriormente, parecem tão diferentes de nós? Como tratamos as culturas com sensibilidade, sem as “exotizar” ou romantizar excessivamente?

A reportagem de capa deste mês relata as graves ameaças que pairam sobre os indígenas da Amazónia brasileira e peruana. O nosso fotógrafo, Charlie Hamilton James, passou um mês com grupos indígenas, como os awá e os guajajara. No total, passou um ano e meio na Amazónia. Falámos com ele sobre os desafios e responsabilidades de fotografar nesse contexto.

Entrevista com Susan Goldberg, Directora 

Algumas das pessoas que fotografou na Amazónia brasileira e peruana têm pouco contacto fora das suas próprias comunidades. Como aborda as pessoas em situações como esta?

Podemos entrar com dois tipos de mentalidade: mostrar quão diferentes são as pessoas ou mostrar quão parecidos somos. Se for para evidenciar as diferenças, tendemos a revelar pedaços exagerados da cultura e isso vê-se nas imagens que destacam o exotismo. O meu interesse é fotografar seres humanos e estou realmente interessado naquilo em que todos somos parecidos. Só quero mostrar pessoas a viverem como pessoas, da forma mais honesta que conseguir.

"O abandono da ideologia é uma via muito mais honesta para transmitir a verdadeira natureza de cada um."

Acredita que consegue captar a realidade do que está a acontecer na vida dessas pessoas? Não cresceu entre elas. E não nos podemos esquecer que você é um homem branco com quase dois metros de altura e estas são pessoas mais pequenas que vivem na floresta. É difícil passar despercebido e não chamar a atenção?

Isso é verdade, mas, se deixarmos passar tempo suficiente, já não chamamos a atenção. Ao mesmo tempo, vamos conhecendo as pessoas. Não podemos comunicar através da linguagem, e o mais estranho é que conseguimos rir das mesmas coisas mesmo antes de conseguirmos conversar uns com os outros.

Sente que se aproxima das pessoas para capturar a sua humanidade da mesma forma que o faria numa grande cidade?

Absolutamente. Certo dia, fotografei vaqueiros enquanto estes marcavam vacas e encarei essa situação da mesma forma que abordo as tribos da Amazónia. Para mim, é exactamente o mesmo. Não cheguei aqui com qualquer ideia preconcebida e creio que isso me ajudou. Há centenas de anos que chegámos a esses locais remotos, e confirmámos e reconfirmámos as ideias de como essas pessoas deviam ser.
A maioria desses preconceitos está errada. O abandono da ideologia e o relacionamento com as pessoas enquanto tiramos fotografias são vias mais honestas para transmitir a verdadeira natureza de cada um.

Uma das imagens de que mais gostei representa as aldeãs com as suas tartarugas, banhando-se no rio. Não posso falar pelas tartarugas, porque ouvi dizer que algumas se tornaram jantares, mas as pessoas estão a rir e obviamente estão a divertir-se. Aquelas mulheres deixaram-no assistir…

Não havia nenhuma barreira. Foi dois ou três dias depois de chegar. Todas as mulheres estavam à vontade comigo, estávamos todos a divertir-nos, e eu vagueava por ali, pelo rio, em cuecas, a tirar aquelas fotografias. Elas riam-se de mim. Foi a experiência mais fotogénica e bonita que já tive. Uma das razões pelas quais gosto dessa fotografia é precisamente o facto de todas estarem a rir. Hoje em dia, temos tendência a mostrar o lado miserável da vida indígena na Amazónia: as árvores estão a ser cortadas, tudo está mal e mostramos as pessoas com rostos tristes. O mundo é ameaçador, mas ainda assim elas divertem-se, e eu queria muito mostrar isso. 

Tentamos ter a certeza de que estamos a contar histórias relevantes e urgentes. Esta parece uma dessas histórias.

Populações isoladas que vivem na Amazónia estão ameaçadas por vários problemas sérios. É uma história muito importante porque acontece cada vez mais e o número de pessoas e tribos isoladas está a diminuir. O que podemos fazer? Como se mitiga um desastre a acontecer à nossa frente? Todos estão a fazer o melhor que conseguem, incluindo nós, ao contarmos esta história.