No dia 1 de Junho de 1921, uma multidão avançou sobre Greenwood, um bairro habitado por população negra em Tulsa, no estado de Oklahoma.

Mary E. Jones Parrish agarrou na sua filha pequena e as duas fugiram para salvar a vida. Esquivando-se aos tiros, desceram a correr a Avenida de Greenwood. O céu zumbia com o ruído de aviões civis a largarem bombas improvisadas de aguarrás. Milhares de habitantes negros fugiam à medida que a multidão avançava, saqueando, incendiando casas, igrejas e outros edifícios, e disparando a sangue frio. “Sai já da rua com essa criança ou vão ser as duas mortas!”, berrou alguém. Porém, Mary Parrish não encontrava lugar para se esconder. Achou que seria um “suicídio” permanecer no seu prédio “porque este seria destruído e a morte na rua era preferível, pois esperávamos ser abatidas a qualquer momento”, recordou no seu livro “Events of the Tulsa Disaster”, publicado em 1922, no qual se incluem depoimentos de testemunhas sobre aquilo que viria a ser conhecido como o Massacre Racial de Tulsa de 1921.

“Alguns levavam bebés ao colo ou conduziam pela mão crianças a chorar e a gritar; outros, velhos e fracos, fugiam em busca de segurança”, escreveu a sobrevivente. Mary correu na direcção de Standpipe Hill, o ponto mais alto de Greenwood, mas não se sentiu segura. Viu o êxodo de habitantes negros de Tulsa e colunas de fumo erguendo-se daquilo que fora outrora um próspero bairro comercial. O condutor de um camião chamou-a. Ela e a filha saltaram para o interior.


Ao fim de dois dias de tumultos, cerca de trezentos cidadãos negros tinham sido assassinados e o bairro de Greenwood fora destruído.

O ataque foi um dos piores actos de terrorismo da história dos EUA e fez parte de uma vaga de violência racial cometida pela população branca contra as comunidades negras, durante a Grande Guerra. Segundo alguns historiadores, aquilo que aconteceu em Greenwood foi “um massacre, um pogrom, ou, para utilizar um termo mais moderno, uma limpeza étnica”, assim ficou escrito no relatório da Comissão para os Motins Raciais de Tulsa, de 2001, a primeira investigação feita pelo estado sobre os ataques sangrentos. Demorou 80 anos, uma distância temporal que reflecte a forma como a comunidade branca de Tulsa, no essencial, se eximiu de culpas pelo massacre e o encobriu durante várias gerações.

destruição em Tulsa

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“Para outras pessoas, tratou-se de uma guerra racial”, prosseguiu a comissão. “No entanto, seja qual for a palavra usada, é certo que, quando tudo acabou, o bairro afro-americano de Tulsa fora transformado num campo de terra queimada, com lotes vazios, fachadas de lojas em ruínas, igrejas incendiadas e árvores enegrecidas e desfolhadas.”

Cerca de dez mil pessoas (a quase totalidade da população negra e perto de um décimo do número total de habitantes de Tulsa) ficaram sem abrigo. Alguns dos mais destacados cidadãos de Greenwood abandonaram a cidade depois de serem falsamente acusados de instigação dos motins.

“Além dos bens materiais, perdemos pessoas. Perdemos gerações, não apenas riqueza geracional. Perdemos corpos”, afirma a deputada estadual Regina Goodwin, cujo avô e bisavós sobreviveram ao massacre. “Alguns sonhos ficaram por realizar e, para maior tristeza, alguns sonhos nunca foram sonhados”, acrescenta. “Lembrem-se do poema clássico de Langston Hughes: ‘O que acontece a um sonho adiado?’”

Hoje em dia, com várias gerações de descendentes das famílias negras de Tulsa do princípio do século XX ainda dispersas, o bairro das lojas de Greenwood encontra-se reduzido a um único prédio de apartamentos quase exclusivamente habitado pela população branca. No entanto, a cidade está finalmente a tentar reconciliar-se com o Massacre Racial de Tulsa, uma desgraça que há muito se esforça por esquecer.

