Escritor, filósofo, pedagogo, mas também músico, botânico e naturalista, a obra de Rousseau é imensa. Duas frases talvez pudessem sintetizar o cenário de fundo da sua doutrina fundamental: “O homem nasce livre, mas vive acorrentado” e “O homem é bom por natureza”. A primeira é a génese do seu pensamento político; a segunda marca os princípios que guiaram a sua doutrina pedagógica. O contacto com os ambientes iluministas foi decisivo para moldar o seu pensamento, enquanto o seu individualismo e uma enorme sensibilidade tornaram-no precursor do Romantismo. Com os românticos partilhava também um temperamento apaixonado, instável e inconformista que o impeliu a procurar insistentemente novos caminhos e lhe valeu vários inimigos.
Filho de Isaac Rousseau e de Suzanne Bernard, um casal calvinista instalado na Suíça, Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, no dia 28 de Junho de 1712. A sua mãe faleceu na sequência do parto e a criança cresceu sob a tutela do pai, um relojoeiro iluminista, até este fugir para outro cantão por força de alguns problemas com a justiça. A partir de então (1722), Rousseau foi criado sob a tutela de uns tios paternos que incutiram nele o amor pela leitura e através de cuja biblioteca conheceu Bossuet, La Bruyère, Molière ou Plutarco, enquanto trabalhava como relojoeiro aprendiz, primeiro, e, posteriormente, na oficina de um mestre gravador.
O casamento
Ao cumprir os 16 anos, empreendeu uma vida errante que roçava a marginalidade. Depois de desempenhar os mais diversos ofícios, abjurou o calvinismo, no qual fora criado, e converteu-se ao catolicismo. Acabara de conhecer Madame de Warens, uma dama católica iluminista, 13 anos mais velha do que ele, que o acolheu em sua casa, completou a sua formação intelectual, iniciou-o na música e acabou por se tornar sua amante. Foi ela quem lhe conseguiu o cargo de preceptor (1740) dos sobrinhos dos filósofos Gabriel Bonnot de Mably e Étienne Bonnot de Condillac, em Lyon. Foi também durante estes anos em Paris que se iniciou no caminho das letras com colaborações esporádicas na imprensa local e a publicação, em 1743, da sua Dissertação sobre a música moderna. Um ano depois, definitivamente afastado de Madame de Warens, instalou-se em Veneza como secretário do embaixador de França, Pierre-François de Montaigu.
Françoise-Louise de Warens foi benfeitora e amante de Jean-Jacques Rousseau, que frequentemente hospedou na sua casa de Les Charmettes, nas montanhas de Chambéry. Nas suas Confissões, Rousseau recordaria os seus anos com Madame de Warens, que tratava por “mamã”, como o “curto período de felicidade da minha vida” neste lugar.
Permaneceu apenas alguns meses neste seu novo papel. Em 1744, regressou a Paris, onde conheceu Marie-Thérèse Le Vasseur, uma costureira analfabeta com a qual viveu o resto da sua vida, se bem que tal não o tenha impedido de manter outros relacionamentos amorosos, e com a qual acabou finalmente por casar em 1768, embora este casamento nunca tenha sido devidamente legalizado. Thérèse deu-lhe cinco filhos, os quais, pouco depois de nascerem, Rousseau entregou a um asilo, com o propósito, segundo contou anos mais tarde nas suas Confissões, de os afastar da nefasta infiuência que poderiam receber da sua família política: “Pensar em entregá-los a uma família sem formação para que os educasse ainda pior, fazia-me estremecer. A educação no asilo não poderia ser pior do que isso.”
Amigos e inimigos
Nessa mesma época, entrou em contacto com Voltaire, D’Alembert e Diderot, que conhecera em casa de Madame de Warens e que lhe encomendaram vários artigos sobre música para a sua Encyclopédie. Pouco depois, em 1750, ganhou o concurso lançado pela Academia de Dijon sobre o contributo da cultura e das artes na sociedade com o seu Discurso sobre as ciências e as artes. A sua argumentação baseava-se no facto de as ciências, as artes e as letras “anularem nos homens o sentimento de liberdade original, para o qual pareciam ter nascido, e os fazerem amar a sua escravidão, convertendo-os no que se costuma chamar povos civilizados. A necessidade criou os tronos; as ciências e as artes fortaleceram-nos”. Tal proposição fez empolar os seus contemporâneos. As refutações ao seu provocador discurso não tardaram a aparecer, e inclusive o rei deposto da Polónia Estanislau I Leszczynski, respondeu com uma dissertação contundente.
