O mausoléu do rei Herodes que, durante muito tempo escapou aos arqueólogos, lança luz sobre o reinado turbulento do seu governante e o seu efeito nos primeiros tempos da vida de Jesus.

Dominando a paisagem árida na orla do deserto da Judeia ergue-se um monte que foi em tempos o pináculo do território controlado por Herodes o Grande. Identificado em meados da década de 1800 como o local da fortaleza-palácio construída pelo rei, o Herodium albergava um oásis luxuoso nas terras a sudeste de Belém.

Mesmo antes da sua identificação, os historiadores tinham uma ideia clara de como seria o aspecto deste importante local graças ao historiador judaico-romano Flávio Josefo. Na sua Guerra dos Judeus, escrita em finais do século I d.C., Josefo descreveu-o como um monte levantado pela mão do homem, com a forma do seio de uma mulher”.

Compreendendo palácios, fortes, jardins e um teatro, o complexo forneceu informação importante sobre um rei cujo governo moldou os primeiros tempos da vida de Jesus. Escavações realizadas nas duas últimas décadas também lançaram nova luz sobre o reinado turbulento de Herodes, culminando na espantosa descoberta do seu mausoléu nas encostas do monte em 2007.

Herodes e o Monte

Herodes o Grande é recordado pelos cristãos devido à sua crueldade ao ordenar o Massacre dos Inocentes, em Belém, após o nascimento de Jesus. Descrito no Evangelho de Mateus, o episódio foi reproduzido em cortejos medievais e o seu perpetrador foi retratado em obras de arte e letras de músicas como encarnação do mal.

Rei Herodes

Fazendo o deserto florescer. Uma vista aérea do palácio-fortaleza de Herodium, no topo do monte. O espaço rectangular marcado por colunas foi outrora um jardim, um feitio notável de engenharia hídrica numa terra árida. Fotografia de Alamy/ACI.

Herodes beneficiou da influência romana em rápido crescimento na região. Quando nasceu, em Ascalão, em 73 a.C., a Judeia estava sob controlo dos asmoneus, uma dinastia judaica cujos fundadores se rebelaram contra o império grego dos Selêucidas século anterior. Em 63 a.C, quando Herodes tinha cerca de 10 anos, o general romano Pompeio conquistou Jerusalém restringindo seriamente o controlo asmoneu.

Antipas, o pai de Herodes, era um nobre judeu rico que admirava a cultura romana e era amigo de Júlio César. Para recompensar a sua lealdade, Roma nomeou-o governante da Judeia. Por sua vez, ele nomeou o seu filho, o jovem Herodes, governador da Galileia. Após a morte de Antipas, o senado romano nomeou Herodes rei da Judeia. No entanto, o novo rei tinha um problema: Antígono, um nobre asmoneu, também fora nomeado rei da Judeia com o apoio dos judeus anti-Roma e dos inimigos regionais do Império, os partos.

Em 40 a.C., perto de um monte situado nos arredores de Belém, os reis rivais enfrentaram-se. Herodes derrotou Antígono e, mais tarde, conquistou Jerusalém. Para celebrar essa vitória, no ano 23 a.C. Herodes decidiu construir um palácio-fortaleza no local onde combatera. Pessoas escravizadas foram levadas até lá para fazerem os trabalhos pesados e os delicados estuques e frescos foram entregues a artesãos gregos ou romanos. O Herodium começava a ganhar forma.

Rei Herodes

Em cima: O encontro entre os três reis magos e Herodes, reproduzido no Saltério da Rainha Mary, no século XIV. Fotografia de Album/British Library.

Em baixo: Uma placa de esmalte do século XII, proveniente da Alemanha, mostra o rei Herodes a ordenar o Massacre dos Inocentes. Fotografia de Album/Metropolitan Museum of Art, NY.

Rei Herodes

Ao longo da sua vida, Herodes tornou-se conhecido por imponentes projetos de construção. Supervisionou a magnífica ampliação do templo judeu em Jerusalém, a construção da cidade e do porto de Cesareia e ampliação da fortaleza de Massada no deserto asmomeu.