Na altura do massacre, Greenwood era uma próspera comunidade negra, num país onde a segregação racial era um tema da vida quotidiana.


Em 1905, a descoberta de petróleo catapultou Tulsa para um crescimento económico explosivo. Multidões acorriam à região em busca de emprego. Cidadãos negros abandonavam as suas terras no Mississípi, no Missouri e no Texas para se instalarem em Greenwood. Alguns chamavam-lhe a terra prometida, uma esplendorosa meca cheia de oportunidades e a possibilidade de construir uma comunidade negra capaz de florescer pelos seus próprios meios.

J. Kavin Ross

Laços profundos unem o jornalista Kavin Ross a Tulsa. O seu bisavô perdeu um bar durante os motins e o pai propôs a legislação que abriu a primeira investigação oficial sobre o massacre no Oklahoma. Há muito que Ross apelava para que a cidade fizesse buscas para encontrar sepulturas em massa.

Em 1908, O.W. Gurley construiu um dos primeiros edifícios de Greenwood, uma hospedaria que alugava quartos à beira de um “trilho lamacento”, segundo a descrição feita no relatório da comissão dos motins, que mais tarde se transformaria na Avenida Greenwood. Mais tarde, “adquiriu 12 a 16 hectares, urbanizou-os em lotes e vendeu-os ‘exclusivamente a negros’.”

Greenwood era impressionante. Nos edifícios de tijolo que ladeavam por completo a rua das lojas, havia “dois teatros, mercearias, confeitarias, restaurantes e salões de bilhar”, escreve Scott Ellsworth em “Death in a Promised Land: The Tulsa Race Riot of 1921”. “Algumas das onze hospedarias e quatro hotéis da Tulsa negra estavam aqui localizados.” Médicos, advogados, agentes de seguros, tipógrafos, banqueiros e outros empresários negros abriram os seus negócios em Greenwood. Mary Parrish descreveu algumas residências como “casas de beleza e esplendor”, embora a maioria das pessoas vivesse de forma bastante modesta.


Em 1921, o bairro de Greenwood, racialmente segregado da comunidade branca de Tulsa pelas Leis de Jim Crow, era um mundo auto-suficiente. Tinha escolas reconhecidas a nível nacional, incluindo a escola primária Dunbar Elementary School e a secundária Booker T. Washington High School, dois jornais negros, o “Tulsa Star” e o “Oklahoma Sun”, um hospital cujos proprietários eram negros e mais de uma dezena de igrejas negras.

“Depois de longos anos de esforços e sacrifícios, as pessoas começavam a olhar para Tulsa como a metrópole negra do Sudoeste”, escreveu Mary Parrish. “Foi então que a devastadora catástrofe se abateu sobre nós, reduzindo a átomos as ideias, os ideais e, não menos importante, a mera evidência material da nossa civilização.”

O massacre surgiu pouco antes do Verão Vermelho, uma época de terror ocorrida em 1919, quando multidões de brancos mataram e lincharam centenas de cidadãos negros em mais de 25 lugares de todo o país.

Bairros prósperos como Greenwood ameaçavam desestabilizar a hierarquia racial que dominara a vida norte-americana durante grande parte dos primeiros 145 anos do país, da mesma forma que os soldados negros regressados da Primeira Guerra Mundial exigiam os mesmos direitos humanos pelos quais tinham combatido no estrangeiro. O Ku Klux Klan reagiu com uma vaga de violência racial. Os cidadãos negros fugiram do Sul, procurando refúgio nas cidades do Oeste e do Norte, onde também prevaleciam “novas e especialmente insidiosas formas de pensamento militante racista branco”, como lhes chamou o historiador Scott Ellsworth.

Tulsa

Quase 100 anos mais tarde, os sobreviventes e descendentes – incluindo Ellouise Cochrane-Price, cujo pai era primo de Dick Rowland, o adolescente acusado – interpuseram uma acção judicial contra a  cidade, exigindo indemnizações.

