Os gregos antigos chamavam paideia ao longo processo de formação dos futuros cidadãos, que funcionava como a aquisição de conhecimentos e treino para determinadas aptidões. A ideia de base era que, sem educação, não poderia haver cultura e sem cultura não era concebível um exercício modelar da cidadania, que incluía uma participação influente nos órgãos políticos da democracia directa e uma prestação militar praticamente vitalícia.
O ideal da paideia era obter a areté, a excelência publicamente reconhecida nessas facetas, com atenção à forma física do corpo e ao aperfeiçoamento da alma. Em termos competitivos, a areté contida na paideia deveria ser um fundamento da liderança.
No entanto, não convém exagerar a importância que a educação teria na vida política das cidades gregas. Por exemplo, não era necessário saber ler ou escrever para participar na assembleia, fazer parte do conselho, exercer a magistratura ou participar num júri popular. O princípio básico da democracia ateniense era que todos esses cargos fossem preenchidos por sorteio entre todos os cidadãos e que se pudesse cobrar um salário por desempenhá-los. Para redigir e ler os documentos, havia secretários que eram escravos públicos, isto é, trabalhadores fixos. Os iletrados poderiam sempre pedir a outro cidadão que escrevesse num óstraco ou fragmento de cerâmica o nome do compatriota que se queria desterrar.
Por outro lado, muitos cidadãos precisavam dos filhos e das filhas como força de trabalho desde muito cedo e a escola era paga. Embora não nos tenham chegado percentagens minimamente fiáveis sobre a alfabetização na Grécia Antiga, podemos partir do princípio que a paideia propriamente dita deixava de fora a maioria dos cidadãos. É legítimo pressupor que o nível económico era determinante para estabelecer esse limite.
Primeiros anos
Até cerca dos 7 anos, meninos e meninas eram educados no ambiente doméstico. Ali recebiam a influência das mulheres da casa, de algum escravo e até do avô paterno, já livre de responsabilidades. O chefe de família era o pai, um cidadão com mais de 30 anos que, no entanto, pouco se envolvia na vida familiar. Por norma, estava fora a trabalhar, ocupando-se dos assuntos públicos ou em campanhas militares. Num modelo homossocial em que as mulheres passavam o tempo com mulheres e os homens com homens, o lazer também reunia os homens fora de casa ou no androceu, os aposentos destinados a esses encontros.
Enquanto a menina crescia à sombra da figura materna, o menino não dispunha da paterna. A instituição da pederastia substituía a função iniciática do pai com os filhos varões. O adolescente ligava-se a um homem já adulto que o inseria no contexto civil e militar masculino, servindo de mentor e protector, mas numa relação de amante e amado.
Importa destacar que essa instituição grega de origem aristocrática não era bem vista oficialmente na democracia ateniense.
Apesar de a educação ser dirigida quase exclusivamente à formação do cidadão, a polis ou cidade-estado não se encarregava de organizá-la e financiá-la (excepto no caso de Esparta). Não existiam programas escolares nem manuais de ensino, embora tivesse lugar uma inspecção das actividades. Não havia exames, mas muitas competições. O espírito agonístico e a luta por ser o melhor criavam estímulos importantes, apesar de também não faltarem as palmadas.
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O documento mais antigo sobre uma escola grega é uma taça ática de finais do século VI a.C., conservada em Munique, que contém duas cenas que falam por si. Em ambas aparece o professor, cujo nome Didaskalos designava também o mestre/instrutor de um coro de canto e dança, como aquele representado num célebre unguentário espartano. Tendo em conta o valor didáctico que em geral se reconhece a essas actividades infantis, é pertinente procurar aí a origem das escolas.
A educação dos rapazes
Em todo o caso, esse ensino primário combinava a aprendizagem das letras (a gramática) com as diferentes variedades musicais e com o atletismo. Uma tabuinha votiva encontrada em Corinto representa crianças a tocar lira e flauta num ritual e sabemos, pelo testemunho do político ateniense Alcibíades, que na escola se aprendia a lutar. Tudo isto completava-se com a iniciação à matemática, que estava dividida em dois ramos: a aritmética, ou estudo dos números, e a geometria, que abordava as relações espaciais.