No entanto, mesmo segundo estes padrões, o Herodium era um empreendimento ambicioso. A estrutura construída no alto do monte tinha cerca de 60 metros de diâmetro. Estava protegida por dois muros concêntricos quatro grandes torres alinhadas com os quatro pontos cardeais. O palácio-fortaleza era acessível através de uma escadaria descrita por Josefo como “200 degraus do mais branco mármore”, que penetrava no complexo do topo através de um túnel com mais de quatro metros de altura.

Por volta de 10 a.C, Herodes mandou acrescentar terra e areia para alargar o topo da colina já existente e dar-lhe a sua forma distintamente arredondada, que ainda hoje pode ser apreciada. A escala do complexo era impressionante. Como relatado por Josefo, o povoado inferior era suficiente para “receber a mobília que ali foi colocada… e contendo tudo o que era necessário, poderia parecer uma cidade.”

cerâmica do tempo do Rei Herodes

Vintage do rei. Uma inscrição em latim no fragmento de uma ânfora descoberta na adega do Herodium declara que foi comprada pelo rei Herodes. Fotografia de Alamy/ACI.

No sopé do monte encontrava-se o Herodium Inferior, composto por um palácio, termas de estilo romano e uma grande piscina rodeada por jardins. Também foram construídos edifícios auxiliares para prestar serviços e gerir os palácios.

A manutenção dos jardins e das piscinas num ambiente tão árido era um feito de arquitetura por si só, salientou Josefo: “a água era trazida de muito longe e a grande custo, pois o local é desprovido de água”.

Apesar da sua merecida reputação de violência, Herodes valorizava as coisas belas. Os palácios foram concebidos para entreter convidados importantes, como na ocasião em que Herodes recebeu Marco Vipsânio Agripa, aliado e genro do imperador Augusto, em 15 a.C.. Josefo escreveu que, enquanto palácio e fortaleza, o Herodium proporcionava “segurança e beleza”.

Peças do puzzle

Antigamente, achava-se que o túmulo de Herodes ficava num dos palácios inferiores. No entanto, Ehud Netzer, o director do sítio, pensava que existia um mausoléu a uma certa distância dos alojamentos, de acordo com o costume judeu. Em 2007, foram encontrados fragmentos de rocha no monte. Exibiam rosetas – um motivo comum do luto – e conduziram Netzer até ao mausoléu, que se encontrava ali perto. Os três sarcófagos que alojara, incluindo o que se cria ter pertencido a Herodes, foram encontrados partidos.

tumúlo do Rei Herodes

Restauradores recompõem fragmentos do mausoléu de Herodes no Herodium. Fotografia de Bertrand Rieger/Gtres.

O local do Herodium foi escolhido por razões simbólicas e estratégicas. Além do seu simbolismo enquanto local onde Antígono fora derrotado em 40 a.C. o Herodium encontra-se junto à fronteira entre a Judeia e a região desértica da Idumeia, a terra natal do pai de Herodes, Antipas, localizada a sul. A importância estratégica da Idumeia e do sul para Herodes levou-o a renovar vários santuários ali existentes, sendo o mais importante a estrutura que protege o túmulo dos patriarcas em Hebron, local de descanso reconhecido pela tradição de Abraão, Isaac, e Jacó. O sul é igualmente associado a Esaú, irmão de Jaco Jacó b e patriarca dos edomitas (que deram o nome à Idumeia).

O Herodium dominava de forma conveniente o sul simbólico e o norte, onde se encontrava Jerusalém. Oferecendo isolamento a apenas 11 km de Jerusalém, era suficientemente perto para que Herodes vigiasse os trabalhos em curso enquanto resolvia problemas de estado.