“Nestes anos, tenho reparado num crescente ódio racial por parte das camadas mais baixas da população branca, ressentida com a prosperidade e a independência dos negros”, disse E.A. Loupe, sobrevivente do massacre de Tulsa, a Mary Parrish. Estas forças “caíram sobre os bons cidadãos com todo o ódio e vingança fermentado durante muitos anos”.

O massacre de Tulsa começou da mesma maneira que muitos dos tumultos do Verão Vermelho: com a acusação de que um homem negro agredira uma mulher branca. No dia 30 de Maio de 1921, Dick Rowland, de 19 anos, entrou no elevador do Edifício Drexel, na baixa de Tulsa. Enquanto subia do primeiro para o terceiro andar, poderá ter dado um encontrão na operadora do elevador, uma jovem de 17 anos chamada Sarah Page, ou pisado o seu pé. Ela guinchou, alguém veio ver o que tinha sucedido e Dick fugiu a correr.

Boatos sobre o incidente alastraram pela comunidade branca de Tulsa, tornando-se “mais exagerados à medida que corriam de boca em boca”, segundo a Sociedade Histórica e Museu de Tulsa.

No dia seguinte, um cabeçalho do “Tulsa Tribune” urrava: “Caça ao Negro que Atacou uma Rapariga num Elevador.” Sarah afirmou que Dick “a atacara, arranhando-lhe as mãos e a cara e rasgando-lhe a roupa”, noticiava o jornal.

Dick Rowland foi detido e levado para o Tribunal da Comarca de Tulsa. Pouco depois, uma multidão cercou o tribunal para o linchar. Um grupo de homens negros armados, muitos dos quais veteranos de guerra, correu de Greenwood até ao tribunal para proteger Rowland. Tencionavam impedir um linchamento.

O xerife rejeitou a ajuda, mas conseguiu evitar que Dick Rowland fosse linchado. As acusações contra ele seriam, mais tarde, retiradas. No entanto, as atenções da multidão tinham mudado de alvo. Um homem branco confrontou um veterano negro armado. Ouviu-se um disparo e a situação descontrolou-se, gerando o caos.

Nessa noite, centenas de brancos, muitos dos quais nomeados ajudantes do xerife pelos funcionários da cidade, marcharam sobre Greenwood. Foram impiedosos. Alguns homens brancos irromperam pela casa de um casal de anciãos negros. “O homem, um paralítico de 80 anos, estava sentado numa cadeira”, segundo uma notícia, publicada dez dias depois por um jornal de Chicago. “Mandaram-no levantar-se e ele disse-lhes que era inválido, mas que o faria se o ajudassem, e eles mandaram a mulher ir-se embora, mas ela não queria deixá-lo. Ele disse-lhe que se fosse embora. Quando ela saiu, um dos cães danados disparou contra o homem e, depois, pegaram fogo à casa.”

Tulsa

A tia-avó de Phoebe Stubblefield perdeu a sua casa durante o ataque. Agora, a antropóloga forense vai ajudar a identificar os restos mortais das vítimas encontradas nas sepulturas em massa.

George Monroe, então com 5 anos, lembrava-se de se ter escondido com as irmãs mais velhas e com um irmão debaixo da cama dos pais. Monroe viu os homens saquearem o quarto e pegarem fogo às cortinas. “Enquanto estava escondido, um dos tipos pisou-me um dedo da mão e eu quase gritei, mas a minha irmã pôs-me a mão sobre a boca para que não me ouvissem.”

A brutalidade da multidão tornou-se evidente em todo o bairro de Greenwood. “Eu estava na baixa com um amigo quando mataram aquele velhote simpático de cor, que era cego”, contou um sobrevivente do massacre à comissão. “Tinha as pernas amputadas. Junto das ancas, o corpo estava amarrado a uma pequena plataforma de madeira com rodas. O coto de uma das pernas era maior do que o da outra e saía do rebordo da plataforma, arrastando ao longo da rua. Deslocava-se de um lado para o outro usando as mãos, protegendo-as com luvas de basebol. Ganhava a vida vendendo lápis aos transeuntes ou aceitando donativos pelas músicas que cantava.”