Um dos escravos da casa, a maior parte das vezes um ancião que não podia efectuar trabalhos mais duros, acompanhava o menino até à escola e permanecia ali até ser altura de regressar. Esta personagem, o paidagogos ou pedagogo, era responsável por garantir a integridade do jovem e controlava os seus trabalhos de casa.
Também lhe inculcava boas maneiras: andar bem na rua e com os olhos baixos, usar o manto correctamente, sentar-se sem cruzar as pernas e sem segurar o queixo com a mão, manter-se em silêncio, não ser glutão à mesa…. Nas representações que se conservam, o pedagogo costuma ter os traços e as vestes de um escravo de origem bárbara e leva consigo o bastão característico com o qual deve exercer a sua autoridade através de ameaça ou mesmo do castigo corporal efectivo. A partir dos 18 anos, o adolescente convertia-se em ephebos (jovem) e recebia formação militar destinada ao seu serviço futuro como hoplita ou soldado.
O “Erastes”, amante e professor.
Na Grécia Antiga, as relações homossexuais cumpriam uma função educativa e de integração social. Por essa razão, tinham regras específicas que ninguém podia violar. O erastes ou “amante” deveria ser um homem adulto com mais de 30 anos e cidadão de pleno direito. Escolhia o seu amado, o eromenos, fora do seu círculo familiar, entre os jovens com pelo menos 15 anos que estivessem em pleno processo de educação. A relação não perdurava além do momento em que o jovem atingia a idade adulta, uma ocasião que era celebrada com a entrega por parte do amante de algum tipo de presente simbólico, como um equipamento militar. O jovem e a sua família valorizavam que o erastes fosse uma personagem de prestígio e bem relacionada, capaz de ajudar o jovem na sua carreira posterior.
Este treino durava três anos até completar 21 anos, altura em que atingia a maioridade. A educação dos rapazes completava-se com ensinamentos de retórica, literatura, música e geometria. Os mais abastados tinham também lições com os sofistas, que eram muito mais caros do que os professores convencionais. A efebia era uma instituição muito regulamentada na Atenas clássica. Tinha obrigações muito concretas, entre as quais se encontrava a participação em rituais religiosos.
Constituía a fase de integração na cidadania após a conclusão com êxito da paideia: trazia seiva nova ao corpo e alma da cidade.
O papel da mulher
A participação das mulheres gregas nos dois aspectos da paideia, o da formação e o da cultura adquirida e praticada, é bastante enigmática por falta de documentação. Não era bem visto que os homens se referissem às mulheres e elas próprias também mal o faziam, ou então os textos que produziram perderam-se porque não interessaram em épocas posteriores.
Uma excepção feliz é a obra da poetisa Safo, que nasceu na ilha de Lesbos no século VII a.C. dos dez mil versos líricos que terá escrito (e que receberam acesos elogios) conservaram-se cerca de seiscentos. Safo era uma mulher casada que dirigia uma “escola de meninas”, um tipo provavelmente frequente. As adolescentes preparavam-se para o casamento aprendendo poesia, música e dança num clima homoerótico, que tinha uma certa equivalência com a pederastia dos homens, mas de uma feminilidade requintada.
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Outro caso é o de Aspásia, a bela e culta companheira de Péricles. Na Atenas do século V a.C., Aspásia, que era oriunda da cidade de Mileto, representava possivelmente um grupo selecto de mulheres, as heteras, que interagia com os homens nos simpósios ou banquetes da elite cultural. No diálogo platónico Menexeno, Sócrates apresenta uma Aspásia superior a Péricles nas habilidades retóricas, atribuindo-lhe um discurso magistral que viria a demonstrá-lo.
É verdade que as heteras atenienses abandonavam o limitado papel social reservado às esposas legítimas, as únicas cujos filhos podiam ser cidadãos. No entanto, a actividade destas últimas não estaria tão limitada como parece.
No Económico de Xenofonte, uma espécie de tratado sobre a administração das finanças escrito no século IV a.C., vemos um rico cidadão a gabar-se de que a sua jovem esposa aprendeu a lidar com estes assuntos a ponto de poder delegar-lhos. Também não faltam testemunhos da actividade económica das mulheres da família no âmbito patrimonial. Para tudo isto, era necessário saber ler e escrever e não só.
