No baixo Mondego, o botânico Jael Palhas perscruta o solo com um olhar acutilante. Por fim, um sorriso enche-lhe o rosto enquanto mostra com delicadeza uma pequena flor rosa: o estáque do Baixo Mondego (Stachys palustris) é autóctone e, em Portugal, apenas se encontra aqui, onde está criticamente em perigo. Os pés desta flor contam-se pelos dedos. Apesar dos esforços de conservação, as ameaças abundam. E uma delas é particularmente viciosa: a cuscuta (Cuscuta campestris) é um verdadeiro alien vegetal. Oriunda do continente americano, é digna do elenco de um filme de terror: cresce à volta das suas vítimas, enrolando-se, sugando-lhes a seiva e acabando lentamente por asfixiá-las.

Há cada vez mais exemplos destes na nossa paisagem – espécies invasoras que chegaram a Portugal e colonizaram vastas áreas do país, ameaçando a flora nativa e criando graves problemas ambientais e económicos. Os motivos são variados, mas quase sempre reflectem a mão do homem: agricultura, aquariofilia, plantas ornamentais, desportos aquáticos. A equipa do Centro de Ecologia Funcional, que integra membros da Escola Superior Agrária e da Universidade de Coimbra, estuda as plantas invasoras e combate-as com afinco, procurando restabelecer o equilíbrio ecológico nestes habitats. É uma luta ingrata, como Jael explica. “Uma das espécies mais conhecidas é o jacinto-de-água”, diz. “É o mais mediático mas até seria relativamente controlável comparativamente a outras invasoras aquáticas que são menos conhecidas, embora bem mais complicadas de controlar.” A história desta planta aquática reflecte bem a dificuldade de conciliar todos os interesses.

espécies invasoras

Para controlar a espécie invasora áquea-picante (Hakea sericea, em primeiro plano) e minimizar o risco de incêndios florestais no Verão, uma equipa de bombeiros leva a cabo uma acção de queima controlada em Poiares.

No Baixo Mondego foram instaladas barreiras flutuantes para o reter, evitando que suba para montante, com o vento, dado que o rio tem um desnível reduzido. O curso inferior é, paradoxal- mente, das regiões do país com maior número de espécies aquáticas raras mas também de invaso- ras. Uma das principais preocupações tem um nome: Ludwigia  peploides,  planta  detectada pela primeira vez na região em Maio de 2020, mas só em 2021, com recurso a drones e caiaques, foi possível detectar o ponto inicial da invasão. Além da enorme capacidade de dispersão, tem formas terrestres, flutuantes, submersas, tolera a seca e até a geada. Ainda se pensou na sua erra- dicação, mas espalhou-se de forma tão rápida que tal parece já impossível. O plano viável é a tenta- tiva de contenção.

O sentimento de urgência pressente-se no dis- curso de Jael. Até porque há muitos outros exem- plos: “Hoje, já só há uma única planta conhecida de nenúfar-amarelo no Mondego. Em 2019, havia duas”, conta. “O jacinto ocupou o seu habitat, rapi- damente. Para o combater, desenvolveu-se um projecto de contingência, que procurou criar uma barreira física, que até certo ponto funcionou razoavelmente, mas depois chegou a Ludwigia e ainda fez pior.”

Silenciosamente, à vista de todos, esta segunda invasora retém o jacinto-de-água que, por sua vez, se distribui por cima do nenúfar e tem de ser retirado manualmente. “É um caos!”, resume o investigador. Segundo Miguel Porto, da Sociedade Portuguesa de Botânica, tem ocorrido um “apagão das aquáticas”, acentuado desde a década de 1980. A lista de plantas desaparecidas é enorme, como confirma a Lista Ver- melha da Flora Vascular de Portugal. No entanto, o documento não tem ainda valor legal. Muitas espécies são localmente raras, mas, se não fizerem parte das directivas europeias, não têm protecção legal.

Em contrapartida, nem só de notícias sombrias se faz o presente. Recentemente, foi redescoberto o junco-florido (Butomus umbellatus), dado até aqui como desaparecido por alguns anos. Aliás, só em 2021 reencontraram-se mais quatro espécies e, já este ano, a minúscula Elatine triandra foi de novo identificada, apesar de não ser avistada desde 1965.

