Todos os autarcas, empreiteiros e arqueólogos sabem que de cada vez que uma obra obriga à mobilização do solo da zona baixa da cidade de Lisboa surgirão inevitavelmente achados arqueológicos.

Na viragem para este milénio, a construção de um parque de estacionamento na Praça da Figueira não foi excepção. Em zonas nevrálgicas da cidade, a compatibilização da celeridade da obra com o respeito pelos achados obriga frequentemente a intervenções de emergência que não permitem o estudo imediato dos materiais.

Em 2009, quando a antropóloga Francisca Alves Cardoso procurava no acervo daquela escavação uma série osteológica para montar um curso de Verão reconhecia que era provável, estando o material associado ao antigo Hospital Real de Todos os Santos, a descoberta de elementos interessantes na área da paleopatologia. “Havia a expectativa de descobrir casos de lepra, tuberculose ou sífilis”, diz. Entre quatro esqueletos enterrados na mesma sepultura aproximadamente à época do terramoto de 1755 jazia uma jovem mulher.

Da análise antropológica dos seus restos mortais, conduzida no LABOH (Laboratório de Antropologia Biológica e Osteologia Humana) localizado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, viria a ficar evidente que as alterações ósseas (especialmente visíveis nos contornos irregulares do fémur e da tíbia, ossos das pernas) se ficavam a dever à sífilis.

Apesar de existir à época um cemitério específico para o Hospital Real, talvez posicionado num quarteirão adjacente, esta mulher foi sepultada num espaço que correspondia a um corredor de circulação do hospital, desactivado durante as reformas desenvolvidas por Dom João V.

Espera-se que o estudo biomolecular a decorrer na Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madrid e possibilitado pelo material genético extraído de um dente, trará em breve novas pistas a este caso, um dos mais antigos documentados com esta doença em Portugal.