A multidão atou-lhe uma corda à volta do pescoço e arrastou-o pelas ruas de Greenwood, puxando-o com um automóvel.

A.C. Jackson, a quem um dos fundadores da Clínica Mayo chamou “o mais capaz dos cirurgiões negros da América”, tentou desmobilizar a multidão. Quando um grupo de amotinados se amontoou no relvado da sua casa, ele saiu para a rua com as mãos no ar e disse: “Estou aqui, rapazes. Não disparem.” Dispararam de qualquer maneira contra o respeitável médico, que morreu esvaindo-se em sangue. O Hospital Frissell Memorial, único hospital na cidade que prestava assistência a negros, já fora transformado em brasas pelo fogo.

Homens brancos de uniforme “transportaram latas com petróleo até à Pequena África”, o nome posto a Greenwood pela população branca. “Depois de saquearem as casas, pegaram-lhes fogo”, escreveu Walter White, um investigador da NAACP que se deslocou a Tulsa pouco depois do massacre. Este homem negro cuja cor de pele clara lhe permitia passar por branco enquanto entrevistava testemunhas de linchamentos e homicídios por todo o país, ficou chocado com a informação recolhida em Tulsa. “Foram-me contadas muitas histórias de terror: não por pessoas de cor, mas por moradores brancos”, escreveu White numa reportagem publicada na revista “Nation” em 1921.

Tulsa foi, provavelmente, a primeira cidade norte-americana alvo de bombardeamentos aéreos. Pilotos brancos locais descolaram nos seus aviões armados com dispositivos incendiários. “Da janela do meu escritório, eu conseguia ver os aviões a sobrevoarem em círculos”, relatou o advogado B.C. Franklin num depoimento dactilografado. “Na Baixa, na [Rua] East Archer, vi o velho Hotel Mid-Way em chamas, ardendo de cima para baixo, e assim sucessivamente, vários edifícios a arderem a partir do telhado. ‘O quê, também há ataques a partir do ar?’, perguntei.”

Viu então três homens a correr na Avenida de Greenwood. “Os três homens (um dos quais carregando uma mala pesada ao ombro) foram mortos enquanto atravessavam a rua. Assassinados mesmo à minha frente.”

Enquanto a noite caía sobre os horrores do dia 31 de Maio, alguns cidadãos esconderam-se, rezando para que o pior da violência tivesse terminado. Mas o pior ainda estava para vir.

“Na noite de terça-feira, 31 de Maio, aconteceu o motim”, contou mais tarde uma testemunha a Mary Parrish. “Na manhã de quarta-feira, ao nascer do Sol, deu-se a invasão.” A multidão retrocedera apenas para recuperar forças. Cerca de dez mil pessoas aglomeraram-se nos arredores de Greenwood. Uma metralhadora foi montada no alto de um silo de cereais.

Exactamente às 5h08 dessa manhã, um silvo penetrante rasgou o silêncio da manhã. “Soltando urros selvagens e frenéticos”, recordou mais tarde uma testemunha, “começaram a emergir homens da estação ferroviária de mercadorias e da longa fila de vagões e, evidentemente, de trás das pilhas de poços de petróleo.”

Os amotinados brancos atearam fogo “casa a casa, quarteirão a quarteirão”, enquanto caminhavam ao longo de Greenwood. Incendiaram “uma dúzia de igrejas, cinco hotéis, 31 restaurantes, quatro drogarias, oito consultórios médicos, mais de duas dúzias de mercearias e a biblioteca pública da comunidade negra. Mais de um milhar de casas foram queimadas e os fogos tornaram-se de tal maneira quentes que as árvores e edifícios externos da vizinhança também irromperam em chamas.” A multidão impediu que os bombeiros da cidade apagassem os fogos.

Tulsa

Brandi Ishem, finalista do ensino secundário, posa diante de um mural   comemorativo da Wall Street Negra, nome pelo qual o bairro de Greenwood se tornou conhecido. Pintada em 2018, a obra decora um muro de retenção da estrada que actualmente atravessa Greenwood, dividindo o bairro em dois. O mural tornou-se um local popular para retratos de finalistas.

