Parte pedra, parte mito, parte tesouro. Por que motivo um dos artefactos mais enigmáticos da Europa – roubado duas vezes, danificado repetidamente, mitificado interminavelmente e disputado ao longo de sete séculos – volta a ser falado em vésperas da coroação de Carlos III?

Quando neste sábado o rei Carlos III do Reino Unido for coroado em Londres, sentar-se-á numa cadeira antiga que aloja uma pedra com 150 quilogramas envolta em mistério. Utilizada nas coroações britânicas desde finais do século XIV, as origens e a idade da Pedra do Destino permanecem desconhecidas.

Segundo a lenda, esta laje rectangular é originária da Palestina de há 3.000 anos, mas os cientistas acham provável que seja da Escócia. A pedra é um dos tesouros mais preciosos desta nação, onde foi durante muito tempo usada para coroar os reis escoceses. Em 1296 foi roubada por Inglaterra.

Até 1996, data em que foi finalmente devolvida à Escócia, a pedra residia na Abadia de Westminster, em Londres, onde irá agora reaparecer para a grande coroação de Carlos. Pouco depois, a pedra regressará à sua casa actual: o castelo de Edimburgo, na Escócia.

Os turistas que visitam esta magnífica fortaleza, que paira sobre a cidade do alto de uma colina, vêem a pedra na Sala do Trono do castelo. Também podem ajoelhar-se sobre uma réplica no magnífico Scone Palace, situado 53 quilómetros a norte de Edimburgo, onde a pedra original fez parte das coroações escocesas durante séculos.

Coroação do Rei Carlos III lua cheia

A lua cheia nasce atrás do Castelo de Edimburgo, na Escócia, onde a Pedra do Destino é mantida quando não é usada para as coroações britânicas. Fotografia de Jane Barlow, Pa Images/Getty Images.

Em Edimburgo, Scone e Westminster, os visitantes estabelecem uma breve ligação com o duradouro enigma de um artefacto que foi roubado duas vezes, danificado repetidamente, mitificado interminavelmente e disputado ao longo de sete séculos.

Rocha lendária

Um mito duradouro atribui à pedra uma história ainda mais antiga. Esta lenda diz que foi usada como almofada pelo bíblico Jacó, há mais de três milénios, antes de ser levada da Palestina para o Egipto e depois para Itália, Espanha e Irlanda, onde foi apreendida por escoceses celtas.

No entanto, a Pedra, que é de arenito, “não poderia ter sido a almofada de Jacó, pois essa seria de calcário”, o leito rochoso da Terra Santa, afirma o arqueólogo britânico David Breeze, co-autor do livro “The Stone of Destiny: Artefact and Icon”.

Depois de conquistar a Escócia em 1296, o rei Eduardo levou a pedra para a Abadia de Westminster. “Mais tarde, foi inserida na cadeira do rei Eduardo, na qual todos os soberanos ingleses e britânicos têm sido coroados desde finais do século XIV”, diz a historiadora real britânica Tracy Borman.

Coroação do Rei Carlos III

Elizabeth II senta-se no trono durante a sua cerimónia de coroação na Abadia de Westminster, a 2 de junho de 1953. Três anos antes da coroação, a Pedra do Destino foi roubada e levada para a Abadia de Arbroath, ao norte de Edimburgo. Fotografia por Fox Photos, Hulton Archive/Getty Images.

Roubando a pedra

A última vez que a pedra foi chamada a exercer os seus poderes de coroação foi na coroação da rainha Isabel II, em 1953. Contudo, quase faltou a esse evento devido a um golpe bizarro ocorrido três anos antes, envolvendo a cidade escocesa de Arbroath. A pedra foi roubada de Westminster, onde decorriam todas as coroações britânicas desde 1066, e apareceu na abadia de Arbroath, do século XII, situada a cerca de 130 quilómetros a norte de Edimburgo.

