Na véspera do Dia Europeu em Memória das Vítimas Ciganas do Holocausto de 2023 (criado em 2015 pelo Parlamento Europeu), ao prestar homenagem às vítimas Roma do nazismo, a presidente da Comissão Europeia lembrou que "a Europa tem o dever de proteger as suas minorias do racismo e da discriminação".

Anos antes da Segunda Guerra Mundial ter eclodido, os Roma estavam, com Judeus, pessoas com deficiência, gays, opositores ou gente de terras do leste da Europa como ucranianos ou polacos na lista do Partido Nazi como indesejáveis. Só em 1982, é que Helmut Kohl, na altura chanceler da República Federal da Alemanha, admitiu pela primeira vez que os Roma haviam sido alvo de um genocídio.

 

A PERSEGUIÇÃO NAZI

Se usamos erradamente Holocausto como um termo que abrange toda esta catástrofe humana (“Holocausto, significando “oferta ardente”, refere-se exclusivamente à perseguição dos Judeus), o acossamento dos Roma é conhecido por “Porajmos”, que significa “devorar”. Nos Balcãs é mais usado o termo “Samudaripen”, o “assassinato de todos” ou "assassínio em massa". Além dos Roma, outras comunidades com ligações próximas como os Sinti e os Kale foram também vítimas do Porajmos. Entre 1933 e 1945, estima-se que a Alemanha Nazi eliminou entre 250 mil e 500 mil elementos destas comunidades.

Havia antecedentes de perseguição aos Roma neste país: em 1899, por exemplo, a Polícia do Estado da Baviera formou um Secretariado dos Assuntos Ciganos para coordenar acções contra a comunidade. Vistos como párias, cujas “vidas não merecem ser vividas” (tradução da famosa divisa "Lebensunwertes Leben" anterior ao nazismo, mas popularizada por este regime), os Roma foram envolvidos no discurso eugénico, muito popular na primeira metade do século XX.

As teorias sobre raças superiores e inferiores não aceitavam como superior alguém que fosse menos claro do que a neve. Um estudo encomendado ao médico Robert Ritter em 1936 concluiu que embora tivessem origem pura, os “Ciganos” viajaram por tantos locais que o seu sangue estava impuro.

A polícia faz uma rusga a caravanas de Sinti e Roma no Inverno, em 1937.
Bundesarchiv

A polícia faz uma rusga a caravanas de Sinti e Roma no Inverno, em 1937. Fonte: Bundesarchiv

DETENÇÕES ANTERIORES À GUERRA

Em 1936, durante os famosos Jogos Olímpicos de Berlim, a Polícia da capital alemã recolheu a população Roma da cidade e prendeu-a num campo em Marzahn, onde permaneceu até ao fim do certame. Quem podia ir à cidade trabalhar… tinha de voltar à noite. Desde 1933 que Hitler ordenou a prisão de qualquer cidadão sem residência oficial – o que era uma armadilha óbvia para apanhar uma comunidade nómada – e em 1934, foi retirada a cidadania a qualquer Roma. Durante os anos seguintes, houve uma campanha de esterilização forçada de mulheres desta etnia.

Durante algum tempo, e como aconteceu com os Judeus, por exemplo, Hitler contemplou alternativas à eliminação física dos Roma. Tentou negociar com a Liga das Nações, uma organização transnacional criada nos rescaldo da Primeira Guerra Mundial com o objectivo de gerir os problemas políticos entre países, a transferência dos Roma vivendo na Alemanha para algumas ilhas da Polinésia. No entretanto, foram sendo transferidos para campos de contenção a partir de 1933, sob a justificação de não contaminarem a restante população alemã. É a fórmula clássica do genocídio: a redução de indivíduos a menos do que humanos; a separação destes da restante sociedade; a segregação organizada e sancionada pelo Estado; e um programa para impedir a concepção de mais indivíduos semelhantes. 

A SOLUÇÃO FINAL

Os Nazis aproveitaram-se do ressentimento da população alemã, mesmo os não-nazis, contra os “Zigeuner”, a palavra germânica pela qual os Roma eram tratados. Quando a solução polinésia ficou pelo caminho, outra apareceu, uma Solução Final. Em 1939, Reynhard Heydrich, o ideólogo dos planos nazis de extermínio que seriam postos em prática em larga escala a partir de 1942, depois da conferência de Oeschensee, planeou com o aparelho repressivo nazi a deportação imediata de 30.000 Roma alemães e austríacos para a Polónia. No entanto, o governador alemão da área ocupada, Hans Frank, recusou receber tal quantidade de indivíduos por motivos logísticos.

Reydrich decidiu então fazer o processo em partes mais pequenas, em grupos que permitissem uma eliminação mais sistemática e que desse espaço a novas vítimas. Foram encerrados em campos de trabalho forçado e muitos morreram sem condições mínimas de higiene, sem comida e entregues a tarefas hercúleas e desumanas. As câmaras de gás simplesmente terminavam com os que tinham força suficiente para sobreviver ao impossível.

Os Nazis foram mantendo a população Roma em campos temporários, agrupada, para melhor organizar o extermínio posterior. A partir de 1940, alguns destes campos estavam localizados junto de grandes cidades como Berlim ou Salzburgo. Os habitantes queixaram-se fortemente desta situação. Não porque a considerassem desumana, mas porque perturbava a saúde, a  moral e a segurança das populações. Estas queixas foram usadas pelos governos locais para reclamar a Hitler que acelerasse este processo de morte. 

