Veneno, inveja, homicídio, ambição. Assassinos da Lua das Flores, o mais recente filme de Martin Scorsese, conta uma história aparentemente feita para Hollywood – o relato de como colonos brancos recorreram a meios fatais para tomar posse da riqueza do povo Osage no início do século XX. Mas o filme, baseado no romance best-seller homónimo de David Grann, publicado em 2017, não se cinge à ficção.
Originada por políticas federais muito verídicas e mal orientadas e alimentada por um desejo exacerbado dos colonos brancos de lucrarem com as terras ricas dos nativos americanos, a ganância local levou à morte de, no mínimo, 60 pessoas Osage abastadas – e, possivelmente, muitas mais. Segue-se o que aconteceu, por que alguns crimes continuam por resolver e como estiveram na origem de forma como a lei é aplicada nos EUA.
A riqueza dos Osage
A Nação Osage tornou-se riquíssima após a descoberta de petróleo sob a sua reserva na década de 1890. Com um rendimento anual equivalente a cerca de 400 milhões de dólares na actualidade durante a década de 1920, o petróleo mudou o quotidiano dos Osage e transformou-os naquela que foi, então, considerada a nação mais rica do mundo.
Na altura, as mentalidades prevalecentes consideravam os nativos americanos ingénuos, primitivos e necessitados de supervisão branca, não fossem esbanjar a sua riqueza. Historicamente, o governo também considerava as tribos índias "nações" dependentes que precisavam de protecção federal: promovendo leis concebidas para “proteger” e não empoderar, os povos nativos.
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Campos de petróleo na comunidade Osage, c. 1918-1919.
Frequentemente, estas leis não protegiam os interesses nativos – sendo antes formas de os colonos brancos apreenderem e controlarem os povos nativos e as suas terras ancestrais. Em 1887, por exemplo, a Dawes Act dividiu terras tribais e entregou-as a famílias nativas com pretensões tribais dispostas a submeterem-se a assimilação cultural. No entanto, a lei também permitiu a venda terras “excedentárias” a colonos brancos, diminuindo dramaticamente a quantidade de terras na posse das nações nativas.
A Nação Osage contornou este sistema de “loteamento” porque comprou 600 milhões de hectares de terras no Oklahoma ao governo federal quando foi expulsa das suas terras ancestrais no Kansas em 1872, dando todas as terras aos seus membros: cada um recebeu 265 hectares.
A nação em si detinha os direitos minerais das terras, atribuindo a cada membro o “direito hereditário” a partilhar a riqueza mineral da nação. À medida que o petróleo rendia cada vez mais dinheiro, cada Osage tinha direito a mais riqueza – atraindo o interesse e, mais tarde, a interferência dos habitantes não-Osage do estado do Oklahoma.
A riqueza recente do povo Osage levou a que a forma como cada indivíduo geria o seu dinheiro fosse alvo de escrutínio e as notícias publicadas pelos jornais sobre carros com motorista, mansões e roupas elegantes incomodaram aqueles que pensavam que os Osage deveriam gastar o seu dinheiro de forma mais sensata. Em 1908, reagindo a um grito de protesto sobre a suposta incapacidade da Nação Osage para gerir o seu dinheiro, o Congresso atribuiu aos tribunais de sucessões dos condados do Oklahoma a jurisdição das terras detidas por nativos americanos que fossem considerados “menores e incompetentes” por um juiz. Se uma pessoa fosse considerada incompetente, o Tribunal de Sucessões nomeava um guardião branco para supervisionar as suas finanças – e arrendar ou vender as suas terras.
Em 1921, o Congresso deu um passo mais comprido, especificando que qualquer pessoa com sangue Osage menor de 21 anos, bem como qualquer pessoa 100 ou 50 por cento Osage, teria de provar a sua competência ou aceitar que um guardião nomeado pelo tribunal assumisse a gestão das suas finanças. Até uma mera suspeita de irresponsabilidade era suficiente para o tribunal atribuir a um guardião branco o direito a dispersar o dinheiro de um Osage, cobrar-lhe elevadíssimas taxas administrativas – e conservar para si quaisquer fundos excedentários acima de um limiar de 1000 dólares por trimestre. Desta forma, escreveu o historiador Dennis McAuliffe, 600 guardiões ganharam 8 milhões de dólares em fundos excedentários, sem qualquer supervisão nem responsabilização ao longo de apenas três anos.
Se uma pessoa Osage fosse considerada incompetente, o Tribunal de Sucessões nomeava um guardião branco para supervisionar as suas finanças – e arrendar ou vender as suas terras.
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Anna Kyle Brown foi assassinada aos 35 anos numa série de homicídios que tirou a vida a mais de 60 pessoas na sua comunidade.
O início dos homicídios de Osage
Estava montado o palco para começarem os abusos financeiros – e, em breve, os homicídios. A partir de 1921, houve uma série de mortes misteriosas no condado de Osage.