Não obstante, e apesar da sua condição de enfant terrible, a corte não lhe virou as costas. Pelo contrário, em 1752, estreou com sucesso a sua ópera em um acto O Adivinho da Vila, na presença do rei Luís XV.
Não terminara por aqui a sua veloz corrida para colher a inimizade dos seus conterrâneos. Em 1755, depois de abjurar o catolicismo, publicou o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. O texto apresentava a sociedade civil como uma armadilha dos poderosos para manter a sua riqueza sobre os mais débeis, o que contradizia as teses de Voltaire.
Voltaire assegurava que “nunca tanta inteligência fora utilizada para nos tentar converter em bestas”. A partir desse momento, abriu-se entre ambos um abismo que se tornaria ainda mais profundo quando Rousseau respondeu ao voltairiano Poema sobre o desastre de Lisboa (1755) através da sua Carta sobre a Providência (1756), na qual rejeitava categoricamente o pensamento negativista de Voltaire, e ficaria definitivamente insanável após se ter tornado pública a sua Carta a D’Alembert (1758), na qual afirmava que o teatro era um dos produtos mais nocivos para a sociedade.
As divergências entre ambos espalharam-se rapidamente nos círculos intelectuais de Paris. Sentindo-se abandonado por aqueles que acreditava serem seus amigos, em 1756 Rousseau decidiu afastar-se da vida urbana e instalou-se em Mont Louis, nos bosques de Montmorency, onde conheceu a condessa Sophie d’Houdetot, amante do poeta e académico Jean-François de Saint-Lambert, à qual dedicou as suas Cartas morais (1757-1758), só publicadas em 1888.
Também em Mont Louis, escreveu o seu romance Júlia ou a Nova Heloísa (1761). Originalmente intitulado Cartas de dois amantes habitantes de uma pequena cidade no sopé dos Alpes, apresentava-se como um romance epistolar, inspirado na famosa história dos amantes Abelardo e Heloísa. Desta forma, e embora a obra estivesse impregnada de uma teoria filosófica com a qual o autor pretendia expor e priorizar os valores da ética, da autonomia e da autenticidade acima dos princípios morais racionais, a verdade é que o público contemporâneo apreciou o romantismo do argumento e a obra teve um enorme sucesso.
Um ano decisivo: 1762
Além da peça teatral Pigmaleão, que não foi estreada até 1770, o ano de 1762 foi crucial na sua criação literária, pois foi então que publicou as suas duas obras capitais: Emílio ou Da Educação e O contrato social ou Princípios do direito político. Na primeira, contradizia a pedagogia tradicional e insistia em que a formação de todas as crianças deveria dar prioridade às matérias práticas sobre as teóricas e abstractas, excluindo a religião e defendendo em troca um certo sentimento deísta. A segunda, O contrato social, era uma crítica bem fundamentada aos princípios políticos do Antigo Regime.
O contrato social ou Princípios do direito político.Publicada em 1762, foi a obra mais importante de Jean-Jacques Rousseau, na medida em que o seu teor ideológico ganhou vida após o estalar da Revolução Francesa. A teoria de Rousseau baseia-se no liberalismo clássico, o qual estipula que o ser humano é individualista por natureza, embora vo- luntariamente decida viver em sociedade. A partir desse momento, torna-se necessária a existência de um Estado de Direito que assegure as liberdades e estabeleça as normas de convivência.
Dividido em quatro livros, O Contrato Social defende que todos os homens nascem livres e iguais no seio de uma família que se torna, assim, o “primeiro modelo de sociedade política”. Portanto, tal como qualquer família, o Estado deve procurar a abundância e a paz para todos os seus membros. Deverá também zelar pela liberdade dos indivíduos, uma liberdade que apenas é possível quando ocorre numa sociedade de iguais. Rous- seau insiste, como é comum no seu pensa- mento, na existência de uma bondade ina- ta no ser humano, ou seja, reafirma-se na teoria do “bom selvagem”, formulada por outros pensadores anteriores. A bondade e a rectidão dos homens simples requerem poucas leis, e conceitos como a ditadura ou a censura são aplicáveis apenas em momentos de crise.
