Os dados globais revelam que estamos longe de cumprir a abolição plena da pena de morte. Senão, vejamos: praticamente todos os continentes do mundo – a Antárctica é uma excepção – tem inscrita esta sentença na lei e 55 países ainda a aplicam de acordo com a Amnistia Internacional. Se olharmos, por exemplo, para as pelo menos 883 execuções registadas em 2022 em 20 países, a China lidera. Logo a seguir, por ordem decrescente, encontramos o Irão, a Arábia Saudita, o Egipto e os Estados Unidos da América.
Uma boa notícia: Cazaquistão, Papua Nova Guiné, Serra Leoa e República Centro-Africana juntaram-se em 2022 aos 108 países que já tinham decretado a morte a esta prática para todos os crimes por via legal. São agora 112 os países oficialmente livres da pena de morte.
É preciso ressalvar ainda que nalguns casos ela existe no papel, mas não é aplicada há décadas. Na Oceânia, por exemplo, Tonga ainda pode aplicar tecnicamente essa punição, mas não a usa e, na prática, é até considerado um país abolicionista.
as últimas execuções NA EUROPA
Existe uma ideia de que no Velho Continente a pena de morte pertence a um passado muito longínquo, associando nós esta realidade a continentes como Ásia ou África. Porém, ainda neste ano um país europeu promulgou uma lei que permite que a "alta traição por parte de funcionários do Estado" resulte numa execução... mas já lá vamos.
Em 1977, França guilhotinou o tunisino Hamida Djandoubi em Marselha pelo crime de homicídio qualificado. Até à pena ser retirada da lei em 1981, por François Mitterrand, havia pelo menos um outro homem no corredor da morte, esperando o mesmo fim. A última execução pública, também por decapitação, tinha acontecido em 1939.
DOMÍNIO PÚBLICO
Fotografia antropométrica do alemão Eugène Weidmann (1908 - 1939), o último criminoso a ser executado publicamente (com recurso à guilhotina) em França.
Actualmente, o único país europeu a incluir este castigo na sua lei é a Bielorrússia. Em 2021, uma execução e uma sentença de pena de morte foram assinaladas na pátria do ditador Aleksandr Lukashenko. Ainda que os registos sejam raros, as execuções são efectuadas com um único tiro na nuca, avançava a Reuters em Março deste ano. Na altura, uma "medida de prevenção" inscrita na lei era dirigida a pessoal militar e a oficiais do estado: "Crimes de orientação extremista (terrorista) e anti-estatal" seriam punidos desta forma, postulava a nova lei. Aviso dado e recebido, em plena invasão à Ucrânia decidida por Vladimir Putin, o grande aliado de Lukashenko.
Há, contudo, outras nações com credenciais democráticas firmadas que riscaram a pena máxima de morte muito mais tarde do que provavelmente imagina. A Bélgica, por exemplo, fê-lo em 1996 – ainda que a última execução no país tenha decorrido quarenta e seis anos antes e hoje esteja na linha da frente da abolição total desta prática. Também a Grécia, o berço da democracia, apenas retirou a pena de morte da legislação em 2004 e a inofensiva Letónia fê-lo em 2012, executando ainda criminosos em 1996.
Se quisermos fazer um exercício mais transversal, descobriremos um número assinalável de países que se viram livres da pena de morte apenas no século XXI: a Albânia, em 2007; a Bósnia-Herzegovina, em 2019; o Chipre, em 2002; o Kosovo, em 2008; a Moldávia, em 2005; e se quisermos ser muito técnicos, os Países Baixos apenas a aboliram em 2010, quando ela se tornou ilegal em todos os seus territórios fora da Europa. Em praticamente todos estes casos, tal deveu-se à necessidade de cumprir os critérios de adesão à União Europeia.
O CASO DE PORTUGAL
Mesmo Portugal, que é sempre anunciado como o primeiro país europeu a abolir a pena de morte em 1867, só o fez para crimes civis. Até 1976, data em que o Código de Justiça Militar também retirou esta pena da sua lista de punições, o código penal português permitia a execução por outro tipo de crimes. A última aconteceu no dia 16 de Setembro de 1917, quando o soldado João Ferreira de Almeida, que pertencia ao Corpo Expedicionário Português durante a Primeira Guerra Mundial, viu-lhe ser aplicada a pena por alegadamente tentar passar-se para o lado do inimigo. Foi fuzilado em França, em Pas-de-Calais, por um pelotão de 11 homens. Embora tecnicamente não tenha sido em território português, foi por regras judiciais portuguesas.
Em solo nacional, a última execução decorreu em 1846, em Lagos. José Joaquim matou a criada de um padrinho a tiro e, por isso, foi enforcado.
ALGUMAS AMBIGUIDADES
Nesta matéria, a linearidade não faz escola. Há países que, embora não sejam abolicionistas legalmente, na prática não são. Na Nigéria, por exemplo, os estados a Sul respeitam uma moratória geral que tenta compulsivamente não aplicar essa pena, embora ela esteja contemplada na lei. Mas nos estados mais a Norte, alguns onde vigora a sharia, há execuções ainda a acontecer.
Dos 55 países onde a pena de morte existe, legalmente e na prática, quantos é que executaram criminosos em 2022, no ano passado? Se contarmos apenas execuções judiciais – é preciso notar que função dos seus regimes, há algumas nações que não mantêm este registo e nalguns casos, muitas execuções são feitas à margem da lei e sem julgamentos –, 21 países usaram essa pena na prática. A maior parte deles (dez países em África) encontra-se na segunda metade da tabela do Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas.
Os EUA, ainda com seis estados em 50 a permitir esta prática, também a aplicaram em 2022... 18 vezes. Outros países considerados desenvolvidos, como o Japão ou Singapura, também já o fizeram nesta década, ainda que em menor número.
Na generalidade, a aplicação da pena de morte continua mais uma excepção do que uma regra. Ainda que persista em leis nacionais, há um quase-consenso não escrito em não utilizá-la. Porém, a sua erradicação ainda está longe do fim.