As alterações climáticas sobreaquecem cursos de água fria habitados por trutas, salmões e outros peixes, afectando os pescadores exactamente no sítio onde passam os seus dias mais agradáveis.
O braço do rio Flathead, conhecido como Middle Fork, nasce nas terras montanhosas da região ocidental do Montana, junto ao “tecto montanhoso” da América do Norte. Ao longo de dezenas de quilómetros, atravessa terras bravias verdejantes, incorporando no seu caudal a neve derretida da passagem de montanha Muskrat e da montanha Slippery Bill e meia dúzia de riachos, engrossando e tornando-se uma das mais veneradas vias fluviais do Oeste Americano.
Numa manhã quente, no pino do Verão, as águas enrolavam-se como um gato em volta das canelas de uma mulher de baixa estatura, de boné cravejado de iscos de pesca artificiais, conhecidos como “moscas”. Hilary Hutcheson é guia de pesca com mosca e activista climática. A sua temporada estival de pesca na região ocidental do Montana é curta, mas intensa, e, em finais de Julho, a sua voz, ligeiramente arranhada, na melhor das hipóteses, soa como se estivesse a ser difundida por altifalantes velhos. “Estamos quase a chegar ao Agosto Zangado, o mês em que todos os guias ficam um pouco inquietos”, disse-me. “As noites são meras sestas e os dias são muito preenchidos. Costumamos dizer que guardamos o sono para Dezembro.” Apesar disso, qualquer oportunidade de entrar dentro de água põe-na logo de bom humor. Ela avançou e pegou nos remos, apontando a proa do barco de pesca contra a corrente.
Uma equipa da Trout Unlimited drena o Upper Independence Creek, em Sierra Nevada. Para preservar uma rara população nativa de truta-degolada, a equipa está a proceder ao abate selectivo de invasores: híbridos com genes de truta arco-íris. Até à década de 1960, a Califórnia povoou aqui perto o lago Independence com esta espécie exótica.
O dia estava amarelo e quente. As margens apresentavam-se cobertas de seixos cor-de-rosa e verde-desbotado. O rio guardava dentro de si as pedras, o céu e os peixes como se fosse uma caixa de jóias. Hilary, de 44 anos, cresceu aqui, perto dos rios da região de Flathead. Conhece-os melhor do que ninguém. Com frequência, tirou o barco da corrente, largando âncora e sugerindo que observássemos a água juntos, tentando perceber aquilo que nos dizia sobre a possível localização de uma das suas belas trutas-degoladas (Oncorhynchus clarkii), alimentando-se sob a superfície. Só depois me dizia para lançar a linha e pescar. Num dia como este, com a cerveja fresca dentro da geleira e o ar carregado de esperança, era difícil acreditar que algo estivesse mal no mundo.
No entanto, a mudança já chegou a Middle Fork. Os glaciares e a neve do vizinho Parque Nacional dos Glaciares, que libertam águas frias e translúcidas durante todo o Verão, estão a diminuir. Os padrões do caudal de água já mudaram. Os clientes pescam mais peixes híbridos do que no passado. Tudo isto já era evidente em 2019, quando passei algum tempo com Hilary Hutcheson, mas o Verão passado foi um dos mais duros de sempre para os peixes de água fria do Oeste Americano. Da Califórnia ao Montana, a neve escassa e pouco densa terá sido rapidamente derretida pela Primavera quente. Muitos locais registaram recordes de calor no final de Junho. Os peixes sofreram.
No Flathead, uma das ameaças para os peixes causadas pelas alterações climáticas é genética: os peixes introduzidos estão a reproduzir-se com trutas autóctones, uma mistura incitada pelas mudanças nos caudais. Se não for controlada, poderá eliminar a população de trutas nativas, devastando uma zona de pesca muito acarinhada.
Quando falamos na crise climática, concentramo-nos no cataclismo – no degelo da Gronelândia ou numa área florestal a arder mesmo em Dezembro. As alterações subtis nas nossas vidas quotidianas ficam ofuscadas. Uma delas é o aquecimento dos lagos, rios e riachos de água em todo o mundo. À medida que essas águas aquecerem, muitos peixes terão problemas graves. O que significa que as zonas de pesca também terão problemas. Aliás, as mudanças já estão em curso.
