Na vertente sul desta serra, uma aldeia espraia-se, pacata e luminosa, a partir da fraga templária que lhe dá nome; no lado oposto, surge a queda vertiginosa para um “mar” de há quase 500 milhões de anos, repleto de histórias da vida petrificadas em verticais fragões quartzíticos. Aqui nasceu uma ideia de sustentabilidade para a região, pois neste geomonumento fundamentou-se o que é hoje reconhecido como Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO.

Cerca de cem metros abaixo da coroa de castelo templário, corre o pequeno rio Pônsul submisso entre gigantes de quartzito que se inclinam 60-70 graus para o deixar passar, mesmo que pareça que concedem esse favor com relutância.

Penha Garcia

O Açude do Pego no rio Pônsul.

Ao percorrer a Rota dos Fósseis, são as lajes verticais que impressionam, outros tantos fundos do mar deste oceano Rheic ainda então jovem no Ordovícico: superfícies lisas que os praticantes de escalada anseiam vencer, superfícies onduladas por tempestades extraordinárias, superfícies inscritas por formas marinhas primordiais.

Penha Garcia

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As “Cobras Pintadas” de Penha Garcia são a mais vívida expressão da complexidade adoptada por modos de vida há muito extintos, acompanhando o encerramento do oceano Rheic. Este deu origem a uma montanha,onde rochas dobradas formam o Sinclinal de Penha Garcia, que é hoje uma galeria de Arte Fóssil, um hino à evolução da vida, nesta paisagem natural tão especial do rio Pônsul.

Respeitadas como símbolo da curiosidade natural das gentes de Penha Garcia, estas marcas específicas de actividade paleobiológica conhecidas como icnofósseis distribuem-se em profusão pelas camadas de quartzito, de tal maneira que os locais encheram-nas de lendas e muito se orgulham de serem uma referência internacional do património de Penha Garcia. A sua forma em cordão bilobado, de superfícies estriadas, contorcido em caprichosas voltas, reflecte o modo e os comportamentos de busca de alimento no fundo marinho de um dos animais mais bemsucedidos nos estádios iniciais da sua evolução – as trilobites. Tão bem-sucedidos eram aqui estes animais que as suas frugais refeições ficaram materializadas nestes icnofósseis designados de Cruziana, as maiores e das mais bem preservadas que se conhecem a nível mundial.

Penha Garcia

Em Penha Garcia, natureza e geologia conspiram para tornar inesquecível a visita.

Um olhar visitante na Rota dos Fósseis deleita-se com o vale do Pônsul na sua harmonia pétrea, com evidências constantes de uma extensão humana das fragas, dos moinhos às furdas dos porcos e ao açude do Pego. Já um olhar treinado poderá ir mais longe, às origens do grande oceano Paleozóico, e descobrir o delta de rio que se estendia do Nordeste africano à Península Ibérica para, em Penha Garcia, confluir no mar austral. Nesse momento da história geológica e neste ponto do planeta onde o substrato de Penha Garcia se localizava, deu-se a enorme diversificação das formas de vida, acompanhado atendência global de radiação biológica deste período.

Penha Garcia

Só nestas rochas da pequena garganta do Pônsul, os paleontólogos já identificaram 36 vestígios paleobiológicos diferentes, que são também o reflexo da diversidade de habitats aqui existente à época, da enorme quantidade de nutrientes disponível e da variabilidade ecológica promotora de mecanismos adaptativos. Um oceano de inovações evolutivas, mas estruturadas numa base sólida de estilos de vida bem-sucedidos no passado, que levaram a uma optimização do uso dos recursos disponíveis. Afinal, não deve ser este o princípio intrínseco ao desenvolvimento sustentável de qualquer sociedade?