Os melhores exemplos da perícia dos animais.
Todos os anos, com a chegada da Primavera, os choupos-brancos (Populus alba) libertam a sua carga de sementes. Graças ao revestimento de penugem branca, dispersam-se pelo vento como flocos de neve. Essa poeira é constituída por filamentos leves e resistentes que permitem às sementes navegar pelo ar e germinar em solos distantes da árvore-mãe.
Para muitos animais, como o chapim-de-faces-pretas, esta abundante matéria-prima é muito útil para a construção dos ninhos. Esta pequena ave de dez centímetros constrói um dos ninhos mais complexos da avifauna ibérica, algo que o naturalista Jordi Sargatal já observou várias vezes num território que conhece bem: o Parque Natural dels Aiguamolls de l’Empordà, uma das zonas húmidas mais importantes da Catalunha. “Os chapins-de-faces-pretas constroem o ninho em árvores perto da água, sobretudo salgueiros, e escolhem ramos finos e flexíveis para evitar que os predadores, demasiado pesados, consigam aceder-lhe”, explica.
Quando a época de acasalamento se avizinha, os machos constroem estes ninhos globulares para atrair as fêmeas. “Entrelaçam fibras vegetais com grandes quantidades de poeira, pedaços de lã de ovelha que encontram presos no matagal e, até, teias de aranha”, acrescenta. O resultado é um ninho extraordinariamente elástico e denso que pende da ponta do ramo e que possui uma abertura tubular de acesso ao interior. A estrutura é muito resistente e suporta tanto as chuvas como os embates da nortada. Se o ninho agradar a uma das fêmeas, esta terminará a obra e tratará de forrar e acondicionar o interior.
Depois da cópula, fará a postura dos ovos e, quando os pintos estiverem por sua conta, o ninho será abandonado. No resto do ano, as aves procurarão abrigo no meio da vegetação e essa obra de arte que tanto trabalho deu a construir – entre 8 e 16 dias de dedicação absoluta – será, provavelmente, desmantelada pelas forças da natureza e convertida de novo em matéria orgânica reciclável que voltará a ser utilizada por uma grande profusão de seres vivos.
Na Península Ibérica o chapim-de-faces-pretas e o chapim-rabilongo destacam-se pela sua perícia como aves tecelãs. A andorinha-comum, a andorinha-dáurica e a andorinha-das-rochas são artistas do barro.
O chapim-de-faces-pretas não é a única ave tecelã. Existem no mundo mais de cem espécies que fazem ninhos semelhantes com diferentes fibras vegetais. Também há formigas tecelãs, como as do género Oecophylla, com hábitos arborícolas e cujas obreiras constroem formigueiros aéreos cosendo folhas com a seda segregada pelas larvas. E, evidentemente, há o caso das aranhas: mais de 41 mil espécies segregam múltiplos fios de seda para tecer redes com propriedades biomecânicas ultrarresistentes. Algumas são enormes, como a que se encontrou em Madagáscar em 2009, fabricada pela aranha-da-cortiça de Darwin (Caerostris darwini): com um corpo central de quase três metros quadrados e pontos de fixação até 25 metros, atravessava um rio largo, de uma margem à outra. Existem outros exemplos de sustentabilidade que provaram a sua extraordinária solidez.
Outros animais constroem os seus ninhos com barro. Entre eles encontram-se os forneiros, aves da América Central e do Sul e as nossas andorinhas que, segundo Jordi Sargatal, “precisam de encontrar barro húmido, que transportam na boca até ao local escolhido para a nidificação. Com esse barro, saliva e palha, fazem uma pasta para modelar os ninhos, que costumam construir nas paredes, sob os beirais dos telhados”.
Os castores do Parque Nacional Grand Teton, no estado de Wyoming (EUA), construíram esta estrutura com troncos, protegendo-a com uma eficiente represa à qual acedem por baixo de água. Fotografia: PETE OXFORD /MINDEN PICTURES
Para espécies como a andorinha-dáurica (Cecropis daurica), a tarefa é ainda mais difícil, pois em vez de construir o ninho numa parede, fá-lo no tecto e essa horizontalidade complica o trabalho. “É extremamente difícil conseguir que o barro pegue e não caia, devido ao seu próprio peso”, assegura o ornitólogo. É também uma tarefa esgotante, uma vez que, para um único ninho de andorinha, são necessárias, em média, 400 viagens, e os consequentes 400 pedaços de barro. A construção demora mais de duas semanas.
O barro é seguramente um material comum, utilizado por diversas espécies para outras finalidades, como selar as portas dos refúgios ou para reduzir o tamanho de um buraco de árvore aproveitado, evitando assim a entrada de predadores e concorrentes, como faz outra ave que partilha o nosso território: a trepadeira-azul (Sitta europea).