Para alguns, isto pode parecer insignificante, mas a pesca nunca foi um simples passatempo. Para muitas famílias, a pesca é uma arte transmitida como herança de família, uma tradição de sabedoria equipada com uma resistente linha de pesca e um nó Palomar.
Há muitas maneiras de pescar um peixe. Hilary pesca com mosca artificial. Quem pesca com mosca artificial tenta enganar o peixe, atirando um insecto artificial do tamanho de um pedacinho de cotão para dentro de água, fazendo o lançamento com um arco que demora anos a aperfeiçoar e um segundo a arruinar.
A guia de pesca Hilary Hutcheson (ao centro), fotografada com as filhas Ella (à esquerda) e Delaney no Middle Fork, no rio Flathead, junto de sua casa. Ao ver como as alterações climáticas estavam a afectar o rio, Hilary sentiu-se impelida a agir, exercendo pressão junto das entidades competentes para se encontrarem soluções.
No rio, naquela manhã, Hilary explicou que não teríamos de nos preocupar com os peixes híbridos. Estávamos suficientemente a montante em Middle Fork para não ver nenhuns. Lanço a linha. O primeiro peixe que apanho é um híbrido.
O segundo também. E o terceiro.
Pelo mundo fora, mais pessoas pescam como diversão do que como forma de garantir o sustento – pelo menos 200 milhões de pescadores recreativos só nos países desenvolvidos. Os norte-americanos são particularmente apaixonados pela pesca recreativa: cerca de um em cada seis pegou numa cana de pesca em 2021.
A maioria dirigiu-se para águas doces – os lagos, rios e riachos do país. A pesca em águas interiores para fins recreativos contribui para economias locais, gerando cerca de 28 mil milhões de euros em investimento directo anual só nos EUA.
A nível mundial, porém, os peixes de água doce extinguiram-se quase ao dobro da velocidade de outros vertebrados ao longo do século XX. Na América do Norte, quase 40% dos peixes de águas interiores estão ameaçados, segundo um levantamento de 2008: perderam-se setecentas espécies, quase duplicando o número de há 20 anos. Porquê? Porque alterámos o curso dos rios com bulldozzers, fazendo-os correr tão direitos como aquedutos. Abatemos árvores nas encostas das montanhas, cimentámos as margens dos rios e contruímos lá casas, empurrando sedimentos e poluição para os ribeiros. Além disso, introduzimos peixes exóticos que entraram em competição com os autóctones, derrotando-os.
Além destes problemas, as alterações climáticas desferem agora mais um golpe. Aliás, já estão a afectar muitos peixes de água doce. À medida que as temperaturas atmosféricas aumentam, os rios e os riachos aquecem. Por vezes, as águas tornam-se demasiado quentes para os peixes ou o calor torna-os mais susceptíveis a doenças.
Nos EUA e noutros locais, a neve de Inverno das montanhas, que alimenta rios e riachos ao longo do ano, está a dar lugar a chuva que escorre de imediato. A neve chega mais tarde no Inverno e, frequentemente, derrete mais cedo na Primavera. Na região mais setentrional das montanhas Rochosas, a neve dos cumes derreteu semanas antes do normal. Menos água num rio significa menos espaço para os peixes viverem, o que limita a sua população. Em todo o país, mas sobretudo no Nordeste e no Midwest, há outro problema: agora cai mais chuva em episódios torrenciais. Estas chuvas arrastam fluxos de ovos e peixes jovens.
