Só no ano passado, escavações realizadas na antiga cidade romana de Pompeia desenterraram uma lavandaria com 2.000 anos, um quarto usado por escravos e um fresco retratando uma proto-pizza (embora sem tomate, pois esse só chegaria à Europa pelo menos dez séculos mais tarde).
No entanto, nenhuma dessas descobertas ocorreu nas novas escavações realizadas na camada de cinzas com seis metros de altura que cobriu a cidade após a erupção do Monte Vesúvio no ano 79 d.C. Durante décadas, o governo italiano aplicou uma moratória a quaisquer novas escavações em Pompeia. Isso significa que a maioria das descobertas são subprodutos de trabalhos para preservar e restaurar o que já foi desenterrado, diz Steven Ellis, professor de arqueologia romana na Universidade de Cincinnati, que trabalhou nas escavações do bairro de Porta Sabia, em Pompeia.
“Quando escavaram [a cidade], criaram uma espécie de falésia nos resíduos vulcânicos”, diz Ellis, acrescentando que ocorreram aluimentos e desabamentos em áreas previamente escavadas, desencadeando protestos a nível internacional. “Por isso, estão a restaurá-las e consolidá-las e, para isso, escavaram um pouco junto do limiar.”
Pompeia ainda tem muitos segredos por revelar. As estimativas variam, mas crê-se que entre 15 e 25 por cento da cidade permaneça coberta. Para muitos arqueólogos, porém, a questão não é tanto aquilo que falta descobrir, mas se deveriam continuar a escavar.
“Já temos uma quantidade suficiente de Pompeia [escavada] para o grande público. Temos Pompeia suficiente para a comunidade académica conseguir aprender alguma coisa”, disse Ellis. “Aquilo que deveríamos estar a fazer é mantê-la o mais bem preservada possível para o futuro.”
LORENZO MOSCIA, ARCHIVOLATINO/REDUX
Uma vista tranquila de Pompeia num dia de tempestade. A melhor forma de atrair turistas com novas descobertas e proteger, simultaneamente, a cidade antiga continua a ser um ponto de fricção na política italiana.
Terras agrícolas suburbanas
Não existia zoneamento na antiga cidade romana e a maior parte das lojas e áreas comerciais estavam concentradas em torno das ruas principais, muitas das quais já foram exploradas, diz Eric Poehler, professor de história clássica na Universidade de Massachusetts-Amherst, que já trabalhou no terreno em Pompeia. Avançando para Leste, porém, a densidade populacional e a utilização da terra diminuem e existem ali parcelas de terra, sobretudo na zona Sudeste da cidade, que permanecem relativamente intocadas.
Em vez de pátios traseiros com grandes jardins com topiária, estátuas e colunas, como se vê nas zonas mais povoadas e abastadas da cidade, Poehler suspeita que a zona oriental se assemelhe mais a terras agrícolas. “Deveríamos esperar algo mais semelhante a grandes quintais que poderiam até estar plantados com culturas comerciais e não apenas para lazer”, diz.
Poehler também observa que os arqueólogos menosprezaram muita informação em áreas previamente escavadas. Os especialistas esperam encontrar mais artefactos do dia-a-dia, pinturas e vítimas da erupção vulcânica.
Regressar a essas áreas ainda não escavadas com nova e melhor tecnologia poderá dar origem a descobertas tão excitantes como escavar novos sítios sem pôr em risco a cidade – e a possibilidade de as próximas gerações a conhecerem, acrescenta Ellis.
No passado, por exemplo, quaisquer frescos ou peças de cerâmica partidos ou incompletos teriam sido descartados. Agora, robôs estão a ajudar os arqueólogos a reconstituí-los e um novo tipo de LiDar pode registar os espaços em três dimensões, afirma Ellis.
“Tínhamos fotografias, mas nunca eram suficientes”, comenta. “Agora temos estes modelos 3D, graças aos quais podemos, basicamente, regressar a qualquer momento da nossa escavação e ver aquele espaço.”
