A Terra sofreu até cinco grandes extinções em massa desde o aparecimento das primeiras formas de vida, há aproximadamente 3.500 milhões de anos. Contudo, para além destes acontecimentos amplamente estudados, outros episódios de grandes extinções podem fornecer-nos novas informações sobre o passado e o futuro da vida no nosso planeta. Um deles ocorreu pouco depois do aparecimento das primeiras formas de vida complexas, dezenas de milhões de anos antes da primeira das cinco grandes extinções.

Naquela altura, os oceanos do mundo foram afectados por uma série de episódios de alta mortalidade de espécies marinhas, um fenómeno que abrandou inexplicavelmente pouco depois. Este acontecimento desconcertou durante décadas a comunidade científica, que era incapaz de perceber o que causara estes fenómenos de grandes extinções e, sobretudo, o que poderia explicar o seu posterior abrandamento.

As extinções agravar-se-iam abaixo de um limiar de 40 por cento do nível actual de oxigénio atmosférico, concluem os cientistas.

Agora, um novo estudo dirigido pela Universidade de Stanford demonstrou que os níveis de oxigénio poderão ter algo a ver com aqueles fenómenos. Os resultados, publicados recentemente na revista especializada "Proceedings of The National Academy of Science", concluem que o limiar a partir do qual um habitat oceânico viável se expandiu corresponde a 40 por cento do nível actual de oxigénio

O novo estudo revela que cinco graus de aquecimento – um cenário extremo para o nosso clima actual, mas comum no passado geológico da Terra – seria mais do que suficiente para desencadear extinções em massa há entre 540 e 440 milhões de anos.

Cinco graus de aquecimento seriam suficientes para desencadear grandes extinções.

A equipa científica investigou os episódios de extinções em massa ocorridos nos períodos Câmbrico e Ordovícico (há entre 541 e 444 milhões de anos). “Após esses períodos, as taxas de extinção diminuíram. A partir de então, os episódios intensos de extinção limitam-se sobretudo aos chamados “cinco grandes” eventos maciços, incluindo as extinções do Pérmico (há 210 milhões de anos) e do Cretácico (que pôs fim aos dinossauros há 65 milhões de anos), explicou o autor principal do estudo, Richard Stockey, doutorando em ciências geológicas em Stanford, à National Geographic, via e-mail.

Rochas sedimentares calcárias do Ordovícico médio de Ibex, no estado do Utah
Cortesia de Richard Stockey

Estas rochas sedimentares calcárias do Ordovícico médio de Ibex, no estado do Utah, incluem calcários fossilíferos. O seu estudo é fundamental para reconstruir as tendências de extinção no passado geológico
 

Segundo os investigadores, isto deve-se ao facto de, num mundo com pouco oxigénio, os animais marinhos já estarem no limite da sua capacidade para respirar e manter a sua temperatura corporal. A descoberta poderá ajudar, assim, a perceber como o aumento da temperatura da água, causado pelas alterações climáticas, poderia afectar as criaturas marinhas.

Oceanos virtuais

Segundo Erik Sperling, professor assistente de ciências geológicas da Escola da Terra, Energia e Ciências do Meio Ambiente da Universidade de Stanford e co-autor do estudo, os investigadores chegaram a esta conclusão recorrendo a modelos matemáticos do clima do planeta, que lhes permitiram simular as temperaturas da água do mar e a quantidade de oxigénio que se dissolveu no oceano à medida que os níveis de CO2 e de oxigénio atmosférico flutuavam. Em seguida, combinaram estas simulações com modelos matemáticos das interacções entre a fisiologia dos animais e os seus ambientes locais e calcularam o tipo de animais marinhos que sucumbiria por cada cinco graus centígrados de aquecimento das águas do mar.

Esta técnica científica permitiu aos autores povoar os oceanos virtuais com simulações de organismos para, em seguida, aumentar o calor e ver quem sobrevivia.
“É um enorme avanço no âmbito da informática, que nos permite obter modelos totalmente tridimensionais e observar a água que circula entre os continentes”, explica Sperling.

Respirometria em animais marinhos actuais
ANDRÉS MÁRQUEZ

Os cientistas realizaram experiências de respirometria em animais marinhos actuais (incluindo vieiras semelhantes às da imagem) para comparar os efeitos da falta de oxigénio na fauna marinha.
 


Duas ameaças paralelas 

Os resultados são compatíveis com uma série de grandes eventos de extinção ocorridos durante os primeiros 50 a 100 milhões de anos do Fanerozóico, que foram uma consequência directa dos baixos níveis de oxigénio e das reacções fisiológicas ao calor.
Mais especificamente, a investigação revelou até que ponto a falta de oxigénio dificultou a capacidade dos animais para se adaptarem ao aumento das temperaturas. À medida que os oceanos aquecem, o seu teor de oxigénio diminui e a necessidade de oxigenação dos animais marinhas aumenta. Isto afecta especialmente os animais de sangue-frio, que dependem do seu entorno para regular a temperatura corporal e o metabolismo.

“A combinação da ausência de oxigénio com as mudanças de temperatura são os grandes assassinos da fauna marinha.” 

O estudo reforça as descobertas anteriores do grupo de Sperling, que defendiam que o oxigénio e a temperatura são factores interligados que nos permitem compreender os padrões da extinção e da sobrevivência dos oceanos no passado.
“Os registos geológico e paleontológico dizem-nos repetidamente que a combinação da ausência de oxigénio com as mudanças de temperatura são os grandes assassinos da fauna marinha”, afirmou o investigador.
Que efeitos teria um episódio de aquecimento tão profundo na actualidade?, perguntámos a Stockey. “Um aquecimento de cinco graus centígrados teria um impacto dramático nos ecossistemas marinhos actuais. Com efeito, cinco graus é um aquecimento superior ao previsto pelos cenários de alterações climáticas antropogénicas que se prevê causarem danos à vida marinha, explica o cientista. Os nossos estudos demonstraram que, no início do Fanerozóico, quando os níveis de oxigénio atmosférico eram mais baixos do que na actualidade, qualquer episódio de aquecimento causaria um impacto ainda mais grave na fauna marinha.”
Que ecossistemas sofreriam mais no nosso tempo? As regiões oceânicas com baixos níveis de oxigénio, como as águas mais profundas da margem continental da costa da Califórnia, dizem os autores do estudo – um local onde qualquer descida adicional do oxigénio ou mudança na temperatura pode ser catastrófica para organismos que já estão no limite da sua capacidade aeróbica.