Trabalhadores da plataforma chegam de helicóptero para fazerem os seus turnos de três semanas nos campos petrolíferos de Trebs e Titov, no Árctico russo, a oeste da península de Yamal. Lar tradicional de pastores de renas, a região é actualmente dominada por empresas de exploração de petróleo e gás.
O Árctico descongela, mas continua a ser um sítio brutal para os humanos.
Alguns dias antes do Natal de 2014, um rosto familiar apareceu-me numa sala de conferências do campo de Bovanenkovo, quatrocentos quilómetros a norte do círculo polar árctico, na península siberiana de Yamal.
A imagem de Vladimir Putin estava ligeiramente desfocada devido à deficiente qualidade da ligação via satélite. Alexey Miller, director-geral da gigante empresa russa Gazprom, estava sentado diante do ecrã e do presidente russo, com uma expressão grave. No exterior da sala, edifícios prefabricados e oleodutos reluzentes apresentavam-se iluminados como uma estação espacial flutuando na escuridão. Bovanenkovo é uma das maiores jazidas de gás natural do planeta. Alexey Miller pediu a Putin autorização para dar início à exploração de um novo campo no local.
“Pode começar”, disse Putin.
O director-geral transmitiu a mensagem e um engenheiro pressionou uma tecla. Foi assim que o gás do Árctico começou a fluir por mais de mil quilómetros de oleodutos, viajando ao longo da vasta infra-estrutura russa. A península de Yamal, uma área de tundra plana que entra pelo congelado mar de Kara, era até há pouco conhecida pelos seus criadores nómadas de renas, os nenets, e pelos seus brutais campos de prisioneiros durante o consulado de Estaline. Segundo estimativas da Gazprom, até 2030 a região fornecerá mais de um terço da produção de gás russa e grande parte do seu petróleo. Bovanenkovo é uma das mais de trinta jazidas de petróleo e gás conhecidas na península ou situadas imediatamente ao largo da orla costeira. Yamal poderá transformar-se na Arábia Saudita do Árctico, alimentando um mundo esfomeado por energia fóssil. Pelo menos, é isso que Putin espera.
A Rússia lidera a corrida à exploração dos recursos do Árctico à medida que o aquecimento global vai descongelando a região. No final de 2013, numa plataforma do mar de Pechora, a
Gazprom tornou-se a primeira empresa a explorar petróleo em alto-mar no Árctico. Na costa leste de Yamal, uma parceria liderada por outra companhia russa, a Novatek, está a construir um terminal gigante para liquefazer gás e exportá-lo até à Europa e ao Leste Asiático em navios-tanque quebra-gelos. Aliás, no futuro, deverá haver cada vez menos gelo para quebrar.
A Rússia não é a única. Mais de um quinto dos campos convencionais de petróleo e gás ainda por descobrir localizam-se a norte do círculo polar árctico, segundo estimativas de 2008 dos Serviços Geológicos dos EUA. A região é igualmente rica noutros minerais. No ano passado, a Noruega fundeou uma plataforma petrolífera no mar de Barents, ainda mais a norte do que a plataforma da Gazprom. O Canadá está a extrair diamantes, ouro e ferro nos Territórios do Noroeste e em Nunavut. E agora que a costa siberiana está livre de gelo vários meses por ano, os navios cargueiros começam a percorrer a rota dos mares setentrionais entre a Europa e o Leste Asiático. No próximo Verão, o Crystal Serenity, um navio de cruzeiro de grandes dimensões, tem agendada uma viagem que o levará a atravessar a lendária Passagem do Noroeste, no Canadá.
A corrida ao Árctico parece inevitável e preocupante. O degelo já está a libertar carbono para a atmosfera, aquecendo o planeta. Os ambientalistas receiam igualmente os efeitos do desenvolvimento numa região bravia com vida selvagem tão especializada. Muitos dos quatro milhões de indígenas do Árctico temem as ameaças ao seu modo de vida, embora outros agradeçam os empregos e as receitas fiscais que o desenvolvimento poderá trazer.
Dado o entusiasmo reinante, o mais surpreendente é efectivamente a irregularidade da corrida ao Árctico. Poucas empresas têm lucro. No Outono passado, a Royal Dutch Shell abandonou abruptamente o seu investimento de 6,3 mil milhões de euros para extrair petróleo do mar de Chukchi, ao largo do Alasca, após perfurar um único furo que não se mostrou promissor.
