No fim de 2020, a União Europeia distinguiu uma candidatura original da Universidade de Navarra (UNAV), que conta com a colaboração da Universidade de Coimbra e do Município de Idanha-a-Nova com o objectivo de permitir aos académicos e aos meros curiosos do mundo romano um acesso remoto ao vasto acervo de inscrições conhecidas na Hispânia Romana e, ao mesmo tempo, de facilitar aos utilizadores uma experiência digital imersiva na Antiguidade através de um jogo e de uma série documental. A espinha dorsal do projecto é a epigrafia e o texto escrito na Antiguidade, assumindo a escrita latina – e as suas derivadas modernas – como um dos eixos fundamentais da nossa civilização.

Quando pensamos na civilização romana, é habitual pensar primeiro na epigrafia e nas inscrições, na medida em que o mundo romano foi uma das primeiras civilizações a utilizar o meio escrito como canal de comunicação ao longo de um território continental. Utilizavam-se inscrições para celebrar honras recebidas por cidadãos prestigiados, para prestar culto aos deuses ou ao imperador ou para recordar os defuntos. Mesmo nos limites do Império Romano, essa prática disseminou-se com rapidez e um dos locais onde essa circunstância se expressa é em Idanha-a-Velha, um dos casos de estudo do projecto.

O Arquivo Epigráfico de Idanha é uma das maiores reservas de inscrições que chegaram aos nossos dias, reunindo mensagens gravadas em diferentes suportes e ao longo do vasto período que mediou entre a fundação da cidade e o colapso do Império.

O Laboratório de Arqueologia da UNAV já acumulara experiência com a digitalização 3D de inscrições romanas provenientes de Los Bañales de Uncastillo (em Saragoça) e Santa Criz de Eslava (em Navarra).

A certo momento, o director do projecto, Javier Andreu, reuniu-se com Pedro Carvalho e Armando Redentor (da Universidade de Coimbra) para debaterem os problemas modernos da epigrafia, com frequência limitada à acumulação de artefactos antigos escritos sobre pedra. “As inscrições, como meio de comunicação, enchiam as esferas pública e privada da Roma antiga e das províncias”, lembra Andreu. “A recuperação da sua mensagem e colocação no centro do discurso histórico são desafios para a investigação moderna.” Para tal, porém, é necessário superar as dificuldades colocadas pela decifração dos textos em latim, pela leitura nem sempre fácil das superfícies e por uma certa crença de que a epigrafia não é tão atraente para os estudantes como poderia ser. ”Na verdade, estes suportes contam, com frequência, boas histórias sobre os romanos e as suas vidas”, lembra.

realidade virtual romanos

Durante muito tempo, para estudar uma inscrição, era necessário viajar até ao local físico onde a mesma se encontrava. O Museu Virtual de Epigrafia disponibiliza-as para qualquer ponto do mundo.

O projecto assumiu três dimensões. Por um lado, funcionará como Museu Virtual, transformando as inscrições em modelos 3D interactivos que permitam a consulta à distância. De momento, estão completas leituras 3D de duas centenas de inscrições provenientes de vários lapidários romanos. ”As inscrições romanas foram um modo de difundir a língua latina e de gerar uma cultura comum no quadro do Império Romano”, diz Pedro Carvalho. ”São um dos mais claros sinais de globalização há dois mil anos. Na origem, a matriz cultural europeia é essencialmente romana”, acrescenta Armando Redentor. O acervo, o maior banco de dados de inscrições 3D na Europa, já está disponível em https://sketchfab. com/valeteviatores.

A segunda dimensão é o videojogo Valete vos viatores. Desenvolvido por Pablo Serrano e Iker Ibero, do estúdio Trahelium (o segundo ganhou inclusivamente um Emmy pela colaboração nos efeitos especiais da série “Game of Thrones”), o jogo permite ao utilizador converter-se num artesão de inscrições que assiste, ao lado do pai, ao despertar da cultura epigráfica na Roma do início do Principado e que, na Via Apia da capital imperial, aprende a complexa tipologia de monumentos epigráficos desta civilização.

Depois de abandonar Roma, o artesão instala-se noutra cidade, na Aquitânia, onde aperfeiçoará a sua arte de scriptor antes de atravessar os Pirenéus e visitar as cidades da Hispânia Tarraconense, onde compreenderá a generalização das inscrições em comunidades já afastadas da capital. Por fim,  já  sem  o seu progenitor, o jogador é chamado a uma última viagem, atraído pelo fervor construtivo de civitas Igaeditanorum (Idanha-a-Velha), onde o esperam várias missões associadas à arte, terminando por fim a sua especialização com a criação de epígrafes para instalar no imponente Fórum de Vénus da cidade.

Os cenários e funcionalidades das cidades romanas retratadas no videojogo procuram respeitar o registo arqueológico, revelando o que se conhece nas várias latitudes representadas no projecto. “As novas tecnologias, através da fotogrametria 3D e do design de um videojogo temático sobre epigrafia, deverão servir para facilitar a percepção da História Antiga e da Epigrafia como disciplinas atractivas e inovadoras”, espera Javier Andreu.

A terceira dimensão do projecto visa criar uma série audiovisual dirigida por Clau Creatie e protagonizada por um estudante de Arqueologia da UNAV que viaja de Pamplona à Lusitânia, passando por diversas cidades da Tarraconense Hispana e Idanha, mas também por Burdigala (Bordéus) e por Roma.