Os chamados peixes desportivos que dependem de águas mais frias – lucioperca, truta, salmão, peixe branco da montanha, para mencionar alguns dos mais populares – estão sob particular pressão. Repare no caso da truta das fontes, com o seu dorso cor de azeitona rabiscado por runas e flancos cobertos de pintas com auréolas. Os pescadores com linha perseguem-nos nos riachos mais frios e límpidos da região oriental e superior do Midwest, o seu domínio nativo. No Wisconsin, porém, prevê-se que a truta das fontes desapareça por volta de 2050 em quase 70% dos 34 mil quilómetros de rios e riachos nos quais nada actualmente. Na região sul dos Apalaches, a truta das fontes recuará ainda mais para o alto da montanha, mantendo-se nas águas mais frias até ficar sem montanhas para onde se refugiar. As luciopercas são um dos peixes desportivos mais populares do Wisconsin: até 2090 deixarão de subsistir em um terço a três quartos dos lagos do Estado que agora os acolhe. Até a truta-arco-íris, um dos peixes mais abundantes, poderá registar uma diminuição no Midwest e no Oeste.
Joseph Metzler, nadador de resgate reformado da Guarda Costeira, pesca com arpão achigãs no rio Coquille. Esta espécie introduzida compete com os peixes autóctones e esta técnica de pesca foi recentemente autorizada pelo Estado. O achigã prospera em águas mais quentes.
Hilary Hutcheson ainda se lembra do dia em que o tio de um amigo lhe pôs uma cana de pesca com mosca na mão e ela pescou a sua primeira truta-degolada no Middle Fork. Depois, ela e a irmã aprenderam sozinhas a pescar com mosca. Mais tarde, em 1992, surgiu o filme “Duas Vidas e o Rio”, baseado no romance clássico de Maclean sobre a pesca no Montana e os laços entre membros da mesma família. O país ficou doido com a pesca com mosca ou, pelo menos, com um jovem Brad Pitt de camisa molhada! As irmãs tornaram-se duas das primeiras mulheres a trabalhar como guias de pesca na zona. Actualmente, Hilary gere uma loja de moscas de pesca em Columbia Falls, no Montana, a vila onde cresceu. Escreve sobre pesca, frequentemente com um pendor conservacionista. Trabalha como guia cerca de 120 dias por ano e pesca profissionalmente em todo o mundo. No entanto, para onde quer que vá, diz-me, está sempre ansiosa por voltar a casa e pescar a truta-degolada. As cutties, como lhes chama carinhosamente, são um peixe especial. “Puxam, dão luta, fogem.”
Tendo em conta que muitos pescadores com linha estão a ver os seus locais de pesca preferidos afectados, seria de esperar mais protestos face às alterações climáticas. Isso tem vindo a acontecer, mas, para muitos, o processo é lento. Hilary presta atenção ao problema desde a faculdade. Quando era jovem, sentia-se frustrada com as mudanças a que assistia nos rios e com a inércia dos políticos. Os irmãos aconselharam-na a começar a mostrar esses sítios a personalidades influentes. E ela ouviu-os.
“Os outros não vão fazer nada”, disse-me. “Temos de ser nós os ‘outros’.”
Hilary já esteve várias vezes na cidade de Washington para tentar exercer influência junto do Congresso e da Casa Branca para promover o Protect Our Winters, um grupo com mais de duzentos atletas e artistas, entre outros, cujo trabalho é afectado pelas alterações climáticas. Ela fala sobre as mudanças que vê nos rios e nos efeitos na sua terra natal. “Preocupo-me com os seres humanos que vão perder o seu emprego, o seu sustento e a sua felicidade com o colapso deste sistema”, declarou numa sessão do Congresso em 2019.
No ano anterior, enormes incêndios devastaram o Parque Nacional dos Glaciares e a área em redor, mantendo Hilary fora do rio durante nove dias. “Quando ficamos fechados em casa na época dos fogos, no auge da minha época de pesca, posso perder o equivalente a alimentar a minha família durante um Inverno inteiro”, disse. Só prosperam as lojas de bebidas alcoólicas.
Estas preocupações conduziram-na ao trabalho de Clint Muhlfeld e à descoberta de uma ameaça indirectamente causada ao seu adorado rio e às suas espécies autóctones pelas alterações climáticas. Clint é um ecologista dos Serviços Geológicos dos EUA, na região ocidental do Montana. Certo dia, quando os termómetros subiram acima de 30ºC, eu, ele e Hilary viajámos de carro até ao North Fork do Flathead, na extremidade ocidental do Parque Nacional dos Glaciares.
