Figuras castanhas cor de canela formam pilhas vivas sobre plataformas de gelo e praias rochosas no Atlântico Norte. Algumas pesam mais de uma tonelada. Outras têm mais de três metros de comprimento. Cada uma é um retrato enrugado, de dentes salientes e bigodes, cicatrizes profundas e olhos raiados de sangue. Dormitam, arrotam, discutem e ladram, “num misto de mugido de vaca e latido de mastim, de som mais grave”, como descreveu um explorador do século XIX.

As morsas talvez pareçam familiares, mas a maioria dos leitores nunca verá um grupo de morsas em ambiente selvagem. Poucos fotógrafos documentaram, aliás, este pinípede perigoso, musical e socialmente sofisticado, com barbatanas na extremidade dos membros.

“Eu próprio fiz de isco”, conta Paul Nicklen, que passou três semanas a apontar a sua máquina para morsas com a ajuda do mergulhador sueco Göran Ehlmé. “Sentava-me na costa e as morsas aproximavam-se. Ficavam curiosas. Só que elas precisam de nos bater com os dentes para perceberem o que somos. E o golpe de uma morsa pode ser mortal.”

As presas de marfim podem ter mais de meio metro de comprimento. Prendendo-se ao gelo como um machado, ajudam-na a sair do mar, mas também golpeiam rivais e dissuadem predadores.


 

Os bigodes são outra característica emblemática. Centenas de fios cor de palha eriçam-se acima dos lábios da morsa: espessos como espinhos e sensíveis como dedos. Utilizando essas vibrissas, as morsas conseguem localizar amêijoas enterradas no leito marinho. Para lhes retirarem a carne, utilizam a força de sucção da sua boca, como um aspirador, só que a sucção seria suficientemente potente para puxar a pele de uma foca.

Estas poderosas criaturas também são melodiosas. Durante a época de acasalamento, entre Janeiro e Abril, “machos adultos irrompem em cantos e todo o tipo de sons estranhos, como castanholas, sinos, dedilhar de guitarras e rufo de tambores”, diz Erik W. Born, cientista do Instituto de Recursos Naturais da Gronelândia. 
“O melhor cantor espera que a sua música atraia uma bela senhora.”

Se o conseguir, nascerá uma cria de 45 quilogramas quinze meses depois. Nos dois anos seguintes, a cria será carregada ao colo pela sua mãe extremosa, transportada às cavalitas e engordada. Se tudo correr bem, poderá viver 40 anos.

Antigamente, essa esperança de vida era menos provável. Os vikings do século IX abatiam grupos de morsas pela sua gordura e pele. Os europeus medievais esculpiam jogos de xadrez a partir dos dentes. Entre os séculos XVI e XX, baleeiros comerciais caçaram abundantemente este animal, reduzindo drasticamente a sua distribuição que, em tempos, se estendeu até à Nova Escócia.

Actualmente, a sua caça é praticada sobretudo pelos inuit, que dependem das morsas como fonte de alimento, vestuário, ferramentas, utensílios de marfim e combustível. É impossível dizer quantas poderão ter outrora nadado no Atlântico — talvez centenas de milhares. Hoje, existirão 20 a 25 mil. Mas mesmo com levantamentos aéreos e monitorização por satélite, os números são ilusórios.

A perda de gelo marinho aparenta ser um grande desafio. As morsas preferem as plataformas de gelo para se alimentarem, parirem e emergirem do mar. Forçadas a ficar em terra, são vulneráveis a ataques de ursos-polares. Observações oficiosas sugerem que algumas populações já estão a ser afectadas.

Erik Born concorda que existem motivos de preocupação, mas também propõe uma hipótese mais risonha. As zonas onde as morsas se alimentam de amêijoas “estavam antigamente cobertas de gelo e as morsas não conseguiam chegar-lhes”, afirma. “Agora, podem alimentar-se durante mais tempo. O recuo do gelo poderá trazer benefícios.”

Poderá chegar o momento em que outros problemas afectarão o mundo da morsa: a caça furtiva e excessiva, os navios de grande escala e a exploração petrolífera encabeçam a lista. 
Por ora, porém, a morsa pode continuar a degustar as suas amêijoas salgadas em sossego, no seu magnífico isolamento.