É habitual considerar os últimos duzentos anos do Império Romano como uma época de crise e decadência. No entanto, durante este período, a aristocracia atingiu níveis espectaculares de luxo e bem-estar, expressos nas suas residências rurais: as villae. Convertidas em pequenos palácios privados, muitas oferecem uma imagem de exclusividade e sofisticação. Este tipo de propriedade rural multiplicara-se desde os tempos de Augusto. Se nas cidades os magnatas dispunham de domus ou residências urbanas luxuosas, as villae eram as suas propriedades rústicas. Eram as duas faces de um estilo de vida consagrado tanto ao negotium (os negócios, isto é, os assuntos públicos e privados que afectavam a economia da família) como ao otium, o ócio, que se usufruía longe do rebuliço da cidade e das suas obrigações políticas e administrativas. As villae eram o lugar ideal para este retiro, dedicado ao desenvolvimento pessoal e intelectual.

vilas romanas

Dias de ócio

Plínio, o Jovem, um escritor que viveu cem anos depois de Augusto, elogiava da seguinte forma a sua villa costeira de Laurentum, onde “não escuto nada que lamente ter escutado, ninguém vem difamar os outros aos meus ouvidos com os seus discursos malévolos e eu, por outro lado, não censuro ninguém, excepto eu próprio, quando a composição não me sai bem.

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Mosaico de Noheda. Nesta localidade da província de Cuenca, descobriu-se uma villa romana com uma decoração faustosa de mosaicos como a da imagem, recuperada na campanha de 2009.

“Nenhum desejo, nenhum temor me inquieta, nada me perturba; só falo comigo mesmo e com os meus escritos. Que existência tão sã e tão pura! Que ócio tão encantador e cheio de honra, possivelmente mais belo do que qualquer actividade!”, concluía. Esta visão bucólica do campo não deve fazer-nos esquecer que a terra e as villae eram um símbolo de estatuto social e, sobretudo, a base da riqueza das elites imperiais. Talvez por isso as villae dispusessem de duas áreas claramente diferenciadas: uma, a pars urbana, onde residia o proprietário; outra, a pars rustica ou fructuaria, relacionada com os trabalhos agrícolas e destinada a alojar os trabalhadores: camponeses, escravos e jornaleiros.

A parte do senhor

A pars urbana estava organizada em torno de dois pátios ao ar livre: um átrio na zona de entrada e um grande jardim porticado ou peristilo no interior. As restantes divisões distribuíam-se em redor. Assim, existia uma sala de refeições ou triclínio de Inverno localizado em frente do átrio e uma sala de refeições de Verão aberta para o peristilo.

Villas romanas

Uma villa do século I d.c.

Na localidade francesa de Yvelines erguem-se os restos da villa galo-romana de Richebourg. No século I d.C., construiu-se aqui um pátio de cinco mil metros quadrados, ocupado quase na totalidade por um jardim coberto de parreiras e plantado com diversas espécies vegetais, em cujo interior se edificou a residência do proprietário. Em meados do século III, a casa foi abandonada e alguns edifícios construídos com postes de madeira ocuparam o antigo pátio, onde se continuaram a realizar trabalhos agrícolas. No exterior da villa, fora do muro que a rodeia, localizava-se uma zona de culto onde se erguiam quatro pequenos templos.

No maior, descobriu-se uma fossa que continha moedas e fragmentos de algumas estatuetas da deusa Vénus. Desconhecem-se as divindades adoradas neste local.

1. A CASA - A casa do proprietário da villa de Richebourg foi construída com alicerces sólidos. Foram implantados pavilhões com banhos, um luxo para muitos.

2. O JARDIM - Organizado em redor de duas alas, o jardim ocupava a zona entre a residência e a torre-celeiro. De acordo com a análise de pólen, plantaram-se ali coníferas, lilases e talvez oliveiras. Também havia pérgulas.

3. A TORRE-CELEIRO - Em frente da residência, erguia-se um edifício rectangular que os arqueólogos interpretaram como sendo uma torre-celeiro fortificada, destinada a centralizar a recolha de cereal para pagamento de impostos.