O ecologista Clint Muhlfeld estuda a truta-degolada no rio Flathead e descobriu que as alterações climáticas estão a contribuir para a disseminação das trutas-arco-íris nas águas a montante e para a sua hibridização com a espécie autóctone. Nos híbridos, “verifica-se uma redução dramática dos indicadores de saúde e isso é uma preocupação”, diz.
O North Fork corre ao longo de uma planície ampla e coberta de seixos, descrevendo um novo curso a cada Primavera que passa. Vistos à distância, os dentes lascados das montanhas ainda estão manchados com neve em pleno Verão. Clint, que ostenta a tatuagem de uma truta num dos tornozelos, ia à proa da jangada, segurando uma cana de pesca com mosca. “Estamos na linha da frente da invasão, aqui mesmo”, disse, enquanto Hilary Hutcheson empurrava a jangada.
Ao longo de décadas, foram introduzidos cerca de duzentos milhões de truta arco-íris nos rios e lagos do estado do Montana, incluindo 20 milhões no sistema fluvial do rio Flathead. As trutas eram introduzidas no Oeste para sustentar a pesca recreativa. A truta arco-íris, cujo principal habitat são os riachos costeiros do Pacífico Norte, saltam bastante alto ao serem pescadas e são saborosas. Ainda hoje, muitos pescadores à linha gostam de capturá-las. Só que há um problema: conseguem reproduzir-se com todas as 12 subespécies da truta-degolada, a maioria das quais, como a subespécie do Flathead, são endémicas das águas interiores do Oeste. Actualmente, as cutties ocupam menos de 10% do seu habitat histórico. Essa perda de habitat e hibridização são as principais dificuldades que enfrentam.
O Serviço de Pescas e Vida Selvagem dos EUA tem-se recusado a designar esta subespécie como ameaçada, considerando que uma truta-degolada com até 20% de genes de truta arco-íris continua a ser uma truta-degolada. Clint Muhlfeld e os seus colegas decidiram pôr à prova esse pressuposto. Os resultados chocaram-nos: se uma cuttie contiver apenas 20% de genes de arco-íris, o valor adaptativo da truta, conforme avaliado pela sobrevivência da sua descendência, diminui pelo menos para metade.
Espreitando um riacho no estado de Oregon, “superexcitada por ver a vida da perspectiva de um castor”, Hannah Clifford, membro do Northwest Youth Corps, constrói uma represa artificial junto do rio Grande Ronde. O programa Trout Unlimited pretende abrandar as águas do riacho para atrair salmões e trutas arco-íris na época de desova.
Enquanto a jangada navegava à deriva, apanhei um peixe modesto com a minha mosca. Hilary recolheu-o com a rede e mostrou-o a Clint. Ele salientou o traço vibrante sob a mandíbula, a barriga rosada que indicava que o peixe desovara neste ano e as manchas densas acima da sua linha lateral, um órgão sensorial que percorre todo o seu comprimento.
“Oncorhynchus clarkii lewisi”, afirmou, satisfeito. É o nome científico da subespécie. “O peixe que está aqui é, provavelmente, geneticamente puro.” Tem os genes e as características de adaptação que o tornam perfeitamente adequado para sobreviver e persistir aqui, como tem feito desde a última era glaciar. Enquanto espécie, a Oncorhynchus clarkii lewisi sobreviveu a períodos ainda mais quentes do que o actual.
“Lindo peixe”, disse Clint, devolvendo-o ao rio. Mais tarde, apanhei outro peixe. Clint espreitou para dentro da rede. O seu tom de voz mudou. Sublinhou que o traço sob a mandíbula era mais ténue e que as manchas apareciam acima e abaixo da linha lateral. “É provável que seja ligeiramente híbrido”, disse. Por outras palavras, já teria uma pitada de truta arco-íris.
A hibridização é um problema para os peixes e para a pesca, comentou. As trutas arco-íris são mais ou menos equivalentes a galinhas de aviário. Quando acasalam com as trutas-degoladas autóctones, adulteram milhares de anos de sabedoria genética selvagem. Os peixes híbridos não estão tão bem adaptados ao seu ambiente nem são tão rápidos na adaptação à mudança.
