O Século de Ouro holandês é um termo que se utiliza para definir o período histórico durante o qual os Países Baixos se transformaram numa grande potência europeia. Foi nessa altura que o comércio, a ciência e a cultura floresceram. Foi também nessa altura que a pintura barroca flamenga conheceu o seu auge, sobretudo a partir de 1585, quando os Países Baixos espanhóis sofreram a secessão das províncias do norte, até aproximadamente 1700, quando a autoridade dos Habsburgo no território chegou ao fim após a morte do rei Carlos II.

“O fumador”. Quadro pintado pelo artista flamenco Joos van Craesbeeck no ano 1635.

“O fumador”. Quadro pintado pelo artista flamenco Joos van Craesbeeck no ano 1635. Museu do Louvre, Paris.

Grandes artistas como Rembrandt ou Johannes van der Beeck são alguns dos seus mais conhecidos representantes. No entanto, devemos-lhes – e a muitos outros pintores – a criação de um estilo pictórico característico e peculiar, único no seu género, que surgiu exactamente nesse período, caracterizado pela representação de personagens, na maioria dos casos anónimas, com uma gestualidade e expressão facial extremamente exageradas.

 

Tronie é um galicismo do termo do holandês que se falava entre os séculos XIII e XVI e que se referia ao rosto de uma pessoa.

Estes retratos, conhecidos como tronies, não pretendiam ser retratos propriamente ditos. Na verdade, tencionavam ser estudos de expressão, algo que se fazia notar no aspecto fisionómico de figuras que o artista considerava terem uma personalidade interessante ou peculiar, ou que eram muito “retratáveis”, como no caso de um ancião, uma mulher jovem, um soldado ou uma pessoa pertencente a outra raça.

OS PINTORES DE ROSTOS

O termo tronie não tem uma definição muito exacta. Na verdade, tronie é um galicismo que vem de trogne, uma palavra do holandês antigo (predecessor do idioma actual), que se falava entre os séculos XIII e XVI, e se referia ao rosto de uma pessoa. Na verdade, este tipo de arte não é exactamente um retrato, uma vez que o seu objectivo não era reproduzir o rosto de uma personagem.

Menino com capa e turbante. Obra de Jan Lievens. 1631. Leiden Collection.

Menino com capa e turbante. Obra de Jan Lievens. 1631. Leiden Collection.

 

Com efeito, os tronies era uma espécie de ensaios artísticos realizados para captar efeitos luminosos, chiaroscuros, tons cromáticos... mas sobretudo gestos forçados. Neste tipo de obras, o artista, numa demonstração de mestria, mostrava a sua capacidade de reflectir conceitos abstractos como a força, a sabedoria, a loucura e até a piedade através das caretas e expressões histriónicas dos protagonistas das suas obras. Este tipo de representações mostrava, frequentemente, apenas a cabeça da personagem, embora, em casos excepcionais, o artista pudesse pintar um busto ou um corpo inteiro.

PERSONAGENS CURIOSAS DA SOCIEDADE

Na verdade, os tronies também podem ser considerados esboços de quadros de maior dimensão, uma vez que as suas pinceladas são menos precisas – muito semelhantes às realizadas pelos pintores impressionistas posteriores. Quanto à sua temática, é, frequentemente, de cariz histórico, mas também havia artistas especializados em mostrar algumas características concretas.

Por exemplo, o artista flamengo Frans Floris de Vriendt já era conhecido no século XVI pelas suas pinturas de cabeças, como Retrato de uma mulher de 35 anos ou Retrato de um homem de 48 anos. Com efeito, os típicos quadros de cabeças pintados por Floris acabaram por se transformar num selo de identidade do artista a partir do ano 1562 e muitas das suas obras vieram a ser reconhecidas pelos especialistas como obras de arte por direito próprio.

Estudo da cabeça de uma mulher. Frans Floris.1555. Museu de História de Arte, Viena.

Estudo da cabeça de uma mulher. Frans Floris.1555. Museu de História de Arte, Viena.

Não obstante e como já referimos, outra das características deste tipo de arte era o historicismo que consistia em vestir as personagens com trajes não apropriados para a sua época, vestimentas de cortes exóticos ou representando personagens mitológicas ou bíblicas. Algumas peças transcenderam o seu objectivo principal, tornando-se curiosas obras de arte, como O fumador, de Joos van Craesbeeck, ou O bebedor alegre, de Frans Hals.

Os típicos quadros de cabeças pintados por Floris acabaram por se transformar num selo de identidade do artista em 1562.

ARTE INDEPENDENTE

No século XVII, o tronie tornou-se uma forma de arte independente em muitas cidades holandesas, como Leiden e Haarlem, sobretudo a partir da década de 1620. O pintor Jan Lievens, por exemplo, responsável pela produção de tronies na cidade de Leiden, limitou as suas representações apenas à cabeça ou ao busto da personagem, inspirando-se em mestres do calibre de Rubens e Van Dyck.

O bebedor alegre. Quadro pintado pelo artista holandês Frans Hals em año 1628. Rijksmuseum, Amsterdão.

O bebedor alegre. Quadro pintado pelo artista holandês Frans Hals em año 1628. Rijksmuseum, Amsterdão.

 Um golo amargo. Quadro do artista flamengo Adriaen Brower. 1636. Städelsches Kunstinstitut und Städtische Galerie, Frakfurt.

Um golo amargo. Quadro do artista flamengo Adriaen Brower. 1636. Städelsches Kunstinstitut und Städtische Galerie, Frakfurt.

A concepção do tronie como parte de uma obra muito mais vasta deve-se ao previamente mencionado pintor holandês Frans Hals, de Haarlem, cuja obra mais conhecida é A CiganaContudo, ele não foi o único a dedicar-se a este género na cidade. Outros artistas de Haarlem que se dedicaram sobretudo ao tronie incluem Pieter de Grebber, Adriaen van Ostade e Franchoys Elaut.

No século XVII, o tronie tornou-se uma forma de arte independente em muitas cidades da Holanda.

Na segunda metade do século XVII, a pintura de tronies entrara em decadência e o artista Michael Sweerts foi responsável por uma certa reanimação deste estilo. Pensa-se que tenha influenciado as obras de artistas como David Teniers, O Jovem, ou próprio Johannes Vermeer. A obra do famoso artista de Delft não se destaca pelos seus diversos tronies, embora aquela que é, possivelmente, a sua obra mais emblemática o seja: A rapariga com brinco de pérola.