4. PÁTIO AGRÍCOLA - Anexo à villa, abria-se um segundo pátio de sete ou oito hectares, onde decorriam actividades pecuárias e agrícolas. Alguns edifícios pequenos seriam o alojamento dos trabalhadores da villa e respectivas famílias.

Estes triclínios ricamente decorados desempenhavam um papel social importante, uma vez que era ali que se celebravam os banquetes – normalmente, jantares – para os quais o proprietário convidava personagens da sua condição social e ostentava a sua riqueza através da comida e dos presentes que oferecia aos convidados. Outra divisão que também dava para o átrio era o tablinum, um escritório onde o proprietário recebia as visitas. Em redor do peristilo, encontravam-se os quartos de dormir, ou cubiculae, sumptuosamente decorados.

Apesar de escondida dos visitantes, uma secção fundamental da pars urbana era a zona da cozinha, onde os criados preparavam todo o tipo de iguarias. Nas imediações, estava também a despensa. Ao lado da cozinha encontravam-se as latrinas, que eram abastecidas com as águas excedentes da cozinha.

Durante os séculos I e II, as villae passaram a integrar os banhos privados, que reproduziam em pequena escala as termas das cidades. Dado que a sua construção e manutenção implicavam um investimento considerável (devido ao combustível, ao abastecimento de água, aos criados), a sua existência confirma o carácter cada vez mais permanente da residência dos proprietários na villa, onde anteriormente passavam apenas algumas temporadas. A partir do século III, os banhos convertem-se em recintos monumentais, com uma decoração extraordinariamente luxuosa que inclui mosaicos nas paredes e no pavimento, esculturas de mármore e fontes ornamentais, o que demonstra que a sua função não era apenas balneária mas também de ostentação de riqueza.

cavernas cátulo

As Cavernas de Cátulo. Assim são conhecidos os restos desta villa romana magnífica na península de Sirmione, no lago de Garda, no Norte de Itália. A tradição atribuiu a sua propriedade ao poeta Catulo (século I a.C.).

Os banhos não foram o único aspecto construtivo que se transformou. A partir do século III e, especialmente, durante os séculos IV e V, toda a pars urbana adquiriu um verdadeiro carácter palaciano. Os grandes proprietários construíram triclínios magníficos e salas decoradas com mosaicos maravilhosos, nas quais surgiam diante dos seus visitantes mergulhados numa cenografia que enfatizava o seu poder social e económico. É o caso da Villa del Casale, na Sicília, ou da Villa de La Olmeda, na província espanhola de Palência. Esta transformação das villae coincide com uma polarização aguda da sociedade romana. Agora estes grandes proprietários são designados por potentiores, o que significa que a sua capacidade política e jurídica é muito superior à do povo simples constituído pelos humiliores.

Villas romanas

Banquetes e diversões. Durante o Alto Império (séculos I e II d.C.), o hábito dos banquetes tornou-se especialmente opulento, raiando mesmo a extravagância em algumas situações. Era o caso dos banquetes organizados pelo imperador Nero na Domus Aurea, a sua luxuosa residência imperial, cuja sala de refeições rodava para espanto dos participantes. Esta sofisticação estendeu-se às villae rurais durante o Baixo Império. Nos seus luxuosos triclínios ou salas de refeição, o proprietário servia aos seus convidados carne, fruta exótica, marisco, bebidas arrefecidas com gelo… Alguns banquetes decorriam no campo, ao jeito de piquenique, mas com louça de prata. Também se usou a authepsa, uma espécie degrande chaleira portátil para servir vinho quente, um requinte da época.

