"O caso de hoje é sobre os jovens. É sobre o falhanço dos países em lidar com a emergência climática e os danos que irão sofrer durante as suas vidas." Esta frase, que serve de resumo do caso, foi proferida pela advogada Alison Macdonald durante a audiência do julgamento dos seis jovens portugueses contra 32 Estados europeus – incluindo Portugal – pela sua inacção face à crise climática.
Cláudia Duarte (24 anos), Catarina Mota (23 anos), Martim Duarte (20 anos), Sofia Oliveira (18 anos), André Oliveira (15 anos) e Mariana Agostinho (11 anos) não pretendem obter uma compensação financeira, mas sim a elaboração de um tratado juridicamente vinculativo que obrigue os Estados a agir face à crise climática.
Este é o terceiro litígio em matéria de clima a ser apreciado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e tornou-se o maior caso deste tipo (em termos do número de Estados processados) a ser apresentado ao Tribunal. Outros processos pendentes de julgamento são: o processo movido pela Associação de Mulheres Idosas para a Proteção do Clima (KlimaSeniorinnen) contra a Suíça e o processo movido pelo deputado francês Damien Carême contra a França. Ambos foram ouvidos em Estrasburgo em 29 de Março de 2023.
Na National Geographic, contamos-lhe os principais factos sobre o processo.
PORQUÊ A ACÇÃO JUDICIAL?
Na noite de 17 de Junho de 2017, deflagraram 156 incêndios em Portugal. Sessenta e duas pessoas morreram. Trinta dos corpos foram encontrados dentro de veículos que tentavam fugir e outros 17 na própria estrada. O país decretou três dias de luto. E Cláudia Duarte compreendeu então que "a crise climática está a tornar o mundo cada vez mais perigoso e a minha geração cada vez mais vulnerável".
Cláudia Duarte é natural de Leiria, cidade situada numa das zonas mais afectadas pelos incêndios. "Foi impressionante ver que as florestas onde eu gostava de estar se tornaram, de repente, sítios extremamente perigosos", disse. Embora as previsões variem consoante o cenário de emissões considerado, todos os modelos climáticos futuros sublinham que as alterações climáticas conduzirão a um aumento da frequência de fenómenos meteorológicos extremos (como as vagas de calor) e de dias de risco extremo de incêndios florestais (devido ao aumento das temperaturas).
"Enfrentam a possibilidade real de viver num mundo 4ºC mais quente. E em Portugal, esse é um mundo onde as ondas de calor acima dos 40°C podem durar mais de 30 dias sem interrupção; um mundo onde o risco extremo de incêndios florestais quadruplica em algumas partes do país para 80 ou 90 dias por ano", argumenta Gerry Liston, outro dos advogados dos queixosos.
IMAGEM DO INCÊNDIO EM PORTUGAL EM LEIRIA. FONTE: RUI OLIVEIRA, ATLANTICO PRESS. VIA: GTRES
Três anos após esses incêndios e convencidos de que precisavam de tomar medidas para salvaguardar o seu futuro, a 3 de Setembro de 2020, os seis jovens, apoiados pela Global Legal Action Network (GLAN), iniciaram o processo de processar 33 países europeus: Áustria, Bélgica, Bulgária, Suíça, Chipre, República Checa, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Reino Unido, Grécia, Croácia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Malta, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Rússia, Eslovénia, Eslováquia, Suécia, Turquia e Ucrânia (NR: a acusação contra esta última foi retirada com o início do conflito ucraniano-russo). Quanto ao financiamento, foi obtido através de crowdfunding.
Os jovens pedem uma sentença que obrigue os países a promover medidas para manter o aumento máximo da temperatura global em 1,5ºC – o Acordo de Paris, assinado por 195 países em 2015, estabelece o máximo de 2ºC e um esforço para mantê-lo em 1,5ºC – e argumentam que o aumento da temperatura associado às alterações climáticas é uma violação dos direitos humanos. Especificamente, o direito à vida, a não ser submetido a tratamentos desumanos, à privacidade e à vida familiar, e a não ser discriminado – neste caso, com base na sua idade. Estes direitos correspondem aos artigos 2º, 3º, 8º e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
NUNO GASPAR DE OLIVEIRA
André Oliveira e Sofia de Oliveira, dois dos queixosos.
PODERÃO GANHAR O PROCESSO?
A 27 de Setembro de 2023, a primeira e única audiência deste processo judicial teve lugar no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (onde apenas 0,03% dos processos são julgados). Em cena estiveram seis advogados dos queixosos contra 87 advogados dos Estados implicados. O processo está agora a aguardar julgamento, que deverá ocorrer em 2024.