Em Maio de 1921, os corpos de Anna Brown e do seu primo Charles Whitehorn foram descobertos no mesmo dia em sítios diferentes do condado. Dois meses mais tarde, a mãe de Brown, Lizzie Kyle, que herdara os direitos, foi morta por envenenamento. Em seguida, o sobrinho de Lizzie foi assassinado em Fevereiro de 1923 — e a 10 de Março, a filha e o genro de Lizzie e a sua empregada doméstica morreram numa explosão misteriosa em sua casa. As mortes desencadearam o pânico no condado de Osage e ficaram conhecidas como um “reino de terror”. Entretanto, a enorme riqueza da família Kyle foi herdada pelos únicos sobreviventes — Mollie Kyle, a única filha sobrevivente de Lizzie e 100 por cento Osage, e o seu marido branco, Ernest Burkhardt.
Os Kyle não foram os únicos Osage a morrer por volta desta altura, todos em circunstâncias suspeitas que incluíram suspeitas de envenenamento, alegados suicídios – uma pessoa até foi atirada para fora de um comboio. Entre 1921 e 1925, pelo menos 60 pessoas Osage foram assassinadas ou desapareceram. Todas eram abastadas devido aos seus direitos – e o Conselho Tribal Osage suspeitou que um proeminente criador de gado local branco, William K. Hale, pudesse ser o culpado.
Hale, originário do Texas, era conhecido pelos seus negócios abusivos com o povo Osage e era extremamente influente no condado de Osage. Era proprietário ou detinha controlo parcial sobre o banco, o armazém geral, a casa funerária e até exercia o cargo de xerife da reserva. Burkhardt, sobrinho de Hale, era casado com Mollie Kyle, que era agora a herdeira dos milhões da sua família. Embora os homicídios tenham continuado, as investigações locais e os esforços das forças da lei para os resolver fracassaram.
Entre 1921 e 1925, pelo menos 60 pessoas Osage foram assassinadas ou desapareceram.
O Conselho Tribal Osage procurou a ajuda do governo federal para resolver o mistério dos homicídios. Foi então que o Bureau of Investigation, actualmente conhecido como Federal Bureau of Investigation, o FBI, iniciou uma investigação à paisana na região.
Quando a investigação começou a aperceber-se da possível ligação de Hale aos homicídios, ocorreram outras mortes. Quando Mollie Kyle confessou ao seu padre que achava que poderia estar a ser envenenada, os investigadores resolveram o caso. Hale pressionara o seu sobrinho a casar-se com Kyle e depois contratara mercenários para matar toda a família dela. Pressionado pelo tio, Burkhardt estava a dar whiskey com veneno à sua mulher.
Depois de uma série de julgamentos a nível estadual e federal que cativaram a nação com as suas audiências dramáticas – e o assassinato de várias potenciais testemunhas – Hale e dois cúmplices foram condenados a prisão perpétua. Contudo, muitos dos homicídios Osage permanecem por resolver.
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William K. Hale conspirou para matar vários membros abastados Nação Osage para ganhar o controlo sobre as suas valiosas reservas petrolíferas.
“Assassinos da Lua das Flores”
A saga da riqueza da Nação Osage não terminou com a condenação dos assassinos. Em 1925, o Congresso aprovou uma lei proibindo pessoas não-Osage de herdarem os direitos detidos por pessoas com ascendência Osage ou de outra nação nativa americana. Mas as queixas sobre a forma como o governo federal lidava com os bens da Nação Osage continuaram. Em 2011, após décadas de lutas legais, o governo dos EUA chegou finalmente a acordo com a Nação Osage, oferecendo-lhe 380 milhões de dólares e comprometendo-se a implementar um conjunto de medidas concebidas para gerir melhor os bens da Nação Osage.
Actualmente, pensa-se que os homicídios da Nação Osage foram o caso que contribuiu para o nascimento do FBI e a forma como a lei é actualmente aplicada, com base em investigações aprofundadas, operações à paisana e recurso a informadores para resolver casos criminais complexos. Embora os homicídios tenham começado há mais de um século, ainda ecoam nas vidas e nas finanças do povo Osage.
Em 1925, o Congresso aprovou uma lei proibindo pessoas não-Osage de herdarem os direitos detidos por pessoas com ascendência Osage ou de outra nação nativa americana.
Hoje em dia, diz a Nação Osage no seu website, aproximadamente 26 por cento dos direitos hereditários Osage permanecem na posse de pessoas não-Osage e podem ser transmitidos para entidades não-Osage. Embora Assassinos da Lua das Flores se foque em acontecimentos de um passado distante, a Nação escreve: “Não somos relíquias. A Nação Osage está a prosperar na nossa Reserva, na região nordeste do Oklahoma – um povo com força, esperança e paixão, honrando as histórias do passado e construindo o mundo do futuro”.