A enorme riqueza destes potentados era proporcional ao controlo de extensas propriedades, os latifúndios, ao contrário do modelo anterior de propriedades médias dispersas. O poeta Ausónio, por exemplo, herdou em finais do século IV, na Gália, uma propriedade com mais de 350 hectares que descreveu como uma “herdade minúscula”, o que dá ideia da magnitude das suas outras posses. A riquíssima Melânia, que faleceu no ano 439 como cristã devota, e o seu não menos rico esposo Piniano, descendentes de famílias senatoriais eminentes, tinham propriedades na Hispânia, na Gália, em Itália, na Sicília e no Norte de África… No ano 410, chegaram a esta última região fugindo dos visigodos, que tinham saqueado Roma, e ofereceram à igreja da cidade de Tagaste uma propriedade imensa que era maior do que a superfície municipal. Só próximo de Roma possuíam 62 aldeias com cerca de 400 escravos cada. As rendas que as suas propriedades proporcionavam eram exorbitantes. Na sua Vida de Melânia, o bispo Gerôncio explica que ela e o seu esposo “enviaram para o serviço dos pobres e dos santos 45 mil libras de ouro”.

Villas romanas

A Villa do Aviário. No Norte de África, os proprietários ricos construíram villae luxuosas como esta em Cartago (Tunísia). O peristilo foi pavimentado com um grande mosaico decorado com flores, fruta, animais e aves.

A vida dos pobres

A transformação das villae a partir do século III reflecte a crise das cidades em todo o império e a ruralização ou mudança para o campo das suas elites.

As classes médias urbanas, sujeitas a exigências fiscais cada vez maiores por parte de um Estado pressionado pelos bárbaros nas suas fronteiras e confrontadas com uma instabilidade económica e social crescente, optaram por colocar-se sob a protecção das nobrezas regionais e locais. Os pequenos proprietários ecolonos (arrendatários de terras) fizeram o mesmo, procurando o amparo destes magnatas. A vida dos habitantes do Baixo Império nestes grandes domínios tinha pouco que ver com os direitos e garantias que um cidadão romano dos séculos I e II possuía. Agora, o senhor gozava de um poder excepcional sobre os membros da villa não apenas porque era o dono das terras, mas também a autoridade mais próxima dos seus habitantes.

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A Villa de Boscoreale. Em 1900, descobriu-se em Boscoreale, próximo da cidade de Pompeia, a villa de Públio Fanio Sinistor construída no século I a.C. Em cima, podemos ver um dos cubículos ou quartos de dormir desta casa, decorado com frescos magníficos.

Na realidade, o Estado delegara nestes grandes proprietários parte da sua capacidade jurídica, de forma que tanto os escravos como os homens livres (jornaleiros e colonos) respondiam perante o senhor por todos os seus deveres e obrigações. O resultado foi uma degradação da situação dos homens livres, resvalando para novas formas de dependência. Alguns textos chamavam aos colonos servi terrae, isto é, “escravos da terra”.

Assim, nas villae do Baixo Império, um luxo arquitectónico avassalador e um consumo elevado de produtos exóticos, como vinho, perfumes ou especiarias orientais (ou as ostras que eram servidas nas villae da Europa Central), conviviam lado a lado com a pobreza extrema de pessoas em situação muito precária, para as quais a diferença entre liberdade e escravatura tinha cada vez menos sentido.

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A villa romana de La Olmeda. Descoberta em 1968 numa propriedade agrícola na localidade de Pedrosa de la Veja, a villa romana de La Olmeda é uma das propriedades rurais romanas maiores e mais bem conservadas de toda a Península Ibérica. Ocupa 4.400 metros quadrados e inclui 35 divisões (26 das quais com magníficos pavimentos de mosaico) e uma ampla zona de termas. La Olmeda estava ladeada por quatro torres de defesa e organizava-se em torno de um jardim rodeado de um pórtico e dispunha de um segundo andar.Todas as divisões têm pavimentos de mosaico com temas geométricos ou vegetais, excepto a sala de recepção decorada com um mosaico figurativo de grandes dimensões. O nome do proprietário da villa, que foi construída entre os séculos IV e V d.C., continua a ser um mistério.

É possível apreciar essa distorção nas pequenas necrópoles rurais, que mostram personagens anónimas subnutridas e com patologias abundantes devido a tarefas duras, nas quais apareceram inclusivamente cadáveres sepultados com grilhetas ou simplesmente atirados para as lixeiras. O pobre e o humilde subsistiam debaixo de formas de servidão cada vez mais opressivas, enquanto os seus proprietários se entregavam aos prazeres da caça, da comida ou da filosofia.