É provável que o preço do petróleo, que tem atingido recordes mínimos, tenha contribuído para a decisão, assim como os custos astronómicos de operar numa região onde as infra-estruturas são escassas, as distâncias longas e as condições climáticas permanentemente pavorosas.
Pouco antes de Putin inaugurar o novo campo de gás em Yamal, um enorme navio-fábrica coreano, em actividade de pesca de escamudo no Norte do mar de Bering, afundou-se devido ao mau tempo, arrastando para o fundo mais de cinquenta tripulantes. O navio da guarda costeira mais próximo encontrava-se a 930 quilómetros de distância, em Dutch Harbor, nas Aleutas. Este posto avançado situa-se a mais de 1.600 quilómetros da costa setentrional do Alasca, onde existem plataformas petrolíferas em funcionamento e onde brevemente navegará um navio de cruzeiro. “O Crystal Serenity transportará 1.700 pessoas a bordo”, disse Charles D. Michel, vice-
-comandante da guarda costeira dos EUA. “Isto tira-me o sono durante a noite. Não quero assistir a uma repetição do Titanic. [Um salvamento] seria uma operação altamente complexa. É uma zona muito difícil, com um clima terrível.”
RÚSSIA: DESTINO EVIDENTE
Numa tarde de Dezembro, sob -20°C, algumas dezenas de trabalhadores do campo petrolífero cospem e praguejam enquanto se movimentam em redor dos atrelados que integram um simulacro de estação ferroviária junto de Salekhard, a capital da Região Autónoma de Yamalo-Nenets. Aguardam um comboio que os conduzirá ao Árctico profundo. Para transportar os seus trabalhadores até Bovanenkovo, a Gazprom teve de construir a uma linha férrea de 570 quilómetros, incluindo um viaduto de três quilómetros sobre o rio Yuribey. A viagem dura 24 horas, mas alguns passageiros já demoraram três dias só para a chegar a Salekhard. No campo, chegam a partilhar um único quarto com mais três pessoas e trabalham das 8 horas da manhã às 8 horas da noite em turnos de um mês. Quando o turno acaba, “regressam à Terra”, como se fossem cosmonautas depois de uma campanha mineira na Lua.
“Esta rotina não é para todos”, afirma Pavel Dmitrievich Bugayev, um veterano originário de Nizhniy Novgorod. “O trabalho é difícil, mas paga bem e inclui muitos benefícios sociais. A minha mulher queixa-se, por vezes, de que a vida é difícil sem mim, mas já não é como na altura em que eu desaparecia durante um mês. Agora, estamos ligados pela Internet e pelo Skype.”
O fascínio da Rússia pelo Árctico e a sua riqueza remonta, pelo menos, a Pedro, o Grande, cujo desejo de cartografar a costa da Sibéria deu origem à Grande Expedição Setentrional, no século XVIII. Vladimir Putin continuou a tradição e reclamou mais de um milhão de quilómetros quadrados do oceano Árctico. Segundo especialistas russos, esse é o único caminho, pois 90% das reservas de gás e 60% das de petróleo estimadas no país situam-se na região árctica ou subárctica.
“O actual dilema da Rússia é simples”, diz Konstantin Simonov, director do Fundo de Segurança Energética Nacional, em Moscovo. “Os campos de gás descobertos na década de 1960 fundaram os alicerces do domínio russo do mercado global do gás natural. Agora, essas reservas estão em declínio. O avanço para norte e para o Árctico é a próxima etapa lógica.”
Bovanenkovo é o primeiro grande projecto da península de Yamal. O projecto mais ambicioso é a unidade de gás natural liquefeito (GNL) de Sabetta, no golfo de Ob. É uma das maiores do mundo e está a ser construída pela empresa Novatek com a colaboração da gigante francesa Total e da Companhia Petrolífera Nacional Chinesa.
O governo russo está a financiar a criação de um porto de águas profundas e os serviços de navios quebra-gelos para prestar assistência aos navios-tanque quebra-gelos de transporte de GNL que estão a ser construídos para o projecto. Apesar de o projecto de 24 mil milhões de euros só entrar em funcionamento em 2018, na melhor das hipóteses, a Novatek já procedeu à pré-venda de grande parte do gás.
