Filho e sucessor de Cosme I, o primeiro grão-duque da Toscana, e de Leonor Álvarez de Toledo, Francisco de Médici não herdou a ambição política e o génio estratégico do pai, nem o talento financeiro e a elegância mãe.

Desde a sua ascensão ao trono, em 1574, que o novo grão-duque preferia a tranquilidade de uma corte afastada do governo, que deixara nas mãos de funcionários para se dedicar aos seus passatempos preferidos: o estudo da arte e das experiências com fórmulas alquímicas e venenos, dos quais era grande conhecedor.

Introvertido e fisicamente débil, Francisco é descrito pelos seus contemporâneos com o adjetivo cupo, que se pode traduzir como “moreno de pele”, mas também como “sombrio” ou “ressentido”. Muitos florentinos atribuíam esses defeitos à sua longa permanência na corte espanhola, onde foi criado no círculo próximo de Carlos V e do seu filho Filipe II, verdadeiros protectores destes novos Médici, coroados por obra e graça dos protectores. Francisco até criou laços de parentesco com os Habsburgo, pois a sua primeira mulher, a arquiduquesa Joana, era filha do imperador Fernando I e prima direita do rei de Castela.

D fernando I

O cardeal Fernando. Após a morte de Francisco I, sucedeu-lhe no trono o seu irmão Fernando. Nascido em 1549, foi ordenado cardeal aos 14 anos e, até ao regresso a Florença, com 38 anos, tomou conta dos negócios da família em Roma, onde foi um assíduo comprador de obras de arte e construiu a Villa Médici. Fernando I. Moeda do Museu Arqueológico de Florença.

Após 13 anos de um casamento infeliz, Joana morreu em Abril de 1578, depois de ter caído, grávida, pela escadaria da Igreja da Anunciação de Florença. O grão-duque já tinha o caminho livre para cativar o seu verdadeiro amor, Bianca Cappello, “a bruxa veneziana”, como lhe chamavam nos boatos e panfletos florentinos.

Um dia de caça

Bruxa ou não, a veneziana atingira finalmente o seu objectivo: transformar-se na segunda mulher oficial de Francisco em 1579, depois de se livrar do obstáculo representado pelo primeiro marido, falecido numa luta de rua alguns anos antes. A sua ascensão imparável mudou os contornos da sua fama e ela foi aclamada até em Veneza, outrora a principal detractora das origens incertas da sua concidadã, pois o governo do doge pensava agora dispor de uma aliada directa para se intrometer nos negócios toscanos.

Em 1587, os ventos sopravam a favor de Bianca, a ponto de um dos seus principais detractores, o cardeal Fernando de Médici, irmão do grão-duque, parecer, finalmente, ter aprovado a sua, até então, odiada cunhada.

Ementa indigesta

A ementa do último jantar de Francisco e Bianca era constituída por vários tipos de massa quente, destacando-se a presença das famosas polpe di capponi, uma espécie de almôndegas de capão, com fama de terem causado algumas mortes no Vaticano. O banquete era complementado por bolos condimentados com ingredientes de sabor e efeitos fortes: gengibre, noz-moscada, pimenta e cravinho. Tudo foi regado com vinhos da região.

Para comemorar a reconciliação, nada melhor do que organizar uma caçada em Poggio a Caiano, desfrutando o campo toscano em pleno Outono e culminando num opíparo banquete digno do harmonioso reencontro familiar.

A casa de Poggio a Caiano era uma das mansões preferidas dos senhores de Florença. Ali, no dia 8 de Outubro de 1587, teve lugar aquela que parecia mais uma das jornadas cinegéticas tão apreciadas pelo grão-duque.

À noite, o casal e os seus convidados reuniram-se para o jantar, que decorreu normalmente até que, quase à hora da sobremesa, Francisco I se sentiu indisposto e decidiu-se retirar-se. A sua consorte não tardaria a fazer o mesmo. Foi o início da agonia dos grão-duques.

