Muitas pessoas provavelmente consideram que as cobras são seres frios e solitários, indiferentes para com as outras cobras da mesma forma que são para nós.

Mas, de acordo com um novo estudo, estas noções estão erradas, sobretudo quando se trata de cobras-liga.

Estas criaturas não são venenosas e vivem em regiões que se estendem desde as planícies frias do Canadá até às florestas da Costa Rica. E têm preferência sobre as cobras que conhecem – por outras palavras, têm “amigos”.

“Todos os animais – incluindo as cobras – precisam de interagir com outros”, diz o líder do estudo, Morgan Skinner, doutorando em ecologia comportamental na Universidade Wilfrid Laurier, no Canadá. Para investigar esta teoria, Skinner criou um novo método para avaliar as personalidades e a sociabilidade das cobras-liga orientais (Thamnophis sirtalis sirtalis).

Os resultados mostram que, “tal como acontece connosco, as cobras também procuram contactos sociais e são exigentes em relação às cobras com quem socializam”, diz Skinner, cujo estudo apareceu recentemente na Behavioral Ecology and Sociobiology.

O conceito de que as cobras têm amigos íntimos pode parecer surpreendente, mas estas relações estão a ser cada vez mais encontradas por todo o reino animal, sejam flamingos, morcegos ou elefantes. Um estudo recente sobre morcegos-vampiros revelou que os morcegos, à semelhança do que acontece com os humanos, têm amizades condicionais.

cobras amigos

A cobra-liga oriental, Thamnophis sirtalis sirtalis, é nativa do leste da América do Norte. Fotografia de Michelle Gilders, Alamy.

Aparentemente, os cientistas estão a descortinar melhor agora estas amizades entre animais do que, digamos, há 30 anos atrás, em parte porque muitas sociedades aceitam melhor este conceito e porque os investigadores têm ferramentas muito mais avançadas para recolher e analisar dados.

A análise das redes sociais entre a vida selvagem, como acontece com as cobras, “deu um salto enorme nas últimas décadas”, diz o coautor do estudo, Noam Miller, psicólogo comparativo e consultor de Skinner.

De facto, à medida que este campo de estudo se aprofunda, é cada vez mais normal o uso da palavra “amigo” nos debates sobre as relações entre animais não-humanos.

Mas até 2012 não era assim, diz Melissa Amarello, herpetologista e directora da organização Advocates for Snake Preservation, que foi aconselhada a não usar esse termo (amigo) na sua tese sobre as relações de proximidade entre cascavéis-negras no Arizona.

“É muito bom ver este estudo”, diz Melissa.

Cobras em cativeiro

Para o estudo, Miller e Skinner observaram 40 cobras Thamnophis sirtalis sirtalis – 30 capturadas na natureza e 10 de uma ninhada comprada a um criador.

Para fazer o rastreio dos répteis, Skinner marcou cada uma das cobras com um padrão de pontos coloridos não tóxicos. No seu laboratório, colocou um lote de 10 cobras – uma mistura entre machos e fêmeas – dentro de um recinto que incluía quatro abrigos de plástico com pequenas entradas. Como só havia quatro abrigos, as cobras tiveram de formar grupos.

Durante oito dias, das sete da manhã às sete da tarde, uma câmara filmou a arena de testes a cada cinco segundos, acompanhando os movimentos das cobras. E duas vezes por dia, Skinner fotografou as cobras e os grupos que formavam. Depois, retirou as cobras do recinto, limpou tudo para eliminar odores e colocou as cobras novamente no recinto – mas em lugares diferentes.

Mas as cobras tinham outros planos e não ficaram onde Skinner as colocou. Os animais regressaram aos seus grupos originais, de três a oito indivíduos, dentro dos pequenos abrigos. Para além disso, procuraram cobras específicas com as quais já tinham interagido.

“Têm uma cognição social sofisticada”, acrescenta Miller. “Conseguem distinguir umas das outras.”

Répteis destemidos

Os cientistas também testaram as personalidades das cobras – nomeadamente a sua “timidez” ou “ousadia” – as duas principais características avaliadas na natureza. Para perceber se uma cobra era ousada, colocavam-na sozinha num abrigo.

Os indivíduos mais tímidos permaneciam geralmente no mesmo lugar e raramente se aventuravam no recinto maior. As cobras mais ousadas tinham comportamentos de exploração e muitas vezes deixavam o abrigo de imediato para conhecer o novo habitat.

No entanto, quando estavam em grupos, estas diferenças de personalidade desapareciam e as cobras geralmente seguiam o grupo – talvez uma estratégia para se manterem seguras na natureza.

A experiência é obviamente limitada porque foi feita em cativeiro. “Os animais comportam-se de maneiras diferentes em cativeiro, por isso não sei como é que isto se traduz em condições naturais”, diz Amarello.

Como as cobras-liga selvagens formam grupos semelhantes aos do laboratório, Miller e Skinner suspeitam que estas relações podem ocorrer na natureza – e que são comuns em muitas espécies de répteis.

Solitários enigmáticos? Pense de novo.

Apesar de as amizades entre animais terem recebido ultimamente muita atenção, Millher adverte que estas amizades “podem não ter nada que ver com as razões pelas quais os humanos formam amizades”.

De facto, os cientistas não sabem o que motiva as amizades nestas cobras, embora saibam que isso não está relacionado com a reprodução ou o acasalamento: as cobras do estudo não preferiram cobras do sexo oposto para as suas amizades.

Mas estas parcerias devem oferecer algum benefício – caso contrário, os animais não desperdiçariam energia a formar estes laços. Por exemplo, as cobras “amigas” costumam aconchegar-se, algo que as ajuda a reter o calor e a defenderem-se contra predadores.

“Seja qual for o motivo”, diz Gordon Burghardt, biólogo evolucionista da Universidade do Tennessee, “o estudo deve ajudar a convencer as pessoas de que as cobras não são solitárias, e que têm mais inteligência social e um repertório social mais vasto do que muitos imaginavam”.

Mais Sobre...
Actualidade