Segurança e luxo: um sítio no deserto

Túmulo do Rei Herodes

Situado na fronteira do coração político da Judeia e da região simbolicamente religiosa de Edu Maia, a sul, o Herodium foi escolhido por Herodes como um local relevante. O palácio-fortaleza construído no alto do monte era protegido por uma grande torre circular a oriente com cerca de 18 metros de diâmetro. As outras três torres eram semicirculares e estavam viradas para norte, sul e oeste, podendo alcançar quase 40 metros de altura. O recinto com muralhas duplas albergava um jardim (cerca de 40 x 18 metros) contornado por uma colunata. Um grande triclínio, ou casa de jantar, e termas abriam se para esta área. A estrutura de uma torre só situada à esquerda do monte foi identificada como o mausoléu real em 2007. Os historiadores creem que continha os restos mortais de Herodes, de uma das suas mulheres e de uma nora. Os arqueólogos creem que o mausoléu estava rodeado por um jardim em socalcos que foi construído na encosta. Em redor do sopé do monte encontrava-se o Herodium Inferior, onde existia um palácio disposto em volta de uma grande piscina, com o edifício circular no centro. Pensava-se que esta estrutura tinha sido o local de descanso de Herodes até o mausoléu e o sarcófago serem descobertos em 2007. Uma longa estrada curva, que antigamente se acreditava ser um hipódromo ou uma pista de corridas, é agora reconhecida como tendo uma finalidade muito mais importante. Os arqueólogos pensam que se tratava do caminho profissional que foi percorrido no enterro do rei. Numa das extremidades encontra-se um mikvah, o banho ritual judeu. Havia outro palácio depois do caminho processional, no sopé do monte.

Na imagem, o Herodium encontra-se entre o deserto da Judeia e as montanhas Moab, visíveis ao fundo. Desafiando a aridez em seu redor, o palácio construído no alto do monte foi dotado de umas termas de estilo romano e, no Herodium Inferior há mais dois banhos e uma piscina com 3 metros de profundidade. O complexo régio era alimentado por um aqueduto que trazia água dos reservatórios conhecidos como Piscinas de Salomão, na aldeia de Artas, localizada a cerca de 6,5 km. O palácio superior tinha uma cisterna no recinto e cinco outras cisternas escavadas na rocha, para onde a água da chuva podia ser canalizada. A água destas pequenas cisternas era suplementada com a água da grande piscina. Imagem de Jean-Claude Golvin/Musée Départemental Arles Antique.

Bastião rebelde

Os últimos anos de Herodes foram marcados por uma doença prolongada e agonizante, que segundo Josefo, era caracterizada por comichão intensa, dores intestinais agudas, falta de ar, convulsões e gangrena nos órgãos genitais. Os problemas de saúde, juntamente com as conspirações familiares, os homicídios e os motins, contribuíram para a instabilidade psicológica do rei. Josefo escreveu como Herodes mandou trancar 300 importantes personagens judaicas no interior do hipódromo de Jericó, para serem executadas assim que ele morresse (os filhos de Herodes intervieram para impedir a execução da ordem).

Herodes morreu em 4 a.C., não no Herodium, mas no seu palácio de Inverno em Jericó. Josefo fez uma descrição pormenorizada daquilo que aconteceu ao corpo do rei após a sua morte. “Foi colocado um diadema na sua cabeça e um ceptro na sua mão direita… e o corpo foi transportado 200 estádios, até ao Herodium, onde ele ordenara ser enterrado”.

Rei Herodes

Amigos poderosos. Herodes ficou amigo de romanos influentes, incluindo Marcos Vipsânio Agripa, retratado neste busto, o poderoso genro do imperador Augusto. Agripa visitou o Herodium em 15 a.C. Fotografia de Granger/Album.

Herodes foi sucedido pelos seus, filhos Herodes Arquelau (imediatamente nomeado governante da Judeia, Samaria e Idumeia pelos romanos) e por Herodes Antipas, governador da Galileia, cujo governo durou mais tempo. Herodes Antipas é uma personagem proeminente do Novo Testamento, onde os seus actos contribuem para as execuções de Jesus e de João Batista.

Em 66 d.C. os judeus insurgiram-se contra a ocupação romana. Josefo descreve esta insurreição com a frescura de uma testemunha em primeira mão, pois foi general do lado judeu. Relata como os judeus expulsaram os romanos de Jerusalém até a cidade ser a recuperada, em Agosto de 70 d.C. e o templo, que Herodes tanto se esforçara por embelezar, foi destruído.

Os rebeldes judeus que ocuparam o Herodium foram finalmente expulsos pelas tropas romanas em 71 d.C.. Décadas mais tarde, durante a revolta Bar Kokhba de 132-35 d.C., a fortaleza foi novamente usada como base em rebelde contra Roma. O magnífico complexo caiu em ruínas e a sua localização foi esquecida.