Nesse dia, os cidadãos negros perderam bens no valor de milhões de dólares. Os prejuízos de Gurley, um dos fundadores da comunidade, elevaram-se a 157.783 dólares, segundo o relatório da Comissão do Massacre Racial de Tulsa. O valor actual dos seus bens destruídos (acrescido de um juro anual de 6%) cifrar-se-ia em 53,5 milhões de dólares – uma potencial fortuna perdida.

No rescaldo do massacre, o cheiro a morte pairava na cidade. O governador recrutou unidades da Guarda Nacional exteriores para garantirem a paz. As unidades locais tinham-se associado à multidão destruidora. Em vez de protegerem os moradores de Greenwood, tinham-nos detido em campos de internamento no salão de congressos da cidade, no campo de basebol e nos terrenos da feira. Os cidadãos negros de Tulsa foram mantidos sob vigilância armada, “não podendo partir sem a permissão dos seus empregadores brancos”, segundo um relatório do massacre feito em 2020 pela Human Rights Watch. “Quando finalmente conseguiram partir, foi-lhes exigido que usassem cartões de identificação verdes ao peito.”

Enquanto se encontravam sob detenção, as multidões assaltaram-lhes as casas e enterraram os corpos das vítimas. Sobreviventes negros recordaram posteriormente terem visto cidadãos negros despejados em massa dentro de valas comuns, atirados para cima de camiões ou para as águas do rio Arkansas. “Eu vi dois camiões carregados de corpos”, contou um sobrevivente à comissão dos motins. “Viam-se negros com as pernas e os braços espetados para fora das tábuas da caixa do camião. Em cima deles, vi um rapazinho mais ou menos da minha idade. Pela sua cara, parecia que tinha morrido de medo.”

Nunca foi detido qualquer cidadão branco por participação no massacre.

Durante quase 80 anos, a cidade de Tulsa viveu mergulhada no silêncio quanto aos acontecimentos desse dia. Os sobreviventes negros que regressaram, para a reconstrução, nada disseram. Os líderes da cidade encobriram-no. Nos arquivos da Universidade de Tulsa, alguém se serviu de uma navalha para cortar todos os artigos publicados em revistas sobre o assunto. O artigo do “Tulsa Tribune” afirmando que Rowland agredira Page foi arrancado do jornal, bem como o editorial “Linchar Negros Esta Noite”.

E contudo, a história do massacre não podia ser apagada, afirma Regina Goodwin, a deputada estadual. “As almas permanecem e nós honramo-las, mas estas foram gerações que poderiam ter nascido e nós não as temos. Aquelas pessoas foram massacradas, assassinadas, queimadas e abatidas a tiro. Eram pessoas. Perdemos papás, mamãs e bebés. Eles foram assassinados, houve fogo-posto e nunca ninguém foi acusado. Não houve sequer uma condenação e ninguém foi responsabilizado. E nós nunca nos esqueceremos.”

Em 1997, 76 anos depois do massacre, o estado de Oklahoma abriu uma investigação sobre os acontecimentos. Don Ross, deputado ao parlamento estadual cujo avô sobrevivera à violência, redigiu um despacho que instituiu a Comissão sobre os Motins Raciais de Tulsa, em resposta a um repórter local que classificara um atentado à bomba em 1995 como a mais grave ocorrência de agitação civil desde a Guerra da Secessão. “O meu pai ripostou ao repórter: ‘Não, a pior ocorrência registou-se a uma hora de distância do Capitólio, em Greenwood’”, contou J. Kavin Ross, filho de Don Ross. “Foi isso que deu origem à reportagem.”

Kavin Ross, um jornalista de Tulsa, colaborou com a comissão, entrevistando e gravando em vídeo os depoimentos de mais de 75 sobreviventes. Foi pavoroso “ouvi-los contar as suas histórias, do ponto de vista de crianças. Muitos tinham 5, 9, 10 anos e alguns eram adolescentes”, disse. “Era algo que ficara retido na sua mente durante todo aquele tempo. Diziam: ‘Lembrei-me de outra coisa. Volte cá e entreviste-me outra vez.’”

