Excepcionalmente bela, frívola, mas também generosa e leal, Paulina desafiou as convenções da época e a autoridade do irmão Napoleão, coleccionando amantes e aventuras.

Segundo Napoleão, a sua irmã Paulina foi “a mulher mais bela do seu tempo e a melhor das criaturas que viveu”.

Não lhe faltavam razões para legitimar tal conclusão. A sua beleza ficou sobejamente reflectida por artistas como o escultor Canova ou por pintores como Benoist ou Lefèvre. Do seu humor leal e generoso, dá fé a sua vontade de o acompanhar no primeiro desterro para Elba e das muitas cartas com as quais aliviou os seus anos de solidão e exílio em Santa Helena.

A vida de Paulina Bonaparte teve muitas aventuras. Nasceu no dia 20 de Outubro de 1780 em Ajácio (Córsega), a sexta dos oito filhos do advogado e político Charles Marie Bonaparte e Maria Letícia Ramolino. As veleidades políticas do pai, implicado na causa nacionalista da Córsega, afectaram a situação económica da família.

Em 1793, depois de Napoleão chocar com o líder nacionalista corso Pasquale Paoli, a sua família foi expulsa da ilha e instalou-se em Marselha. Foi seguramente o prestígio militar adquirido por Bonaparte que facilitou a ascensão social da família e que permitiu esquecer toda a penúria económica para se juntar à alta sociedade da Provença.

Paulina e os banhos de leite

Banhos de leite diários. As extravagâncias de Paulina Bonaparte transformaram-na numa fonte de rumores em Paris, gerando comentários escandalizados pelas suas excentricidades. Dizia-se que tomava diariamente banho com leite para branquear a pele ou que recebia as suas visitas coberta unicamente com um subtil penteador. Também se comentava que mandava perfurar os tectos das casas onde se alojava (fossem ou não a sua residência) para improvisar um duche sobre o seu quarto. O maior rumor era aquele que garantia que ela aquecia os pés nos decotes de duas mulatas que trouxera do Haiti. Na imagem, Paulina Bonaparte perto de um busto do irmão Napoleão. Retrato de Robert Lefévre. Palácio de Versalhes.

Apesar da sua juventude, Paulina já frequentava os salões na companhia dos amigos do irmão. Depois de um fracassado idílio com Junot, Napoleão chamou-a para ficar ao seu lado em Milão, rompendo assim a sua relação com o veterano revolucionário Louis Marie Stanislas Fréron. Na cidade italiana, conheceu Charles Leclerc, um dos homens de confiança do futuro imperador. Com o seu beneplácito, casaram-se no dia 14 de Junho de 1797 e, um ano depois, nasceu o único filho do casal, Dermide. O casamento não impediu que Paulina prosseguisse a espiral de festas e frivolidades na qual tudo indica que não se destacava pela fidelidade ao marido.

Uma apaixonada errante

1797 - Aos 16 anos, Paulina Bonaparte casa-se com o general Leclerc. Um ano depois, nasce o primeiro filho do casal.

1802 - Acompanha o marido ao Haiti, onde este tem de extinguir uma revolta e acaba por morrer vítima de febre-amarela.

1803 - Transfere-se para Roma depois de contrair matrimónio com Camilo Borghese. Vai atraiçoá-lo com vários amantes.

1815 - Depois do desterro de Napoleão em Santa Helena, regressa a Roma, mas não lhe é permitido visitar o irmão.

1825 - Pouco depois de se reconciliar com o seu marido, Paulina morre vítima de um cancro fulminante.

Primeira-dama do Haiti

Em 1801, Napoleão decidiu reprimir o levantamento de insurgentes no Haiti, liderado por Toussaint Louverture. Para tal, enviou para as Caraíbas o seu cunhado Leclerc e 20 mil soldados. Contra sua vontade, Paulina teve de acompanhar o marido, juntamente com o pequeno Dermide. Uma vez em Port-au-Prince, a capital da ilha, soube brilhar como já fizera em Paris nos seus primeiros tempos de recém-casada. De festa em festa, sem ter de suportar o olhar crítico do irmão, transformou-se no eixo da vida social da colónia francesa.

Muito diferente foi a situação de Leclerc, que não só encontrou grandes dificuldades para reprimir a rebelião, mas também teve de contemplar, impotente, a mortandade provocada pela febre-amarela no seio das suas tropas. Foi a primeira vez que Paulina teve oportunidade de mostrar o seu bom coração. Transformou a sua mansão num hospital de campanha, colocou-se à frente do mesmo e obrigou os amigos que tinham frequentado os seus salões a ajudar na causa. No entanto, a tragédia tocar-lhe-ia de de perto. Em Novembro de 1802, Leclerc foi infectado e morreu. Paulina regressou a França com Dermide e o corpo embalsamado do marido.