A Rússia está ainda mais focada no petróleo do Árctico. As taxas de produção e os direitos de exportação do petróleo são responsáveis por 40% da receita governamental e os seus campos petrolíferos do Oeste da Sibéria encontram-se em declínio. Até à data, contudo, tem necessitado de tecnologia e capital estrangeiros para perfurar em alto-mar no Árctico e as sanções impostas após a intervenção militar na Ucrânia suspenderam estes projectos. A plataforma da Gazprom em Prirazlomnaya é a única que actualmente produz petróleo. Imediatamente antes da entrada em vigor das sanções, a Exxon Mobil e a gigante petrolífera russa Rosneft perfuraram o poço mais setentrional do mundo, no mar de Kara. Encontraram petróleo, estimado em 700 milhões de barris, mas selaram o poço, por enquanto.
Não há oleodutos perto destes campos. O petróleo de Prirazlomnaya (cerca de cinco milhões de barris, até à data) é transportado por navios--tanque e, por vezes, trasfegado para outros navios. Isto aumenta consideravelmente o risco de derrames. Segundo grupos ambientalistas locais, as companhias russas já derramaram mais de 3,5 milhões de barris de petróleo sobre a tundra.
NORUEGA: SUCESSO EM BARENTS
Em Setembro de 2010, o MV Nordic Barents foi carregado com minério de ferro na mina de Sydvaranger e navegou para oriente, rumo a Xangai. O primeiro navio comercial não-russo a navegar pela rota do mar do Norte foi escoltado por um quebra-gelos russo, mas encontrou pouco gelo, nunca parou e atingiu uma velocidade média superior a 12 nós. O mais importante de tudo: conseguiu lucro. O atalho do Árctico reduziu num terço a distância percorrida pela rota do canal de Suez, poupando 163 mil euros só em combustível.
Em 2013, um porta-contentores chinês encurtou em duas semanas a duração da rota do Suez, navegando desde Dalian até Roterdão num tempo recorde de 35 dias. Alguns especialistas afirmam que a tão desejada rota marítima do Árctico se tornou, finalmente, realidade.
“Estive numa reunião com o director-geral da Atomflot [a frota de navios quebra-gelos da Rússia] há alguns anos”, recorda Felix Tschudi, cuja empresa, a Tschudi Shipping, organizou a viagem pioneira do Nordic Barents. “Ele disse: ‘Vamos competir com o Suez!’” E deu um murro na mesa.
É um desejo irreal, contrapõe Felix. Mais de 17 mil navios atravessam anualmente o canal de Suez, comparados com os 19 trânsitos completos da rota do mar do Norte realizados em 2013. Mesmo com o recuo do gelo no Árctico, ventos nefastos ainda empurram plataformas de gelo e growlers (pequenos icebergues) para as vias marítimas, provocando atrasos dispendiosos.
A rota russa continua a ser demasiado sazonal e setentrional para a maioria do comércio mundial.
Entretanto, a antiga cidade piscatória de Hammerfest, 250 quilómetros a oeste de Kirkenes, tornou-se o centro dos investimentos noruegueses no petróleo e gás árcticos, no mar de Barents. A Statoil, companhia norueguesa que explora petróleo e gás, construiu em 2007 a única unidade de GNL europeia no local: recebe gás de três campos em alto-mar através de um gasoduto submarino com 150 quilómetros de extensão.
No dia em que cheguei a Hammerfest, o porto estava repleto de navios aguardando rebocagem até aquilo que parecia uma ilha cor de laranja redonda no meio do mar. A plataforma Goliat, que pertence à companhia petrolífera italiana Eni e à Statoil, largou âncora a 71º graus norte. Está 225 quilómetros mais perto do Pólo Norte do que a plataforma russa Prirazlomnaya. Com 25 pisos de altura, a Goliat consegue bombear 100 mil barris de petróleo por dia e armazenar um milhão de barris no seu casco, até ao transporte. Graças à corrente do Golfo, esta zona está praticamente livre de gelo, levando os executivos da Eni a chamarem-lhe o “Árctico amigável”. No entanto, a plataforma ainda tem de suportar ventos ciclónicos e ondas de 15 metros.
