Os soutiens contemporâneos contribuem para alimentar para um mercado de lingerie avaliado em 88.000 milhões de dólares anuais em vendas só nos EUA. No entanto, embora as versões actuais possam ser feitas de tecidos inovadores e proporcionar um suporte especialmente projectado para esse efeito, erguem-se sobre os ombros de antepassados surpreendentemente antigos. Desde placas peitorais a ícones ferozes, saiba como os precursores do soutien evoluíram – e a razão pela qual o soutien moderno tem resistido ao teste do tempo.
Na era pré-soutiens
Embora não se saiba ao certo quando foi inventado o primeiro dos diversos precursores do soutien, os historiadores encontraram referências a peças semelhantes a soutiens em obras gregas antigas como a Ilíada de Homero, que descreve a deusa Afrodite a remover uma “faixa curiosamente bordada” do peito e na Lisístrata, de Aristófanes, onde uma mulher, que está a castigar o marido não fazendo sexo com ele, o provoca dizendo-lhe que vai despir o strophion.
A historiadora Mireille Lee escreveu que, embora o strophion tivesse conotações sexuais e de género, é difícil determinar aquilo que as antigas vestiam sob as suas roupas – se é que vestiam alguma coisa – pois existe apenas uma reprodução artística da época que mostra uma mulher com um strophion sob a roupa.
Noutro exemplo, arqueólogos que escavavam na Villa del Casale, na Sicília, descobriram um mosaico do século IV d.C. mostrando mulheres romanas atléticas cujos seios estavam envoltos numa vestimenta que os académicos pensam poder ser um amictorium, uma peça em tecido cuja semelhança a um biquíni fez com que as mulheres do mural se tornassem conhecidas como “Mulheres de Biquíni”. Outra cobertura para o peito romana, a mamillare, era feita a partir de um cabedal mais resistente. No entanto, como o classicista Jan Radicke escreveu, embora as mulheres romanas parecessem ter “diversas opções para cobrirem e darem forma aos seus seios… não temos provas suficientes para chegar a uma conclusão” quanto ao aspecto da vestimenta ou se seria uma peça decorativa, sexual ou simplesmente para dar suporte ao peito.
INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA, UNIVERSIDADE DE INNSBRUCK
A descoberta de “soutiens” do século XV no Castelo de Lengberg, na Áustria, em 2008, como o que se vê na imagem acima, surpreendeu os historiadores especializados em vestuário, que pensavam que o desenvolvimento das copas dos soutiens era uma inovação do século XIX.
Sacos medievais
Em 2008, arqueólogos descobriram quatro soutiens de pano num baú com artigos do século XV no Castelo de Lengberg, na Áustria. As vestimentas, que se assemelhavam bastante a soutiens contemporâneos, podem ser a prova dos primeiros “sacos para o peito” referidos por alguns autores medievais. Na altura, explicam-nos as historiadoras especialistas em têxteis Rachel Case, Marion McNealy e Beatrix Nutz, os seios grandes não estavam na moda e as mulheres utilizavam vestimentas de suporte para reduzirem o seu tamanho e o falatório sobre os seus corpos. Os “sacos para o peito” com 600 anos descobertos no Castelo de Lengberg tinham copas como os soutiens contemporâneos e, nas palavras das historiadoras, “são obras-primas que usam o fio do tecido” para moldar e proporcionar suporte ao peito. A descoberta fez furor entre os historiadores do vestuário, sendo uma prova de que os soutiens com copas – que se pensava terem surgido no século XIX – foram inventados mais cedo do que se pensava.
A criação de soutien contemporâneo
O soutien tal como o conhecemos surgiu quando os inventores e os reformadores do vestuário propuseram novas formas de moldar e suportar o peito. No entanto, as opiniões sobre o inventor do soutien contemporâneo variam. Terá sido Herminie Cadolle, a retalhista francesa da década de 1880 que cortou um espartilho ao meio e o vendeu como um “soutien-gorge” (suporte para a garganta)? Olivia Flynt, a modista cujo substituto de espartilho “cintura Flynt” foi registado como patente nos EUA em 1873? Ou talvez Caresse Crosby, que, em 1914, registou a patente de um “corslette” que proporcionava suporte para as peças de roupa transparentes e sem costas da época? (Crosby venderia mais tarde a patente à Warner Brothers Corset Company, cuja marca de soutiens ainda hoje existe.)
Na década de 1930, o soutien estava a substituir o espartilho. Foi nessa década que a indústria da lingerie introduziu os tamanhos de copa e as alças ajustáveis naquela peça de roupa cada vez mais essencial. Em 1968, os soutiens modeladores eram tão omnipresentes e estavam de tal forma associados às normas de sexualidade e beleza feminina que as feministas que protestavam contra o concurso Miss América em Atlantic City atiraram-nos para caixotes do lixo. (Embora estigmatizadas como “queimadoras de soutiens” pela cultura popular, as manifestantes nunca queimaram os seus soutiens: “pensámos em queimar [uma lata de lixo cheia de soutiens no passeio de Atlantic City]”, disse Carol Hanisch, a organizadora da manifestação, à NPR em 2008, “mas a polícia… não nos deixou queimar nada.”)
Existem ainda os soutiens de desporto. Antes da sua criação, escreve a historiadora especialista em roupa desportiva Jaime Schultz, muitas mulheres usavam soutiens normais ou atavam o peito com faixas semelhantes às das “Mulheres de Biquíni” da Roma Antiga. Na década de 1970, duas corredoras inspiraram-se na protecção para os testículos utilizada pelos homens para fazer o Jockbra, que é actualmente considerado o primeiro soutien desportivo da época contemporânea.
No entanto, seria apenas em 1999 que os soutiens de desporto se tornariam comummente aceites como peças de vestuário por conta própria graças a Brandi Chastain, a famosa futebolista dos EUA que despiu a sua camisola ao vencer o campeonato do mundo, celebrando no relvado vestida apenas com o seu soutien desportivo – algo a que Schultz chamou “a saída do armário” desta peça.
A pandemia provocou outra mudança, levando muitas pessoas a não usarem soutien ou a adoptarem bralettes com menos suporte e soutiens desportivos em vez dos soutiens decotados, push-up ou soutiens especiais para vestir com t-shirts popularizados nos últimos anos. Porém, desde faixas a sacos para o peito, entre tantos outros, a inovação dos soutiens continua. Um exemplo: em 2022 o Exército dos EUA apresentou protótipos do seu Army Tactical Bra, um soutien à prova de bala, que será um dia incorporado nos uniformes militares – prova de que há sempre espaço para melhorar a forma como levantamos, posicionamos e envolvemos o peito feminino.