Um caso curioso é o do espectacular e enorme calau-bicorne (Buceros bicornis), oriundo das selvas asiáticas. “Quando a fêmea se encontra com os pintos dentro do buraco da árvore escolhida, o macho deixa-a praticamente emparedada no interior, tapando quase toda a entrada com barro e ficando apenas um pequeno orifício através do qual ela, se intuir a existência de perigo, pode enfiar o seu grande bico, selando-o por completo”, relata Jordi Sargatal.
No entanto, nem todos estes esforços de construção se destinam ao ninho. Algumas espécies, como o pássaro-cetim-australiano, concentram os seus cuidados arquitectónicos na construção de uma espécie de arena, destinada unicamente à corte: um túnel de amor fabricado pelo macho em redor de um ramo central com uma infinitude de raminhos que demoram horas a recolher. O macho decora a entrada com objectos vistosos: fruta, flores, fungos e folhas, ordenados por cores. Quando as fêmeas passam diante do palco nupcial, ele mostra-lhes todos os seus tesouros, desesperado por agradar. E se uma delas ficar suficientemente interessada, o artista começa dissimuladamente a contorná-la por trás para copular com ela. Completará assim a sua missão!
Já Antoni Gaudí dizia que o arquitecto do futuro se baseará na imitação da natureza, porque é a forma mais racional, duradoura e económica de todos os métodos. Não há dúvida de que assim é, concorda Josep Ignasi Llorens, catedrático da Escola Superior Técnica de Arquitectura de Barcelona: “Os seres vivos demoraram mais de quinhentos milhões de anos a evoluir no seu equilíbrio com o ambiente sem comprometer a continuidade geral do sistema.” Para ele, “os organismos baseiam-se em princípios como a poupança energética, a reciclagem, a optimização das formas, a economia dos materiais, locais acessíveis, adaptação ao ambiente ou a sustentabilidade”.
A tão repetida estratégia dos 4 R – reduzir, reciclar, reutilizar e reabilitar – que hoje tanto custa aos seres humanos implementar, tem sido realizada por todos os organismos (incluindo os nossos antepassados) desde o início dos tempos. E o objectivo mantém-se: cumprir a ordem suprema que todos os animais vivos carregam nos genes, assegurando a sobrevivência da espécie a longo prazo, o que contradiz a visão de curto prazo adoptada pelo Homo sapiens pós-industrial, para o qual parece não existir amanhã.
Além de soluções engenhosas de arquitectura, alguns animais revelam a capacidade de mobilizar técnicas de engenharia extraordinárias para optimizar a funcionalidade das suas estruturas. As térmitas são um exemplo fascinante: não é por acaso que estes insectos xilófagos são os criadores daquela que se considera a maior estrutura do planeta, segundo uma investigação de 2018 liderada por Stephen J. Martin, biólogo da Universidade de Salford. Os cientistas constataram que, nos estados brasileiros da Bahia e de Minas Gerais, as térmitas da espécie Syntermes dirus construíram 230 mil quilómetros quadrados de montículos de barro (aproximadamente a superfície do Reino Unido), uma obra colossal iniciada há cerca de quatro mil anos. São pelo menos duzentos milhões de termiteiras, cerca de 1.800 por quilómetro quadrado, que ficaram a descoberto devido à deflorestação. Cada montículo é composto por cerca de cinquenta metros cúbicos do solo, o que exigiu a escavação de mais de dez quilómetros cúbicos de terra, “algo parecido com 4.000 Pirâmides de Guiza”, afirmam os autores do estudo.
“O arquitecto do futuro imitará a natureza porque é a forma mais racional, duradoura e económica de todos os métodos.” — Antoni Gaudí
Às dimensões descomunais das termiteiras, abundantes na América do Sul, na Oceânia e em África, acrescenta-se o sofisticado sistema de ventilação interno, o qual, recorrendo a complexos canais, mantém uma temperatura interior estável de 30°C, ideal para as necessidades vitais das térmitas.
Especialistas em técnicas de climatização e ventilação, as térmitas evoluíram para dominar os sistemas de ventilação utilizando uma chaminé central que tira partido de um fenómeno físico chamado efeito Venturi: trata-se de um tubo ao longo do qual há um estreitamento que permite que um fluido ganhe mais velocidade e pressão enquanto o atravessa, mobilizando assim a força necessária para continuar a avançar.