Depois de organizar as exéquias fúnebres em memória do marido, Paulina aguardou o tempo necessário exigido pelo protocolo, mas não seria uma viúva eternamente em luto e não demorou a dar início a uma extensa colecção de amantes entre os quais se contou François Talma, um actor muito popular na época em Paris. A notícia do caso provocou um escândalo em Paris.

Um príncipe italiano

Por aquela altura, Napoleão já empreendera a sua campanha para constituir um império. Consciente de que para atingir os seus objectivos era necessário manter uma reputação intocável, viu na conduta de Paulina um obstáculo a ter em conta. Com a intenção de cortar a escandalosa trajectória amorosa da irmã pela raiz, decidiu encontrar-lhe um marido.

Pensava que, com isso, refrearia os impulsos da irmã e lhe conferiria uma certa respeitabilidade. E se, além disso, o casamento a afastasse de Paris, melhor ainda.

No horizonte, perfilou-se a figura do príncipe Camilo Borghese, um jovem de 28 anos residente em Roma e dono de uma enorme fortuna.

Villa Paulina

Villa Paulina. Foi a residência de Paulina Bonaparte em Roma. Hoje, é a embaixada francesa na Santa Sé. Fotografia de Raffaello Bencini / Alinari / Age Fotostock.

O acordo pareceu satisfazer Bonaparte, já que garantia à sua irmã o tratamento de principesssa, uma pensão anual de 70 mil francos, propriedades e um amplo pessoal de serviço à sua disposição. Paulina não estava disposta a abandonar Paris, mas a autoridade de Napoleão não se discutia e, depois da boda, a nova princesa recebeu ordem de transferência imediata para Roma nos seguintes termos: “Senhora princesa Borghese: aproxima-se a má estação. Os Alpes cobrir-se-ão de gelo, pelo que devereis iniciar a viagem para Roma. Rogo-lhe, uma vez ali, que nos distingais com a vossa doçura. Espera-se mais de vós do que de qualquer outra pessoa. Deveis adaptar-vos aos costumes do novo país e jamais pronunciar a frase: ‘Em Paris, isto é melhor’.”

Casos amorosos em Roma

Na Cidade Eterna, Paulina regressou aos casos amorosos e à diversão que deixara em Paris. Borghese aceitou tal comprometimento sem resistência. O príncipe tinha consciência de que não lhe conseguiria dar o que ela tanto parecia necessitar. A razão era simples: apesar da sua juventude, Camilo Borghese era impotente.

A vida de Paulina em Itália foi ensombrada pela morte do seu filho Dermide que, por essa altura, tinha 6 anos. O menino morreu de febre e convulsões e Paulina culpou Borghese. Em breve, a irmã de Napoleão iniciaria nova relação com um pintor nobre de origem provençal, Auguste de Forbin. A relação entre ambos parecia ser a de um mecenas e do seu artista até a princesa Borghese fugir com o seu protegido para os seus domínios em França.

O marido enganado apelou a Napoleão, que colocou um ponto final no romance chamando Forbin para perto de si e concedendo-lhe o título de barão do Império. Ao mesmo tempo, escreveu a Paulina:“Se te obstinas a levar esse tipo de vida, não contes comigo. Não te acolherei sem que antes cesses as desavenças com o teu marido. Põe-te de acordo com o príncipe e procura viver tal como exige o meu nome e a tua linhagem.”

Paulina desobedeceu-lhe. Finalizado o seu casamento com Borghese, possivelmente sentindo-se ainda mais livre, Paulina aumentou a lista de amantes: um director de orquestra, Félix Blangini; um comandante dos hussardos, Armand de Canouville; um capitão dos dragões, Achille Torteau de Septeuil; um militar, o major Duchaud… Até que um dia, o único homem ao qual Paulina tinha sido fiel, o seu irmão Napoleão, precisou dela.

Entregue ao imperador

Depois da ocupação de Paris pelos seus inimigos em 1814, Napoleão foi desterrado para a ilha de Elba. Aqueles a quem tinha levado à glória, incluindo os seus próprios familiares,pareciam tê-lo esquecido e apenas Paulina o visitou no exílio. Quando Napoleão fugiu de Elba e regressou a Paris, a sua irmã não teve qualquer dúvida em entregar os valiosos diamantes Borghese para financiar a campanha de Waterloo. A seguir, quando a derrota já era incontestável, Paulina insistiu perante Matternich para que lhe permitisse partilhar com Napoleão o exílio em Santa Helena, mas não teve permissão para tal.

Depois da morte de Bonaparte em 1821, Paulina conseguiu a mediação do papa para que Camilo Borghese lhe concedesse o perdão. Retirada na sua mansão de Roma, parecia ter esquecido todo o tipo de frivolidade até um cancro fulminante encurtar a sua vida. Tinha somente 44 anos. Pedira para ser enterrada junto do seu primeiro marido e do seu filho Dermide em França, mas Borghese decidiu sepultá-la no panteão familiar da basílica romana de Santa Maria Maggiore. Ali, entre papas e príncipes, descansa eternamente a Vénus vitoriosa que Canova imortalizou.

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