Rousseau mostrava-se contrário a toda e qualquer restrição dos direitos e liberdades individuais, afirmando que o homem que não gozava de uma total liberdade não podia ser considerado um ser completo, enquanto que o colectivo se deve submeter à vontade geral. Perante a agitação provocada pelas suas opiniões, no dia 9 de Junho de 1763, o Parlamento de Paris decretou uma ordem de detenção contra ele. Um oportuno aviso permitiu-lhe fugir para a Suíça, onde acabou por se refugiar no cantão de Neuchâtel, sob a protecção de Julie Emélie Willading. Em 1764, o político independentista corso, Pasquale di Paoli, encarregou-o de redigir a constituição da efémera República da Córsega (1755-1769). Mas, em 1765, uma multidão estimulada pelo clero atacou a sua residência. A vida de Rousseau, acompanhado da sua inseparável Thérèse, tornou-se uma fuga constante. Refugiado na casa de um sindicalista de Berna na ilha de São Pedro, no lago de Bienne, foi visitado por vários intelectuais britânicos, entre os quais se encontrava o filósofo David Hume, Daniel Malthus, pai do célebre economista, e o escritor James Boswell.
As obras de Rousseau tinham sido publicadas em Inglaterra, onde conheceram um enorme sucesso. O mesmo aconteceu na Prússia e na Rússia, de onde chegaram também, tal como aconteceu de Inglaterra, várias ofertas de asilo. Foi Londres o destino escolhido e, no dia 4 de Janeiro de 1766, juntamente com David Hume, atravessou o canal da Mancha.
Instalado numa mansão rural em Chiswick, abria-se um novo período na vida de Rousseau (1765-1767) que, apesar de parecer promissor, não deixaria de ser turbulento. Hume tornou-se o seu protector em terras inglesas e chegou inclusive a administrar uma pensão de cem libras pagas em segredo pelo rei Jorge III, mas não conseguiu fazer que Rousseau a aceitasse. O pensador suíço caíra numa terrível paranóia que o fazia acreditar que estava a ser perseguido por tudo e por todos. Convencido de que Hume se aliara a Voltaire, D’Alembert, Diderot e outros inimigos seus, para o desacreditar, não hesitou em tornar públicas as suas suspeitas, o que provocou efectivamente a inimizade à sua volta, forçando-o a regressar a França (1767).
Fê-lo sob o nome falso de Jean-Joseph Renou. Apesar da sua mania da perseguição, aceitou a oferta do príncipe de Conti e retirou-se para a mansão que o nobre colocou à sua disposição em Trie-Château, a norte de Paris, onde concluiu o seu Dicionário de música. Mas, convencido da existência de uma nova conspiração contra si, em 1768 fugiu para Lyon e mais tarde refugiou-se em Grenoble, sempre sob a sua falsa identidade. Dois anos depois, a justiça permitiu-lhe residir em França e recuperar o seu nome, mas com a condição de que não publicasse mais nenhuma obra. Em 1771, concluiu as suas Confissões, nas quais explicava as razões que o tinham levado a manter, ao longo da sua vida, um comportamento tão instável e contraditório.
A edição de 1798 de Emílio ou Da educação incluía algumas ilustrações como esta, na qual se mostra a arte de lavrar a terra. Era uma forma de mergulhar no propósito pedagógico do que se considerou o primeiro tratado sobre filosofia da educação no Ocidente (Museu de Belas-Artes, Bordéus).
Desde então, longe da vida pública, limitou-se a escrever e a empenhar-se numa longa cruzada contra os seus detractores. Deste período e de tais propósitos nasceriam os Diálogos (1772), as Cartas sobre botânica à senhora Delessert (1773), Rousseau juiz de Jean-Jacques (1772-1776) e a ópera Daphnis et Chloé (1776), todos publicados fora das fronteiras gaulesas.
Em 1776, começou a escrever os Devaneios de um caminhante solitário (1776-1778), mas a morte, na forma de um inesperado enfarte do miocárdio surpreendeu-o em Ermenonville (Picardia), no dia 2 de Julho de 1778, na residência do conde Louis-René Girardin, um dos poucos amigos que permaneciam ao seu lado. Foi sepultado no Panteão de Paris, a poucos metros de Voltaire.