Durante os dez dias seguintes, sofreram sucessivos acessos de febre, vómitos e diarreia. O seu estado foi-se agravando.

Segundo as crónicas, os seus gemidos de dor ouviam-se por toda a casa.

Por fim, Francisco e Bianca morreram, um a seguir ao outro, entre os dias 19 e 20 desse mês.

morte dos duques de florença

A villa da família Médici em Poggio a Caiano, representada numa têmpera de 1599. Museu Firenze Com’era, Florença.

À falta de herdeiro directo, o trono da Toscana foi entregue ao cardeal Fernando, irmão do defunto. Este renunciou rapidamente à sua condição eclesiástica para cingir a coroa grã-ducal e começar a governar, missão na qual se revelaria um dos mais eficazes gestores da dinastia dos Médici. Antes disso, porém, Fernando quis dissipar as sombras de culpa que as mortes do irmão e cunhada projectavam sobre ele e mandou realizar uma autópsia a ambos os cadáveres. A conclusão dos médicos foi que o grão-duque e a esposa tinham morrido contagiados com paludismo, doença cujos sintomas se encontram entre os descritos.

Apesar desta autópsia, as suspeitas de envenenamento pairaram sempre sobre o inesperado fim do casal. No entanto, foi apenas em 2006 que ganharam contornos reais, quando o British Medical Journal publicou as conclusões de uma análise toxicológica dos restos mortais do casal de duques.

Vestígios de arsénico

Sabia-se que, depois da autópsia, as vísceras de Francisco de Médici e Bianca Cappello tinham sido extraídas e conservadas separadas dos seus corpos, na Igreja de Santa Maria em Bonistallo, nos arredores de Poggio a Caiano. Em 2004, foram encontradas, depositadas num relicário, o que permitiu que fossem estudadas pelos toxicólogos Francesco Mari, Elisabetta Bertol e Aldo Polettini, e pela historiadora de medicina Donatella Lippi, todos professores da Universidade de Florença.

duques de florença

Crónica dos festejos da boda de Francisco de Médici e Bianca Cappello.

A análise mostrou que o relicário continha fragmentos do fígado de uma mulher e de um homem que apresentavam doses significativas de arsénico. Confrontando as amostras masculinas do relicário com as amostras de DNA recolhidas nas ossadas de Francisco I, concluiu-se que ambas pertenciam à mesma pessoa. Portanto, por gostar de brincar com venenos, ele facilitara o trabalho de um assassino naquela jornada de lazer e apaziguamento fraterno. O enigma fora finalmente resolvido…

Debate inconclusivo

Não obstante, não tardaram a surgir detractores das conclusões da equipa coordenada por Mari. Gino Fornacini, membro do Proyecto Médici, explicou a concentração de arsénico como uma consequência dos métodos de conservação das vísceras usados pelos médicos da época. Fornacini também denunciou o método da obtenção do DNA de Francisco I pelos toxicólogos, que considerava errónea por não levar em conta, entre outras coisas, contaminações do cadáver do grão-duque devidas a manipulações feitas por antropólogos em meados do século XX.

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Assassínios na corte dos Médici. A morte violenta era um método habitual para resolver conflitos nas grandes linhagens italianas do Renascimento e esta prática não era desconhecida dos Médici. Poucos anos antes da morte suspeita de Francisco I, duas mulheres da sua família foram assassinadas e o herdeiro morreu repentinamente aos 5 anos.

Por fim, as análises dos restos de Francisco realizadas nas universidades de Pisa e Turim, em 2009, detectaram a presença de proteínas do parasita Plasmodium falciparum, causador do paludismo, o que, por sua vez, confirmaria a explicação da morte do grão-duque dada pelo seu sucessor.

Independentemente do sucedido, ficou por explorar outra via de investigação: a localização e análise do corpo de Bianca Cappello, enterrado por ordem de Fernando I num lugar ainda desconhecido (especula-se se seria um túmulo misterioso situado na basílica florentina de San Lorenzo), que poderá lançar alguma luz sobre este enigma ainda por esclarecer.