Homero, professor da Grécia.
Muitos gregos chegaram a saber de cor os 28 mil versos hexâmetros que compõem a Ilíada e Odisseia, porque os poemas homéricos foram os textos fundamentais da paideia durante toda a Antiguidade. A guerra de Tróia era um cenário bélico tão afastado do presente dos gregos da época clássica como o cenário de A Marselhesa para os franceses actuais. Apesar disso, esse conflito mítico serviu de referencial para idealizar um comportamento humano de sacrifício em prol da comunidade. Homero mostrava aos gregos como alcançar a kalokagathia, “o belo e o bom”, isto é, a combinação daquilo que se apresenta como belo e bom aos olhos dos demais.
Felizmente, as decorações da cerâmica ática de figuras vermelhas reúnem numerosas cenas da vida quotidiana das mulheres dentro e fora de casa. Num lécito, uma pequena jarra de uso geralmente feminino, vemos uma dona de casa em pé a ler um papiro, junto da arca onde presumivelmente se guardavam esses textos. Intendência doméstica? Também existe uma hídria, a bilha grande de transporte de água desde as fontes, que mostra grupos de mulheres no gineceu da casa (os aposentos que lhes estavam destinados), lendo ou cantando poemas com o acompanhamento de diversos instrumentos.
Educação semelhante?
Parece evidente que as meninas de determinado nível económico, destinadas ao casamento legítimo e à gestão da casa, recebiam um ensino básico semelhante ao dos rapazes. No entanto, não é tão claro se esta formação teria sempre lugar no âmbito doméstico, porque sabemos que as mulheres gregas saíam frequentemente dele para desempenhar diversas actividades, ainda que sempre acompanhadas por outras mulheres, excepto quando já idosas. Isso permite-nos assumir que o motivo decorativo de uma famosa taça conservada em Nova Iorque é uma escola feminina e que a rapariga representada na área central é uma adolescente levada até essa escola por uma mulher que desempenha a tarefa de pedagoga.
O saber das mulheres.
As mulheres não foram totalmente excluídas da educação grega, como demonstra a existência de um número significativo de filósofas. Por exemplo, no século IV a.C., referem-se duas seguidoras da escola platónico-socrática em Atenas: Arete de Cirene, filha do filósofo cirenaico Aristipo, e Asioteia de Fliunte. Sobre esta última dizia-se que ficou tão impressionada após a leitura da República de Platão que se mudou para Atenas para ser sua discípula. Diógenes Laércio, nas suas Vidas de Filósofos, explica que Asioteia teve de disfarçar-se de homem para assistir às aulas da Academia. Outras filósofas de destaque foram as pitagóricas Theano de Crotona e Esara ou Aresa de Lucânia, a cínica Hiparquia de Trácia ou as epicuristas Leontion e Temista de Lampsaco.
E o que acontecia com as actividades atléticas? Conservaram-se peças de cerâmica que representam mulheres a lavar-se na pia de um ginásio e a limpar o corpo com o auxílio de estrígilos. A composição e os elementos dessas cenas correspondem pontualmente às representações masculinas. É um ambiente homossocial feminino, pelo que não há razão para deduzir que sejam todas heteras. A conclusão mais óbvia é que existiam ginásios para as mulheres em geral. Já sabemos que em lugares como Esparta, o exercício físico era considerado particularmente benéfico para a maternidade.
Platão e a educação cívica.
Platão imaginou uma nova paideia, um sistema de educação cívica que incluiria pessoas de ambos os sexos em partes iguais e que o Estado imporia com carácter geral, seguindo o precedente de Esparta. Tratava-se de uma formação permanente, porque durava toda a vida, e estava estruturada por níveis. O básico constava de música e ginástica, seguiam-se as disciplinas de matemática e retórica e o processo culminava com o ensino da dialéctica. Platão acreditava que o resultado, para os poucos que atingiriam este último nível, seria uma transformação da alma através da contemplação da ideia do Bem, que implicava o conhecimento da Verdade. Esses seriam os seres humanos que obteriam a felicidade e os únicos legitimados para dirigir o Estado.