Será que os jovens têm alguma hipótese de ganhar? Ana Barreira, advogada e directora fundadora do Instituto Internacional de Direito e Ambiente, defende que é difícil prever o resultado, porque o direito não é matemática: aqui "um mais um pode não dar dois".
Alguns precedentes de casos anteriores, fornecidos pelo perito, poderiam ser favoráveis a este pedido em concentro. Em Espanha, há o caso López Ostra, de 1994, que também foi apresentado ao TEDH. A Câmara Municipal de Irún, no País Basco, tinha autorizado a construção de uma estação de tratamento de águas residuais nas imediações da casa de Emilio López Ostra, que alegou que o funcionamento da estação de tratamento causava uma poluição significativa e emissões de odores que afectavam gravemente a sua qualidade de vida e a da sua família. O acórdão final reconheceu a violação do direito humano à vida privada e familiar – o mesmo direito reivindicado pelos seis jovens portugueses e consagrado no artigo 8.
Mais recentemente, nos Países Baixos, a Fundação Urgenda processou o governo do país por não ter adoptado medidas adequadas para combater as alterações climáticas e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. A acção judicial visava uma redução das emissões de, pelo menos, 25% até 2020, em relação aos níveis de 1990. O acórdão histórico, emitido em 2015, decidiu a favor da Urgenda e ordenou ao governo que tomasse medidas para cumprir a redução de 25%, argumentando que o facto de não o fazer violava os direitos humanos e as obrigações legais do governo. Mais uma vez, o Tribunal baseou-se nas implicações das alterações climáticas para os direitos fundamentais.
De facto, este caso foi uma das inspirações para os jovens, de acordo com Cláudia Duarte. "Fomos inspirados por muitos casos em todo o mundo, por exemplo, o caso Urgenda nos Países Baixos. O nosso processo faz parte de mais de 80 casos que contestam as respostas dos governos à crise climática, mas nenhum tribunal foi suficientemente longe para pressionar os governos a reduzir as emissões em 1,5 graus Celsius, pelo que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem foi o nosso último recurso", afirma Cláudia Duarte.
Por outro lado, o principal argumento contra a acção é o facto de "ter sido intentada em 2020 e, desde então, a União Europeia ter aumentado as medidas; em 2021, foi aprovada a Lei Europeia do Clima", explica Ana Barreira. Esta lei estabelece o objectivo de neutralidade climática na UE até 2050 e determina que todos os estados-membros devem implementar estratégias e planos de adaptação às alterações climáticas, com uma redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa (emissões depois de deduzidas as remoções) em pelo menos 55% até 2030, em relação aos níveis de 1990.
GLAN (via Facebook)
Os jovens queixosos a caminho da audiência no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo.
O QUE ACONTECERIA SE estes jovens GANHASSEM?
Se o Tribunal decidir a favor dos jovens, o resultado seria o equivalente a um tratado regional juridicamente vinculativo que obrigaria os 32 países a acelerar rapidamente a sua acção climática (através da redução das emissões).
"Se ganharmos, esperamos ter um grande impacto. Trinta e dois governos serão obrigados a reduzir drasticamente as suas emissões", acrescenta Claudia Duarte, que também partilha o que este processo tem sido para ela em termos emocionais. "Sentimos medo, porque estamos nervosos, mas nunca nos arrependemos porque sabemos que estamos a lutar pela nossa sobrevivência", defende. Faz eco da abordagem de Sofia Oliveira: "Estamos a tomar este caso como um último recurso para nos protegermos."
Por seu lado, a Global Legal Action Network, a rede de defesa dos jovens, argumenta que "uma vez que as decisões do TEDH influenciam os processos perante os tribunais nacionais na Europa, este acórdão daria aos peticionários que apresentassem futuros processos sobre o clima a nível nacional uma base muito mais forte para argumentar os seus casos". Este facto é importante para Martim Duarte: "Os jovens estão preocupados com o seu futuro e estão prontos para lutar. Sabemos que os processos climáticos já são uma vanguarda nesta luta e, com a crise climática a causar estragos, acreditamos que vão surgir cada vez mais casos em todo o mundo", conclui Duarte, em declarações à National Geographic.
"Tenho esperança que o tribunal compreenda os nossos direitos humanos e decida a favor do nosso caso", confessa André Oliveira, que partilha a perspectiva de Catarina Oliveira. "Esperamos o melhor. Esperamos que os juízes reconheçam a importância do nosso caso e que os governos europeus façam muito mais do que estão a fazer actualmente", conclui Catarina.