Durante muitos anos, o problema manteve-se contido. No essencial, a truta arco-íris permanecia apenas nos lugares onde fora introduzida ou em zonas mais a jusante do sistema fluvial de Flathead. Desovava no início da Primavera, antes da subespécie, e os grandes caudais das águas primaveris arrastavam consigo os ovos.
Uma truta de grandes dimensões (à direita) nada entre peixes brancos da montanha no rio Donner und Blitzen, no deserto de altitude da região oriental do Oregon. Zona bravia classificada, o rio é uma reserva para a subespécie Oncorhynchus mykiss. O aquecimento das águas e os caudais reduzidos forçaram a imposição de restrições na pesca.
No entanto, as alterações climáticas modificaram os termos da equação. A maior frequência de águas baixas parece permitir que as trutas arco-íris introduzidas se disseminem para zonas a montante no rio e se reproduzam mais frequentemente com peixes autóctones. Em determinada área, o número de troca de genes aumentou dez vezes nos últimos 30 anos, descobriram Clint Muhlfeld e os seus colegas.
No início da década de 2000, quando o caudal das águas primaveris reduziu dramaticamente no Flathead, a hibridização começou a aumentar. Pensa-se que anos como esses, outrora excepcionais, serão mais comuns à medida que o clima muda e cada um trará uma nova injecção de híbridos em pior forma.
Em termos simplificados, estes peixes inferiores terão mais dificuldade para sobreviver. Poderá haver menos peixes no rio. E estes “cutti-íris” não darão tanta luta e não serão tão divertidos de pescar, acrescentou Hilary Hutcheson. Nada disto é bom para quem adora os peixes e a pesca, disse ela. Depois, atirou o peixe que eu apanhara de novo para o rio.
A pesca não vai acabar com o aquecimento dos lagos e dos rios. A actividade recreativa será prejudicada – gravemente nalguns sítios, menos noutros. Quando peixes como a truta recuam, são frequentemente suplantados por achigãs ou outras espécies capazes de tolerar águas mais quentes. Sendo mais comuns e generalizadas, essas espécies podem não atrair tantas pessoas, nem gerar tantas receitas. E há outro tipo de perda quando os peixes autóctones são substituídos por outros que se podem encontrar em quase qualquer sítio: torna o mundo mais cinzento, uniforme e pobre, onde todos os sítios se parecem uns com os outros.
Há muito que a pesca não é uma experiência selvagem imaculada na maioria dos locais. Quando alguns pescadores à linha se sentam hoje em frente dos seus computadores, à espera de descobrir o momento em que um camião-cisterna da agência de vida selvagem estadual reabastecerá o seu lago mais próximo, despejando um abastecimento de peixes criados em cativeiro – isso também é pesca. E também é comungar com a natureza. Poderá tornar-se mais comum no futuro.
Muitos cientistas com quem falei revelaram um optimismo surpreendente – não acerca da nossa capacidade de travar as alterações climáticas, mas antes em relação às medidas que podemos tomar para ajudar os peixes de água fria a sobreviver. No sistema fluvial de Flathead, por exemplo, acções agressivas de governos tribais, estaduais e federais para travar a disseminação de peixes introduzidos têm conseguido controlar a ameaça.
Além de erradicarem directamente peixes não-nativos e híbridos, os trabalhadores escavaram leitos de desova para as trutas arco-íris em alguns riachos e puseram barreiras noutros para proteger os peixes autóctones dos invasores. A desvantagem destes trabalhos é que pode ser necessário fazê-los para sempre.
Em teoria, também é possível arrefecer rios e riachos, mesmo com o aumento das temperaturas atmosféricas. O rio John Day, no Nordeste do Oregon, é o curso de água onde ocorre a maior desova de população selvagem de salmão-real, uma espécie ameaçada, na bacia hidrográfica do rio Columbia. O abate da floresta que outrora revestiu as margens do rio tem sido a principal razão para o aquecimento das águas do John Day, permitindo que os achigãs invadissem a região superior da bacia hidrográfica. Até ao final do século poderão eliminar os salmões-reais locais.