Este golpe extraordinário não foi obra de ladrões profissionais, diz Borman, mas um trabalho tosco realizado por quatro estudantes escoceses. Eles invadiram a icónica Abadia de Westminster, arrastaram a pedra pelo chão e fugiram com ela de carro.

“Após algumas negociações entre os governos escocês e inglês, foi levada para Londres, onde chegou a tempo da coroação da rainha Isabel II”, explica Borman. “Depois, em 1996, no meio do crescente apoio pela independência da Escócia, o primeiro-ministro britânico da altura, John Major, anunciou que a pedra deveria ficar guardada na Escócia quando não estivesse a ser utilizada para coroações”.

Ao regressar à Escócia, uma investigação científica determinou que a geologia da pedra era local, diz Dauvit Broun, professor de História da Escócia da Universidade de Glasgow. “Foi sugerido que seria o mesmo tipo de pedra que se encontra nos arredores de Scone”, observa Broun.

Ligação a reis

Contudo, nem a ciência de ponta consegue descodificar inteiramente a pedra, diz Ewan Hyslop, coordenador de investigação e alterações climáticas no Historic Environment Scotland (HES). Este mês, o HES concluiu um estudo que envolveu modelação 3D e exames de raios X e forneceu mais provas a favor de a pedra ser originária de Scone. Apesar disso, Hyslop reconhece que ainda não têm todas as respostas.

Coroação do Rei Carlos III

A Pedra do Destino repousa dentro da Cadeira da Coroação na Abadia de Westminster, que é usada para coroações reais desde o século XIV. Fotografia de Sean Dempsey, Pa Images/Getty Image.

Para além da proveniência da pedra, as suas primeiras utilizações também estão envoltas em mistério. Os investigadores ainda não conseguiram determinar a primeira vez em que foi associada às coroações, diz Kathy Richmond, coordenadora de colecções e conservação aplicada do HES.

“Mas as lendas em torno da sua origem ligam-na fortemente à realeza e ao aparecimento da Escócia como nação”, afirma. “Fontes cronísticas, como a ‘Scotichronicon’, confirmam a realização de cerimónias de coroação em Scone pelo menos desde finais do século IX”.

O mito também gravou uma mensagem poderosa na superfície da pedra. O cronista escocês John of Fourdon, do século XIV, afirmava que, antes de ser apreendida pelos ingleses, tinha as seguintes palavras escritas: “Enquanto o destino for justo, onde esta Pedra estiver, os Escoceses reinarão”.

Durante muitos séculos o destino foi duro. Agora, porém, a Pedra do Destino encontra-se novamente no melhor castelo da Escócia – quando não está em Londres, imersa na glória reflectida de uma coroação.

A saber:

Castelo de Edimburgo – A partir de Junho, a Pedra do Destino estará novamente exposta na Sala do Trono. A atracção mais visitada da Escócia, esta fortaleza está repleta de turistas ao longo de todo o ano, sendo recomendável a aquisição prévia de bilhetes online. Preços: cerca de 22 euros, bilhete para adulto; cerca de 3,6 euros por um guia áudio (opcional).

Scone Palace – As visitas guiadas ao pomposo interior do Scone Palace custam 20 euros por adulto e explicam que o local está ligado à realeza escocesa há mais de mil anos. Os turistas também podem limitar-se a passear pela enorme propriedade do palácio por 12,75 euros.

Abadia de Westminster – Conheça o interior da antiga casa da Pedra do Destino, a Abadia de Westminster, que reabre ao público a 8 de Maio, dois dias após a coroação de Carlos. Reserve o seu bilhete online e prepare-se para enfrentar longas filas entre Maio e Agosto, sobretudo entre as 9h00 e as 12h00. Preço: 30 euros por adulto.

Abadia de Arbroath – De momento, não é possível visitar o interior da abadia, devido a obras de manutenção, mas pode passear na propriedade e conhecer o centro de visitantes, que aloja uma exposição sobre a sua história. Preço: 5,46 euros por adulto.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com

Mais Sobre...
Actualidade