A Eni contemplou a ideia de uma série de Goliats perfurando campos ainda maiores, situados mais a norte no mar de Barents, mas o preço do petróleo minou essa visão. A Goliat custou cinco mil milhões de euros, tendo excedido o orçamento em 1.180 milhões. Os analistas estimam que a empresa precisa que o barril atinja o preço de 86 euros (cerca do dobro do final de 2015) para atingir o ponto de equilíbrio. Frederic Hauge, pioneiro da Fundação Bellona, um grupo ambiental norueguês, espera que os preços baixos do petróleo impeçam os planos grandiosos da Eni e outros projectos para o Árctico. Afinal, ainda não existe uma boa maneira de limpar petróleo derramado nas águas árcticas.
CANADÁ: UMA MINA DE OURO PARA NUNAVUT
A mina de ouro de Meadowbank, a noroeste da baía de Hudson no vasto território de Nunavut, é uma das minas mais frias da Terra. Pouco depois da sua abertura em 2010, os trabalhadores carregavam um camião de transporte de minério do tamanho de uma casa quando a sua enorme estrutura rachou. Aparentemente até vigas de aço tão grandes como troncos de árvore tornam--se quebradiças quando as temperaturas descem abaixo de -40°C.
Estava quase tanto frio como quando ali cheguei em Março passado numa carrinha cheia de mineiros vindos de Baker Lake, a povoação mais próxima. A meio de uma viagem de duas horas e meia, a carrinha fez uma pausa para os passageiros irem à casa de banho e fumarem um cigarro. Um descampado nevado coberto de pedregulhos estendia-se até ao horizonte. A brisa ligeira cortava. Até um não fumador conseguia perceber o encanto de sentir uma fogueirinha diante do rosto. No entanto, qualquer tipo de inspiração funda ou exposição de partes sensíveis da anatomia pareciam má ideia. Na semana anterior à minha chegada, uma tempestade isolara a mina durante três dias. O aquecimento do Árctico não estava a dar uma grande ajuda em Meadowbank.
O frio não é o único desafio. Numa noite de 2011, um glutão esfomeado escavou um buraco sob a cozinha do acampamento para chegar às rações. O incêndio eléctrico subsequente consumiu a cafetaria, abrandou significativamente a extracção de minério durante semanas e causou danos de 15 milhões de euros. No entanto, segundo Sean Boyd, director-geral da Agnico Eagle, empresa proprietária da mina, a maior dificuldade era a total ausência de infra-estruturas e energia. A Agnico Eagle teve de construir um aeródromo capaz de receber um Boeing 737 em Meadowbank e uma estrada de 110 quilómetros capaz de suportar quaisquer condições climáticas. Quando um camião de cem toneladas avaria, a Agnico Eagle tem de mandar vir um C-130 Hercules com peças gigantescas para repará-lo ou esperar que a baía de Hudson descongele, no Verão.
“Menosprezámos a mão-de-obra e os custos logísticos associados à construção de uma infra-estrutura no meio do nada”, afirma Sean Boyd. “A nossa estimativa inicial pecou por escassa. A energia é uma enorme componente do custo.” A mina consome 35 a 45 milhões de litros de gasóleo por ano, em seis geradores de 6.000 cavalos. Camiões-cisterna entregam diariamente combustível proveniente de Baker Lake, onde este chega todos os verões em embarcações que atravessam a baía de Hudson.
Em 2010, a mina de ouro de meadowbank na região canadiana de Nunavut deu origem a um vasto território com 37 mil habitantes. Cerca de quatrocentos trabalhadores locais operam na mina. Um dique protege-a contra inundações no Verão, quando a tundra descongela, formando lagos e pântanos infestados de insectos.
A mina em si ocupa 1.500 hectares. Durante o breve Verão de Nunavut, os seus três poços a céu aberto transformam-se em ilhas invertidas, descendo a um nível inferior ao dos lagos azul-índigo profundos que as rodeiam protegidas por diques de terra. Os lagos estão cheios de trutas, salvelinos e um peixe da família do salmão. Os detritos da mina formam um altiplano com 60 metros de altura. Segundo os engenheiros da mina, depois de ser tapada com quatro metros de solo limpo, a montanha de lixo congelará permanentemente, impedindo a infiltração de ácidos e metais pesados nos lagos com as escassas chuvas de Verão.
