Novas evidências arqueológicas sugerem que os antigos nómadas da estepe euroasiática podem ter sido as primeiras pessoas a montar a cavalo. E a prática equestre poderá ter-lhes dado uma vantagem competitiva enquanto galopavam pela Europa.
Vinte e quatro esqueletos antigos descobertos em túmulos na Hungria, Roménia e Bulgária mostram sinais de desgaste físico causado por montar a cavalo. A maioria dos esqueletos pertencem a pessoas da cultura nómada Yamnaya, que se disseminou para o Ocidente a partir das pastagens da Europa oriental há cerca de 5.500 anos.
Cinco indivíduos Yamnaya em particular, de sepulturas datadas de há 4.500 a 5.000 anos, evidenciam vários sinais de que montavam frequentemente a cavalo: danos nas vértebras inferiores, por exemplo, bem como espessamento do osso pélvico e saliências ósseas nos fémures. Encontraram-se sinais semelhantes em quatro indivíduos que se pensa pertencerem a culturas influenciadas pelos Yamnaya.
Um túmulo “kurgan” em Malomirovo, na Bulgária, durante uma escavação arqueológica em Junho de 2021. Os Yamnaya e outras culturas relacionadas construíram estas sepulturas cobertas de terra no sudeste da Europa. Fotografia de Michał Podsiadło.
Estes restos mortais são as evidências de equitação mais antigas alguma vez encontradas, embora os investigadores advirtam para o facto de os Yamnaya poderem não ter sido os primeiros cavaleiros.
“É possível que não sejam os cavaleiros mais antigos”, diz o arqueólogo Volker Heyd da Universidade de Helsínquia, autor de um novo estudo sobre os esqueletos publicado na revista Scientific Advances. “Mas são as melhores evidências de equitação de que dispomos até agora.”
Dezenas de milhares de sepulturas cobertas por montes de terra, denominadas kurgans, pontilham o sudeste da Europa. Os esqueletos do estudo pertencem a um conjunto de 217 que foram desenterrados nestas e noutras sepulturas por equipas arqueológicas entre 2019 e 2022.
A elevada proporção de prováveis cavaleiros entre os esqueletos sugere que a equitação era uma actividade comum para algumas pessoas no sudeste da Europa em tempos tão remotos como há 5.000 anos, afirma o arqueólogo Martin Trautmann, investigador da Universidade de Helsínquia e autor principal do estudo. “É muito provável que a equitação já estivesse estabelecida à data da mais antiga evidência que encontrámos”, afirma.
Os autores do estudo acham improvável que os Yamnaya usassem cavalos como armas de guerra, como previamente afirmado, mas escrevem que montar a cavalo “teria contribuído substancialmente para o sucesso global da sociedade pastorícia dos Yamnaya”.
Primeiros cavaleiros
O novo estudo colmata uma lacuna entre a domesticação dos cavalos, para aproveitamento do seu leite e carne, que os cientistas pensam ter ocorrido há cerca de 5.500 anos, e o uso dos cavalos para puxar carruagens de guerra há cerca de 4.500 anos. Heyd crê que os cavalos dos Yamnaya seriam demasiado ariscos para combater e que os cavalos que vemos a puxar carruagens em gravuras do segundo milénio a.C. seriam provavelmente criados para a guerra.
“A raça de cavalos que vemos a partir de 2000 a.C. pode ter sido geneticamente seleccionada por serem mais corajosos e adequados para a guerra”, afirma.
Trautmann acrescenta que os cavalos dos Yamnaya eram mais pequenos do que os nossos. “Tinham o peito largo e em forma de barril, com patas curtas e avantajadas. Eram muito parecidos com os cavalos de Przewalski”, afirma.
Um túmulo Yamnaya com um cavaleiro, descoberto em Strejnicu, na Roménia. De entre todos os esqueletos analisados neste estudo, os restos mortais deste homem, que tinha 30 a 40 anos quando morreu, e viveu há entre 4500 e 5000 anos, são os que mostram mais sinais físicos de ter andado a cavalo. Fotografia de Alin FrîNculeasa.
O equipamento de equitação antigo também era diferente. Heyd diz haver poucas evidências arqueológicas do equipamento, pois este era feito de materiais perecíveis. No entanto, é provável que os antigos cavaleiros colocassem tapetes simples sobre o dorso dos cavalos, em vez de selas – que só seriam inventadas depois de 1000 d.C. – e que os estribos tenham surgido ainda mais tarde.
Heyd também diz que as representações antigas de cavaleiros do Egipto e da Mesopotâmia os mostram sentados muito mais atrás do que os cavaleiros da actualidade, com longas rédeas presas a um arnês na cabeça do cavalo.
“Acho que é uma característica da equitação da Idade do Bronze”, afirma “O cavaleiro tinha de se sentar mesmo na traseira do cavalo para se manter direito e conduzir o animal.”
Fim do caminho
O arqueólogo Kristian Kristiansen, da Universidade de Gotemburgo, que não participou no estudo, diz que as novas descobertas ajudam a resolver décadas de discussão sobre se os Yamnaya andavam a cavalo ou se limitavam a criá-los para aproveitar o seu leite e carne. “É um grande salto em frente depois de um longo impasse”, afirma.
Kristiansen, editor de um novo livro sobre os Yamnaya, diz ser provável que eles tenham começado a montar cavalos para gerirem melhor as suas manadas de gado, rebanhos de ovelhas e cabras e outros cavalos.
Embora os académicos tenham, em tempos, atribuído a rápida expansão dos Yamnaya às conquistas militares dos seus guerreiros montados a cavalo, estudos mais recentes sugerem que factores como o aumento da sua mobilidade tenham ter sido mais determinantes.
O antropólogo James Mallory, professor emérito da Queens University Belfast, que também não participou na investigação, diz que o estudo é “devidamente cauteloso” sobre o papel desempenhado pelos cavalos Yamnaya na guerra. “Mas este debate está longe de estar encerrado.”
Quer usassem ou não cavalos para combater, a capacidade dos Yamnaya para percorrer longas distâncias poderá ter desempenhado um papel na marca que deixaram nas línguas europeias. Crê-se que o idioma Yamnaya tenha moldado o vocabulário e gramática de toda a família das línguas indo-europeias, incluindo o grego e o latim, bem como as línguas germânicas eslavas e célticas.
Os linguistas crêem que as semelhanças entre certas palavras antigas, incluindo “mãe” e “pai” tiveram origem numa língua falada pelos Yamnaya, que os académicos reconstruíram e designaram proto-indo-europeu. Outra palavra reconstruída desta língua é éḱwos, que daria lugar a equus, a palavra latina para “cavalo”.