Teatro real

O teatro real. Em 2008, os arqueólogos descobriram um teatro nas encostas do Herodium. Com vista sobre Jerusalém, o seu auditório tinha capacidade para mais de 400 pessoas. O complexo inclui um camarote real, descoberto em 2010, com pinturas de estilo romano aplicadas no estuque. O teatro foi construído aquando da visita de Agripa, genro do imperador Augusto, ao Herodium em 15 a.C. Foi desmantelado antes da morte do rei para dar espaço para as enormes movimentações de terra que alargaram o alto do monte. Fotografia de Bertrand Rieger/Gtres.

Redescoberta

No século XV, um estudioso apelidou os vestígios do Herodium de “Monte dos Francos", segundo a crença de que um acampamento de cruzados fora ali construído no passado. O local foi conhecido por este nome até 1838, quando o académico americano Edward Robinson se tornou a primeira pessoa a identificá-lo como o palácio-fortaleza de Herodes o Grande. As escavações arqueológicas do Herodium só começaram na década de 1960. A partir de 1972, foram dirigidas pelo académico Israelita Ehud Netzer, da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Intrigado pela descrição do local de enterramento de Herodes feita por Josefo, Netzer passara anos em busca do túmulo de Herodes. Em maio de 2007 anunciou finalmente que tinha desenterrado aquilo que acreditava ser o mausoléu real e que este continha 3 sarcófagos partidos.

Túmulo do Rei Herodes

Outros sarcófagos. Foram encontrados dois outros sarcófagos junto ao sarcófao do rei – um deles na imagem. Estes podem pertencer a Maltace, uma das mulheres de Herodes, e a Glaphyra, uma das suas noras. Os arqueólogos pensam que poderia ser o mausoléu da família de Herodes. Fotografia de Hanan Isachar/Alamy/ACI.

Construído por volta de 10 a.C. provavelmente pelos mesmos trabalhadores que construíram o templo de Jerusalém e Cesareia Marítima, a estrutura situava-se nas encostas do monte, poucos metros abaixo do palácio-fortaleza. Outrora com cerca de 24 metros de altura, a parte inferior era composta por um pódio contendo duas divisões, uma em cima da outra. Acima destas havia um tholos (uma estrutura circular) rodeado por colunas e coberto por um telhado cónico coroado com uma urna.

O sarcófago que se pensa ter albergado os restos mortais de Herodes é feito de arenito rosa de Jerusalém. Foi partido em mil pedaços. Os rebeldes judeus que ocuparam o Herodium durante a revolta de 66-70 d.C. consideravam Herodes uma marioneta do Império Romano, por isso é provável que tenham sido eles os responsáveis pela destruição.

Túmulo do Rei Herodes

A sala VIP. Escavado em 2010, o camarote real tinha vista para o teatro a céu aberto do Herodium. Construído para receber Agripa aquando da sua visita à Judeia em 15 a.C., aspirava ser a ser o mais recente grito do design de interiores romano. As paredes estavam decoradas com painéis pintados, reminiscentes de Pompeia. Fotografia de Bertrand Rieger/Gtres.

Intacto, o mausoléu deveria ser muito maior do que outros do seu tempo e foi provavelmente desenhado para ser visível a partir de Jerusalém. É possível que Herodes tencionasse que outros membros da família fossem ali sepultados também e deve ser por isso que os arqueólogos encontraram mais dois sarcófagos ao lado do principal. Crêem que um pertenceu a Maltace, uma samaritana que foi uma das dez mulheres de Herodes e mãe de um dos seus sucessores, Herodes Arquelau. Maltace morreu em Roma, alguns meses depois do seu marido. O outro sarcófago poderá ter pertencido a Glaphyra, a segunda mulher de Arquelau que morreu no ano 7 d.C.

O facto de Herodes ter querido fazer deste local o seu espaço de descanso eterno demonstra a importância que tinha para ele. Poderia ter escolhido Jericó, a sua capital de Inverno, onde tinha três palácios. No entanto, preferiu que o seu túmulo fosse no Herodium, o local da vitória que lhe dera o seu reino. Apesar da profanação dos seus restos mortais e séculos de desdém, tanto nas tradições judaica como cristã, este palácio-fortaleza construído numa montanha feita pelo homem, cujos jardins eram mantidos verdes no meio do deserto, ainda tem a capacidade de maravilhar os seus visitantes.

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