Embora o minério de Meadowbank contenha o triplo da concentração de ouro da maioria das minas de ouro a céu aberto, em 2013 já tinha perdido quase mil milhões de euros no empreendimento e restavam-lhe apenas mais cinco anos de minério para extrair. Uma nova descoberta a cerca de 50 quilómetros poderá prolongar a operação por mais uma década, permitindo gerar lucro.
Ao contrário de Hammerfest, a vila de Baker Lake, com 1.900 habitantes, beneficiou com a mina. Na década de 1950, o governo canadiano realojou muitos inuit em aldeias como Baker Lake para lhes garantir o acesso a escolas, cuidados de saúde e outros serviços. A transição não foi fácil. Muitos inuit vivem de subsídios e duas ou três famílias partilham casas com dois quartos. Um terço da população de 40 mil habitantes de Nunavut tem uma alimentação insuficiente, segundo um relatório do governo canadiano de 2015. O alcoolismo, o consumo de drogas e a agressão sexual são comuns. A taxa de suicídio entre os jovens do sexo masculino é 40 vezes superior à média canadiana.
Os líderes locais dizem que poderia ser útil transformar Nunavut na nova região mineira do Canadá. Em 2014, foi inaugurada uma mina de ferro no Norte da ilha de Baffin e há planos para abrir minas de diamantes, ouro e urânio noutros pontos de Nunavut. As minas criam muitos empregos para trabalhadores não-qualificados, desde empregadas de limpeza a camionistas. Antes da mina de Meadowbank, a taxa de desemprego em Baker Lake era de 30%. Actualmente, qualquer pessoa consegue encontrar trabalho: a mina emprega cerca de trezentos inuit.
“O desenvolvimento dos recursos tem feito mais pela minha comunidade do que eu alguma vez poderia imaginar”, afirma Peter Tapatai, um empresário de 63 anos de Baker Lake responsável pelos transportes da mina. “Quando vemos uma mulher e uma jovem a trabalhar, elas já fazem parte do Canadá. Sustentam as suas famílias. Ao nosso povo parecia não restar outro futuro além da fila dos cheques da segurança social. Agora, todas as quintas-feiras fazem-se filas para receber o cheque do ordenado.”
Linda Avatituq, mãe solteira e avó de 39 anos foi trabalhar para a mina há três anos. Só conduzira uma moto de neve antes de ser contratada para guiar um enorme camião amarelo que transporta rocha com ouro incorporado proveniente do poço. Recebe 72 mil euros por ano. “A minha vida mudou muito depois de conseguir o emprego”, diz Linda. “Deixei de beber depois disso. Consigo sustentar a minha família e os meus netos. O meu neto tem 6 anos. Quer ser piloto.” Lágrimas escorrem-lhe pelo rosto. Sente saudades dele quando está na mina.
Muitos inuit e as suas famílias têm dificuldade em habituar-se aos horários de trabalho – duas semanas no activo, duas semanas de folga. A mina contratou terapeutas e patrocina danças de grupo, torneios de badminton e visitas às minas para os cônjuges. Alguns trabalhadores, sobretudo jovens mulheres solteiras, trocaram Baker Lake pelas luzes mais brilhantes de Winnipeg ou Calgary. Voam até ao local de trabalho de duas em duas semanas, tal como os seus colegas não-inuit.
Um metalúrgico de Meadowbank limpa moldes de ouro que formarão lingotes valiosos: cada um custa cerca de 600 mil euros. Até 2013, a mina ja sofrera prejuízos de aproximadamente mil milhões de euros.
Antes de sair da mina, assisti a um processo de moldagem de ouro. Metalúrgicos despejaram lentamente o metal, líquido como lava, transferindo-o de um cadinho para seis moldes, onde iria arrefecer e formar lingotes amarelos, cada um pesando 26 quilogramas e valendo cerca de 600 mil euros. “Quem foi a primeira pessoa a decidir que o ouro era valioso?”, interrogou-se um operário da fundição. Ao longo dos séculos, as minas de ouro expropriaram os povos autóctones e provocaram destruição ecológica em todo o planeta. Esta mina industrial moderna no meio do Árctico bravio pode ser diferente, mas até os seus apoiantes locais não sabem se virá revelar-se um sucesso ou um fracasso para o povo de Nunavut.