Em 2015, uma equipa da Universidade de Harvard liderada por Lakshminarayanan Mahadevan mediu a circulação do ar no interior destas catedrais de barro. Através das suas paredes grossas e porosas, concluiu que as termiteiras, funcionando como pulmões, fazem algo parecido com respirar: usando as temperaturas diurnas e nocturnas e abrindo e fechando diferentes condutas, geram uma corrente de convecção, que combina de forma ideal a presença de ar quente e frio no interior, regulando a temperatura e a acumulação de CO2.
Outros engenheiros experientes são os castores, roedores que constroem grandes diques nos rios com os troncos das árvores que eles próprios abatem com os seus incisivos. Tal como as térmitas, as suas construções também podem ser formidáveis. Assim o constatou no Canadá o investigador Jean Thie, que dirige a empresa de consultoria de informação geográfica sobre o ambiente, EcoInformatics International. Usando imagens de satélite do Google Earth, ou seja, a partir do espaço, localizou, há poucos anos, uma colossal represa de castores com cerca de 850 metros de comprimento no Parque Nacional de Wood Buffalo, na província de Alberta.
Segundo Thie, a represa foi construída por várias gerações de castores a partir de meados da década de 1970. Os diques medem três a quatro metros de altura e têm cerca de sete metros de largura. São constituídos por ramos e troncos enormes, pois estes animais podem cortar uma árvore inteira e fazê-la tombar onde mais lhes convém.
Os castores compactam-nas com barro, pedras e vegetação e transportam cada material com as patas dianteiras. Com esta construção, conseguem criar um espaço mais elevado de águas paradas, um reservatório onde constroem a sua casa composta por vários compartimentos, como o berçário, o dormitório e o refeitório, cada qual com uma entrada subaquática independente, escavada com a sua potente dentadura que nunca pára de crescer.
Os castores, hábeis nadadores revestidos com uma pelagem cuja impermeabilidade sempre despertou a cobiça dos comerciantes de peles, alimentam-se de folhas e cascas e estão sempre atentos para que a água não se infiltre por nenhuma ranhura da represa. Para tal, desempenham uma actividade frenética, reparando e fazendo a manutenção constante da infra-estrutura que os mantém a salvo. Por baixo desta, em recantos sob a água, guardam ramos cheios de folhas frescas e troncos suculentos e húmidos dos quais se alimentarão durante o Inverno. A espécie existiu nos rios portugueses no Calcolítico, mas estava certamente extinta no início da era industrial. Na gruta do Caldeirão, no Ribatejo, o paleontólogo Miguel Telles Antunes encontrou fósseis deste animal correspondentes ao Paleolítico Superior e achados similares noutros contextos pré-históricos, embora raros, comprovam que o castor ocupou o território português há milhares de anos.
Sob a água, no fundo de rios, vive outro arquitecto singular, o tricóptero, um insecto voador.
As suas larvas e pupas são aquáticas e, durante essa etapa do seu crescimento, constroem curiosos habitáculos para se protegerem. “As larvas destes insectos costumam tapar-se com caixas que forram com pedrinhas ou pedaços de ramos e até com minúsculas conchas de molusco para se confundirem com o fundo do rio e passarem despercebidas. Procuram na medida do possível misturar-se com o que as rodeia”, explica o entomólogo Albert Masó. Presas comuns de peixes como a truta, que pode comê-las com caixa e tudo, algumas larvas de tricóptero sabem colocar os ramos de forma a dificultarem a tarefa dos predadores. Todos os materiais utilizados são colados com seda aderente, sintetizada nas suas glândulas salivares, a mesma seda com que se fabricará o casulo que lhes permitirá metamorfosear-se para a vida adulta.
Espécies distintas exprimem a sua “arte” construindo ninhos, covis, praças… ou caixas, como a que se vê na imagem, fabricada por uma larva aquática de tricóptero. No interior, o insecto viverá na sua fase larvar para se proteger do ambiente. Fotografia:INGO ARNDT/MINDEN PICTURES
No entanto, este não é o único artista subaquático: os machos do peixe-balão do género Torquigener são escultores experientes que criam complexos círculos de areia, que chegam a atingir dois metros de diâmetro para atraírem as fêmeas. Este peixe com cerca de doze centímetros de comprimento dispõe a areia de forma radial, criando saliências e sulcos requintados que funcionam como barreiras para proteger das correntes o núcleo central, constituído por partículas mais finas. Se tudo correr bem, será aqui que a sua futura parceira fará a postura.
Uma vez terminada a obra, exausto após várias semanas de actividade escultórica, esperará que alguma fêmea valorize a sua arte e se coloque nas imediações para ser fecundada. Cumprida a sua função, o círculo começará a desintegrar-se, mostrando uma vez mais a fugacidade da vida. Fugaz, sim, mas tantas vezes repetida.