Em 1998, uma equipa dirigida por Scott Ellsworth, cujo novo livro “The Ground Breaking: An American City and Its Search for Justice” relatou o encobrimento e a investigação do massacre, identificou três locais onde poderiam existir sepulturas em massa: Newblock Park, o Cemitério Booker T. Washington e o Cemitério Oaklawn. O testemunho ocular de Clyde Eddy, um cidadão branco de Tulsa, alargou as buscas em Oaklawn. “Eu e um primo meu íamos a passar pelo velho cemitério de Oaklawn”, contou Eddy à comissão em 1999. “Vimos um grupo de homens a trabalhar, escavando uma vala, e depois vimos um monte de caixas de madeira em cima de terra. Fomos lá e demos uma espreitadela. Caminhámos até à primeira caixa e estavam lá dentro os corpos de três negros. A caixa seguinte era muito maior e havia lá dentro, pelo menos, quatro corpos.” Uma equipa examinou o local descrito por Eddy, descobrindo uma anomalia com “todas as características de uma vala escavada, ou trincheira, com paredes verticais e um objecto indefinido no meio do centro aproximado”. Contudo, a zona estava reservada para enterramentos de brancos em 1921.

A comissão decidiu não autorizar uma busca física e a presidente da câmara municipal de Tulsa na altura encerrou a investigação antes que os cientistas pudessem escavar, afirmando que não queria perturbar as sepulturas vizinhas.

As buscas pareciam ter terminado. No entanto, em 2018, publiquei um artigo que foi publicado na primeira página do “The Washington Post” no qual questionava o encerramento das investigações. Eu viajara até Tulsa para visitar o meu pai e reparei que a urbanização estava a transformar Greenwood num bairro chique, um lugar considerado solo sagrado do massacre pelos descendentes dos sobreviventes. Poucos dias depois da publicação do artigo, o presidente da câmara municipal da cidade, G.T. Bynum, anunciou a reabertura das investigações para se procurarem as sepulturas em massa.

“Se houver sepulturas colectivas em Tulsa, deveremos encontrá-las”, disse-me o autarca. “Se alguém for assassinado em Tulsa, nós temos um contrato com os cidadãos garantindo que tudo faremos para descobrir o que aconteceu e fazer justiça. É por isso que estamos a tratar este caso como um inquérito de homicídio de habitantes.”

Este político do Partido Republicano reconheceu que a cidade encobrira o massacre durante quase um século, mas, como presidente da câmara municipal, prometeu apurar a verdade. “Para mim, é mais importante estar do lado certo da história”, afirmou.

Mesmo assim, continua a sofrer pressões vindas de todos os lados. Alguns cidadãos brancos fizeram-lhe frente, dizendo que deveria deixar o passado enterrado. Entretanto, os moradores negros descendentes de sobreviventes continuam a exigir uma busca exaustiva de sepulturas em massa, bem como indemnizações pela riqueza que foi destruída.

Em 2019, a cidade constituiu uma comissão formada por descendentes, investigadores e activistas comunitários. A seu pedido, um grupo de peritos recorreu ao radar de penetração no solo para procurar provas de anomalias nos locais identificados em 1999.

Sob direcção do Oklahoma Archeological Survey, a equipa realizou buscas no cemitério de Oaklawn e em Newblock Park, ao mesmo tempo que a cidade negociava o acesso a um terceiro local, o terreno de propriedade privada Rolling Oaks Memorial Gardens, outrora chamado Cemitério de Booker T. Washington. No dia 16 de Dezembro de 2019, os cientistas anunciaram a descoberta de anomalias sob o solo de Oaklawn e numa zona chamada The Canes, actualmente um acampamento de pessoas sem-abrigo, perto do local onde a auto-estrada I-244 atravessa o rio Arkansas.