“Não consigo imaginar o que fará o meu filho”, diz Alexis Utatnaq, instrutor no instituto de ensino comunitário local que prepara estudantes para empregos na mina. “Vamos ter mais professores e médicos ou vamos todos ser mineiros? Alguém ainda saberá caçar?”
ALASCA: O POÇO QUE NUNCA ACONTECEU
O túnel aberto no permafrost é uma relíquia da guerra fria, uma conduta escavada num monte a norte de Fairbanks, onde os investigadores em tempos estudaram formas de esconder mísseis.
Actualmente, é um registo misterioso do antigo clima do Alasca, mostrando períodos de congelamento e degelo de há mais de quarenta mil anos. Sinais pintados à mão assinalam fémures de mastodonte, chifres de bisonte das estepes e folhas de erva tão verdes como no dia em que congelaram, há 25 mil anos. O cheiro é o de um celeiro antigo.
“É a bomba de carbono”, comenta o investigador Thomas Douglas, referindo-se ao pungente aroma do yedoma descongelado, um tipo de permafrost antigo e rico em carbono. O permafrost do planeta contém até 1.600 gigatoneladas de carbono, o dobro existente na atmosfera. À medida que descongelar, libertará carbono, amplificando as alterações climáticas. Cientistas descobriram recentemente várias crateras de grandes dimensões junto de Bovanenkovo, algumas com mais de 60 metros de profundidade, que podem ter-se formado devido ao metano em erupção.
“É isto que preocupa toda a gente”, afirma Thomas. “O estudo mais recente estimava a emissão de 10 a 15% até 2100. Mesmo assim, 240 gigatoneladas continuam a ser uma brutalidade.” Este escoamento de gás poderia transformar o Alasca e o resto do mundo num planeta diferente.
O povo do Alasca árctico mostra-se decididamente dividido.
O Alasca já está a mudar depressa. No Verão passado, 700 incêndios espontâneos queimaram cerca de dois milhões de hectares de floresta boreal na pior época de incêndios das últimas décadas: até tundras desarborizadas pegaram fogo. A perda de gelo marinho que facilitou a exploração de petróleo no alto-mar também expôs as aldeias do Alasca a grandes tempestades, cheias e erosão costeira – mais de 18 metros por ano em alguns locais. Um relatório federal de 2009 estimou que 31 aldeias do Alasca enfrentam “ameaças iminentes”.
Wainwright, uma base de operações da Shell no mar de Chukchi, não está na lista, mas Enoch Oktollik, chefe de manutenção na escola local e antigo presidente da câmara, defende que a mudança já é óbvia. “Pudemos observá-la nos últimos dez nos”, afirma. “Ainda se forma gelo novo, mas o gelo mais antigo está a desaparecer. As morsas afluem a terra aos milhares em Point Lay porque estão a perder o seu habitat de gelo. A vegetação aqui à volta está a ficar mais alta e mais verde. É um pouco assustador ver todas estas interacções em tão curto tempo.”
Quando a Shell abandonou a sua procura de petróleo em alto-mar no Alasca no ano passado, os grupos ambientalistas comemoraram. “As gigantes petrolíferas sofreram uma derrota absoluta”, anunciou um dirigente do Greenpeace ao jornal inglês “Guardian”, acrescentando que “o povo venceu”.
Contudo, o povo do Alasca árctico mostra-se decididamente dividido. Após décadas a contestar a perfuração em alto-mar para proteger a caça à baleia-da-gronelândia, um dos últimos pilares da sua cultura ancestral, vários residentes de North Slope, incluindo Enoch, acabaram por apoiar o empreendimento da Shell devido aos empregos e receitas fiscais que poderia trazer. “Preferia que não houvesse desenvolvimento, mas não temos escolha”, diz Enoch. E as alterações climáticas?, pergunto.
“Há milhares de anos que os inupiat se adaptam”, diz, com um sorriso. “Também nos adaptaremos às alterações climáticas.”
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