No entanto, num estudo de 2019, os cientistas estimaram que sombrear 37 quilómetros do curso superior do rio com floresta autóctone adulta reduziria a temperatura média diária da água em surpreendentes 8ºC. É claro que seria necessário plantar 37 quilómetros de floresta e depois esperar muitos anos pela sombra. Projectos de reflorestação deste género estão já em curso no John Day e noutras áreas do Oeste Americano.
“Resolvemos problemas de conservação que pareciam insolúveis”, disse Matthew Miller, que trabalha no Nature Conservancy. “O problema é que esperamos até a situação estar má e só depois testamos esforços de último recurso.”
Existe outro motivo para alguma esperança: os modelos que prevêem um futuro sombrio para os peixes de água doce não contemplam a possibilidade de esses peixes se adaptarem a um mundo em mudança. Um estudo realizado em 2011 sobre o salmão-vermelho, em oito populações da Colúmbia Britânica que migram até 1.100 quilómetros no sistema fluvial do rio Fraser, concluiu que, embora parecendo idênticos, os peixes tinham desenvolvido adaptações para empreender migrações com distâncias, intensidades e temperaturas da água bastante diferentes. “Isto mostra-nos que, numa mesma espécie, diferentes populações podem adaptar-se a condições específicas”, disse Erika Eliason, zoóloga na Universidade da Califórnia.
Justin Futch e o seu filho Zade, da tribo índia Coquille, pescam com lança achigãs no rio Coquille. Justin, que esculpiu a sua própria canoa, pesca para alimentar a família e manter o contacto com o seu legado. “O rio está no coração do povo Coquille”, diz Helena Linnell, bióloga que faz parte da tribo.
Se conseguirmos ganhar tempo para os peixes, talvez eles consigam adaptar-se e perseverar neste novo mundo criado pelos seres humanos. Por vezes, poderão precisar de uma ajudinha: Clint Muhlfeld e os seus colegas têm posto trutas-touro dentro de mochilas, transportando-as para altitudes mais elevadas no Parque Nacional dos Glaciares, para ajudá-las a encontrar águas mais frescas às quais não conseguem aceder sozinhas.
Mais frequentemente, porém, podemos ajudar os peixes mantendo os seus lares tão intactos quanto possível. Por exemplo, sabemos que as trutas-degoladas do rio Flathead precisam de: “habitats frios, limpos, complexos e interligados”, disse Clint Muhlfeld. As trutas do Middle Fork são uma subespécie muito próxima da do North Fork, mas geneticamente diferente. Qualquer uma pode conter a sabedoria genética para ajudar o sucesso da espécie no futuro – desde que o rio ainda lhe permita a persistir e misturar-se.
Comparada com as manchetes jornalísticas sobre outras catástrofes, a perda de um dos locais preferidos para a prática de pesca recreativa – ou até de um peixe num rio – pode não parecer importante. Contudo, não devemos menosprezar o facto de este ser o mundo que estamos a criar: um mundo que desgasta e, por vezes, apaga os prazeres simples que nos permitem descansar, nos fazem sorrir e alegram os nossos dias com pedacinhos prateados de beleza.
Certo dia, enquanto descíamos o rio, perguntei a Hilary Hutcheson se ela desesperava por conhecer os cenários mais catastrofistas. Ela desvalorizou a pergunta. O luto é algo que se faz pelos mortos. Ainda havia tempo. O seu trabalho agora era motivar as pessoas. “Ainda estamos a tentar. Tentamos, tentamos e tentamos”, disse. “Estamos vivos neste instante e, para mim, estar vivo é tentar.” A pesca é uma prática incessante da esperança. É acreditar que, por mais que tenhamos ficado aquém dos objectivos, a próxima vez será melhor. Hilary pôs uma mosca nova na ponta da minha linha. Levantou âncora, pegou os remos e devolveu-nos ao abraço do rio. Mandou-me fazer o lançamento.