Poehler, que ajudou a desenvolver o Pompeii Bibliography and Mapping Project, também menciona as tecnologias que permitem visualizar melhor Pompeia. Ele está actualmente a trabalhar no Pompeii Artistic Landscape Project, que permitirá aos utilizadores da Internet procurarem qualquer item pintado numa parede de Pompeia – desde uma proto-pizza a um Cupido — que totaliza em 87.075.
“Aquilo que este novo trabalho está a fazer por nós é dar-nos uma oportunidade de revisitarmos, neste instante, 200 anos de história de escavações”, diz Ellis. “Conseguimos, efectivamente, ver Pompeia em melhores condições. Conseguimos escavar de formas mais interessantes e mais modernas.”
Parte da cidade, porém, já foi engolida pelo tempo. Em 2014, por exemplo, dias de chuvas fortes causaram três desabamentos em apenas três dias em Pompeia: um túmulo, um arco no Templo de Vénus e a parede de uma oficina.
Antes disso, em 2010, a casa dos gladiadores, ou Schola Armarturarum, desabou, provavelmente devido a trabalhos de restauro realizados nas décadas de 1940 e 1950. A destruição do edifício, um dos mais aclamados de Pompeia, foi uma das razões pelas quais a UNESCO ameaçou tirar a cidade da sua cobiçada lista do Património Mundial. (Anos mais tarde, a organização decidiu manter o estatuto de Pompeia após esforços de restauro significativos.)
As escavações que podem ter contribuído para esses acontecimentos não foram necessariamente mal feitas. Os processos e a tecnologia evoluem à medida que o tempo passa, contribuindo para a ideia de que os arqueólogos podem querer desacelerar um pouco os seus esforços.
“Há que avaliar o custo da oportunidade de escavar muito hoje porque amanhã poderemos ter mais aptidões, melhores ferramentas, informação, tecnologias e capacidades físicas”, diz Eric Poehler. “E, se o fizermos hoje, roubamo-nos a nós próprios a oportunidade de o fazermos no futuro.”
DAVID HISER, NAT GEO IMAGE COLLECTION
Um artesão restaura um mosaico com 2.000 anos no hall de entrada da Casa de Paquius Proculus, em Pompeia. Entre 15 e 25 por cento da antiga cidade permanece por escavar.
‘Deslumbramento e surpresa’
A Itália já promoveu vários esforços para preservar e restaurar aquilo que já foi desenterrado na cidade. O Great Pompeii Project, que começou em 2012 como uma iniciativa conjunta com a União Europeia, gastou 105 milhões de euros para consolidar barrancos, restaurar paredes e proteger estruturas da exposição aos elementos, entre outros objectivos. O projecto terminou em Dezembro de 2019, mas a melhor forma de atrair turistas com novas descobertas e proteger, simultaneamente, a cidade antiga continua a ser um ponto de fricção na política italiana.
As descobertas feitas durante o projecto de restauro poderão ser igualmente fascinantes. Os trabalhos realizados para melhorar a estabilidade da Região V (Pompeia tem nove regiões no total) em 2018 revelaram frescos, incluindo um junto à Casa do Casamento Prateado, um exemplo majestoso de como a aristocracia vivia, onde existe uma pintura de um par de golfinhos.
Mais tarde, nesse mesmo ano, os arqueólogos desenterraram aquilo a que chamaram o “Jardim Encantado”, um lararium luxuriantemente decorado, ou a zona da casa reservada para funcionar como santuário dos deuses, onde se encontra um homem com uma cabeça de cão – uma possível alusão ao deus egípcio Anúbis.
“Uma das coisas com as quais podemos contar sempre que pensamos em escavar Pompeia ou espreitar por baixo do seu solo é deslumbramento e surpresa”, diz Poehler. “Vamos encontrar peças absolutamente maravilhosas e vislumbres do passado a cada pá cheia de terra que removermos.”