Os pescadores locais estão a sofrer”, diz Yamary Morales Torres, de 41 anos, olhando a rebentação que fustiga a costa sudeste de Porto Rico. Largando antes da alvorada, Yamary e os outros 14 pescadores do seu bairro têm de preparar as embarcações e equipamentos de pesca na escuridão. “Não há lugar para refrigerar o peixe capturado”, acrescenta ela. “Por isso, temos de vendê-lo imediatamente.”

No dia 20 de Setembro de 2017, o furacão Maria atingiu a ilha, nas proximidades de Playa El Negro, em Yabucoa, onde Yamary e a sua família alargada vivem. A tempestade provocou o corte da electricidade em toda a ilha – um território não incorporado dos Estados Unidos da América com 3,3 milhões de habitantes. Cinco meses mais tarde, este bairro, composto por apenas 14 casas ainda não dispunha de energia eléctrica e não existiam estimativas para a reposição desse bem essencial. 

Pescadora de terceira geração, Yamary vive com os pais na sua casa de betão arruinada. A casa ao lado quase foi arrasada pela tempestade. A sua irmã gémea, Yasmin, vive duas casas abaixo, ao lado de um irmão e da família deste. O bairro foi evacuado antes da tempestade, mas, por falta de alternativas, a família regressou a casa. “Agora, a vida é muito triste”, resume Yamary. “Mas não me vou embora.”

Esse espírito de resistência ajuda Porto Rico a reconstruir-se após a destruição maciça. O abastecimento de electricidade e de água foi retomado em poucas semanas nas maiores áreas urbanas, mas, quando a Primavera chegou, mais de cem mil residentes em zonas rurais, semelhantes a Playa El Negro, ainda estavam às escuras. Será necessário mais do que a determinação da população da ilha para se processar a recuperação total. 

O furacão Maria, a tempestade mais forte que se fez sentir em Porto Rico nos últimos 89 anos, fustigou a ilha com ventos ciclónicos. Pluviosidade incessante desencadeou cheias, arrastando pontes e inundando bairros inteiros. As infra-estruturas da ilha, já de si abaladas devido a longos anos de negligência, foram devastadas.

O abastecimento de água foi cortado à população. As comunicações permaneceram quase impossíveis durante dias. Os aeroportos foram encerrados, atrasando os esforços de recuperação, uma vez que os abastecimentos tinham de ser feitos por via aérea ou marítima. E a Agência Federal de Gestão de Emergências, o organismo encarregado do socorro em caso de catástrofes, foi sobrecarregada por mais dois furacões de grande dimensão incidindo sobre os EUA no mesmo mês.

Como resultado, registou-se o mais longo corte de energia na história dos EUA e muitas comunidades da ilha ficaram sem água canalizada durante meses. Os autoclismos não podiam ser despejados e não havia água para duches, banhos ou lavagem de roupa. Foi necessário proceder ao abastecimento racionado de água. Sem refrigeração, as provisões alimentares apodreceram e os medicamentos estragaram-se. Só os proprietários de geradores conseguiam alumiar a escuridão e, mesmo assim, durante escassas horas. Quanto a aparelhos de ar condicionado para alívio do calor insuportável, nem pensar! Ficaram comprometidas as comodidades que damos como garantidas. 

No dia 19 de Fevereiro, a electricidade regressou finalmente a um bairro nos arredores de Morovis, uma aldeia nas terras altas da região centro-norte da ilha. Quando as luzes se acenderam em sua casa, Marysol Rivera Rivas, de 51 anos, desatou aos pulos, abraçou os vizinhos e consumiu uma lata de cerveja. “É a primeira vez em cinco meses que conseguimos comemorar. Agora estamos vivos!”

Mesmo depois de o abastecimento de electricidade e de água ser retomado, ainda é preciso lidar com o rescaldo. “A tempestade destrói os alicerces da sociedade. Tudo o que dávamos por garantido desapareceu”, diz o psicólogo Domingo Marqués, da Universidade de Albizu. “Vemos gente ansiosa, deprimida, com medo.” Segundo estimativas de Domingo Marqués, 30 a 50% da população padece de stress pós-traumático, depressão ou ansiedade.

Mesmo assim, o psicólogo mostra-se optimista. “Vimos muita resistência. A população quer reconstruir”, diz. “Vamos ficar bem, mas não devemos tentar voltar à normalidade, porque a situação nunca mais será normal.”