A luta contra as espécies invasoras não se limita aos habitats aquáticos. Os cordões dunares, sobre- tudo no Norte e Centro, formam um mar de flores amarelas e são palco de um projecto de longa dura- ção, potencialmente polémico. O foco do trabalho é a espécie Trichilogaster acaciaelongifoliae, afec- tuosamente tratada por Trichi pelas gémeas Mar- chante, Hélia e Elizabete.

Sendo tecnicamente uma vespa, com apenas dois milímetros, foi introduzida em Portugal em 2015 para contrariar o avanço da acácia-de-espigas (Aca- cia longifolia), identificada nas dunas de São Jacinto e noutros sistemas dunares. Rapidamente se cons- tatou que o método tradicional de corte não chega- ria para travar a acácia e a alternativa foi o controlo biológico – uma opção que, há muitos anos, noutras latitudes e com testes muito menos rigorosos e foca- dos noutras espécies, causou problemas mais graves do que aqueles que pretendia resolver.

vespa

Um exemplar de Trichilogaster acaciaelongifoliae logo após emergir da galha de acácia-de-espigas onde se desenvolveu. Esta pequena vespa é um agente de controlo biológico introduzido em Portugal em 2015 para travar aquela planta. O projecto tem sido um sucesso.

Desta vez, foi diferente: após uma década de investigação, houve finalmente autorização para libertar a Trichi. Segundo Hélia Marchante, “um estudo tão prolongado é raro a nível mundial e cons- titui uma oportunidade única para o estudo das redes ecológicas e do comportamento das espécies envolvidas, antes, durante e após a libertação”. Entusiasmada, Elizabete acrescenta: “A Trichi coloca os ovos nos pequenos botões florais, impe- dindo a formação da flor, logo não há formação de fruto que, por sua vez, não produz sementes.”

O ciclo de vida deste insecto é de um ano, mas os adultos vivem apenas dois a três dias, em média, num processo assexuado. Não se registaram até ao momento consequências indesejáveis no ecossis- tema. Aliás, este processo já é utilizado há décadas na África do Sul. Na Austrália, de onde são originá- rias, a relação entre a acácia e a Trichi é natural. Este tipo de controlo contribui para diminuir a utilização de químicos, que tem impactes negativos em toda a cadeia trófica, e para tornar mais susten- tável o controlo físico (manual ou mecânico), ao diminuir a quantidade de sementes que germinam em grande quantidade depois das intervenções. “Persiste a ideia leiga de que os insectos são para esborrachar, mas, ao fazê-lo, perdemos polinizado- res e, neste caso, agentes de controlo biológico”, resume Elizabete Marchante.

Outra planta que tem merecido atenção é a erva-das-pampas (Cortaderia selloana). Inicialmente plantada em jardins, espalhou-se, sobretudo no Litoral Norte e no Centro. Chega a medir quatro metros e propaga-se com facilidade: as sementes têm 2mm e espalham-se com o vento. A erva-das-pampas compete com espécies nativas, impedindo a circulação de fauna e provocando cortes em pes- soas e animais. Até impactes na saúde publica se registaram, pois são comuns os picos de alergias no Outono quando quando ela se encontra no pico de floração e dispersão de sementes.

A gravidade da invasão levou em 2018 à criação do projecto europeu LIFE Stop Cortaderia. “Há um nível gigante de cegueira vegetal”, diz Mónica Almeida, uma das investigadoras do  projecto. “A maioria dos cidadãos não vê nem distingue os tipos de verdes. Daí a importância da sensibilização.”

Há alguns anos que existe um site (www.invasoras.pt) como plataforma de ciência-cidadã. Ali qualquer indivíduo pode contribuir com dados de avistamento de invasoras, úteis para um mapea- mento preciso e para a gestão territorial.

A lista de plantas está em crescimento perma- nente. Algumas já nos são familiares, como as acá- cias-mimosas (Acacia dealbata) ou as azedas (Oxalis pes-caprae). Outras serão mais insidiosas, como a áquea-picante ou a sanguinária do Japão (Fallopia japonica). Esta última é tão devastadora que, no Reino Unido, já se recusam créditos e segu- ros para terrenos onde ela esteja presente, pois até paredes e estradas destrói.

Na verdade, teremos de aprender a viver com as plantas invasoras, minimizando o seu impacte nos ecossistemas e o nosso na sua propagação. Em áreas prioritárias de conservação, é também fundamental gerir melhor estas espécies e contro- lá-las de forma a recuperar  a  biodiversidade que ameaçam.

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