O psiquiatra eugenista Robert Ritter
Bundesarchiv

O psiquiatra eugenista Robert Ritter (com pasta) e uma mulher idosa Sinti ou Roma (c. 1936-1940)

EXPULSÃO, COM EXCEPÇÕES

Heinrich Himmler, o líder da força paramilitar nazista Schutzstaffel (SS), acudiu a este apelo e ordenou então a deportação total dos Roma para fora do espaço alemão. Himmler colocou excepções: “ciganos de sangue puro”, aqueles que estavam integrados na sociedade alemã, “ciganos” casados com alemães ou, claro, os mais bem comportados e necessários ao esforço e trabalho de guerra.

No entanto, na confusão desta tarefa complexa, os responsáveis locais muitas vezes não tiveram em conta estas regras e quem era Roma ou associado foi deportado. Até soldados da Wehrmacht [forças armadas], que estavam de licença de férias em casa, descansando depois de meses de combate, foram presos também.

Um grande número foi directamente para Auschwitz, para uma secção à parte baptizada de “Campo de famílias ciganas”. No total, cerca de 23.000 Sinti e Roma forma enviados para Auschwitz, de acordo com o Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau. Aí foram alvos de todas as atrocidades e torturas que existiam neste campo concentração, como experiências médicas conduzidas por cientistas como Josef Mengele: aproximadamente 3.500 adolescentes e adultos Roma foram usados como cobaias humanas de actividades relacionadas com o teste de produtos médicos, armas militares ou simplesmente vivissecção para experimentar as teorias particulares de Mengele.

No caso dos Roma, há exemplos de vítimas que nem chegavam ao extermínio de locais como Treblinka ou Bergen-Belsen. Em 1941, por exemplo, cerca de 5.000 pessoas foram deportadas para Lodz, para um gueto dentro da cidade, segundo a Enciclopédia do Holocausto. Centenas morreram de febre tifóide nos primeiros meses e os que não tiveram este fim, foram levados para Chemno, onde as SS matou os sobreviventes dentro de carrinhas usando monóxido de carbono, para despachar a tarefa.

AS CONSEQUÊNCIAS DO PORAJMOS

Dentro de Auschwitz, os Roma foram morrendo das horrendas condições e assistindo à chegada de Romani de outras regiões só para serem eliminados. Em 1944, quando se tornou claro ao regime nazi que a maré da guerra estava a mudar, houve a decisão de eliminar todos os Roma. Elementos das SS rodearam o "Campo de famílias ciganas" e ordenaram aos presentes que saíssem das suas barracas. Determinados a resistir e cientes do que os esperava, os Roma recusaram-se, armando-se até com instrumentos de ferro para se oporem aos soldados. Incrivelmente, as SS retiraram… mas semanas depois, de surpresa, avançaram pelo Campo e mataram toda a gente, fosse através de fuzilamento, fosse durante os dias seguintes nas câmaras de gás. Virtualmente todos os Roma e Sinti de Auschwitz, incluindo crianças que tinham sido escondidas pelos pais para evitar o fim derradeiro mas chegaram a ser encontradas pelos soldados, foram executados.

Os Roma de outras regiões da Europa sofreram destinos semelhantes. Os Einsatzgruppen, unidades exclusivamente dedicadas à morte de indesejados das SS, eliminaram 30.000 Roma nos Países Bálticos; na Sérvia, calcula-se que até 12.000 tenham perecido; na Croácia, entre 15.000 e 20.000 indivíduos desapareceram; e o número de vítimas total, embora não possa ser calculado com exactidão por não sabermos quantos Romani existiam na Europa antes de 1933, coloca-se na já referida cifra máxima de meio milhão.

Memorial Park Bubanj
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Monumento "Três Punhos", enquadrado no Complexo Memorial de Bubanj, em Niš, cidade sérvia (à época jugoslava) que albergou também um campo de detenção nazi da Cruz Vermelha estabelecido com o propósito de prender dissidentes, rebeldes e grupos considerados "indesejáveis", como os Roma e os Judeus. Este complexo homenageia os mais de 10.000 cidadãos executados e baleados na floresta de Bubanj entre Fevereiro de 1942 e Setembro de 1944. Os três punhos da escultura de Ivan Sabolić representam os três grupos étnicos assassinados aqui – Roma, Judeus e Sérvios – e três elementos de uma família – uma mulher, um homem e uma criança. 

No pós-guerra, ao contrário dos Judeus, os Roma não foram considerados vítimas de crimes de ódio racial. Aliás, os muitos processos de reclamação e restituição por parte de cidadãos Roma em tribunais alemães foram negados porque, segundo a justiça alemã, as prisões haviam sigo legítimas porque todos eram criminosos ou suspeitos criminais. Só em 1965 o Governo Alemão reabriu a porta à possibilidade de indemnizações às vítimas, aceitando que as vítimas de 1943 tinham sido alvo de perseguição racial. No entanto, por esta altura, muitos dos sobreviventes já tinham morrido.

Em 1982, Helmut Kohl, na altura chanceler da República Federal da Alemanha, admitiu pela primeira vez que os Roma haviam sido alvo de um genocídio.