O cemitério de Oaklawn, o mais antigo lugar público de enterramento actualmente existente em Tulsa, localiza-se a poucos quarteirões de distância de Greenwood. Na sua entrada, ainda há um mapa a mostrar a linha que divide o talhão dos “brancos” do talhão dos “de cor”.

Em Julho de 2020, os cientistas escavaram numa zona para pessoas “de cor”. Passados oito dias de escavações, os cientistas ainda não tinham encontrado sepulturas em massa. A cidade decidiu alargar a busca. Três meses depois, no dia 19 de Outubro de 2020, começou uma segunda escavação, numa área onde se suspeitava que tivessem sido enterrados 18 cidadãos negros em 1921. Dois dias mais tarde, os cientistas encontraram os restos de uma trincheira sob uma árvore, junto das lápides de Reuben Everett e Eddie Lockard, as únicas sepulturas de vítimas conhecidas do massacre assinaladas no cemitério. A vala continha um mínimo de 11 caixões.

“Isto é uma sepultura em massa”, comunicou a arqueóloga estadual Kary Stackelbeck aos jornalistas, numa conferência de imprensa em Tulsa. No entanto, acrescentou que seriam necessárias mais investigações para apurar se os corpos pertenciam a vítimas do massacre.

Indícios de lesões traumáticas, ferimentos causados por armas de fogo ou queimaduras poderiam associar as ossadas ao massacre, afirma Phoebe Stubblefield, a antropóloga forense responsável pelo exame dos restos mortais. No entanto, Phoebe Stubblefield, cujos antepassados sobreviveram à violência, afirma que, antes de poder fazê-lo, precisa de obter permissão de um juiz para proceder à exumação dos restos mortais.

O local de enterramento poderá conter muitos mais caixões, depositados uns sobre os outros. “Poderá haver mais de 30 pessoas enterradas nesta sepultura em massa”, diz. Foram talhados degraus no solo duro, “presumivelmente para se poder entrar e sair do poço de sepultamento”, diz. É improvável que quem escavou a sepultura se tivesse dado a tanto trabalho só para enterrar meia dúzia de pessoas.

Todas as quartas-feiras, antes dos estudos bíblicos, o reverendo Robert Turner, pastor da Igreja Metodista Episcopal Africana Vernon caminha até à Câmara Municipal para protestar contra o massacre e exigir indemnizações.

“Pessoas negras foram assassinadas nesta cidade, abatidas por terrorismo racial de massas”, grita. “Vidas inocentes foram ceifadas. Bebés queimados. Mulheres queimadas. Mães queimadas. Avós queimadas. Avôs queimados. Maridos queimados. Casas queimadas. Escolas queimadas. Hospitais queimados. O nosso santuário queimado. O sangue dos que foram assassinados em Tulsa ainda clama em alta voz.”

Quando recebeu as notícias do achado, porém, Turner deixou-se cair em silêncio sobre os joelhos, junto da vedação de ferro forjado do cemitério, e rezou.

Kristi Williams também foi ao cemitério. A sepultura em massa fora descoberta no local onde ela e outros activistas negros haviam encenado uma “morte colectiva” em 2019, para chamarem a atenção para as vítimas do massacre. Na companhia de doze pessoas, Kristi deitara-se sobre a relva perto das duas lápides marcadas como pertencendo a vítimas conhecidas dos motins. De súbito, dois dos activistas deram um salto.

“Sentiram algo a puxá-los para baixo, vindo da terra”, contou Kristi. “Achámos que estavam a armar-se em parvos. Mas quando recebemos a notícia de que tinham descoberto uma sepultura em massa no local, de repente fez-se luz. Os nossos antepassados estavam a chamar por nós e era ali que se encontravam.”

No limite do cemitério, Kristi Williams verteu uma libação de água e rezou: “Antepassados, obrigada por chamarem por nós. Rezo para que sejamos capazes de vos ligar a todos às vossas famílias e que nos ajudeis neste processo para que se faça justiça. Tenho tanta pena que isto vos tenha acontecido.”