O historiador Paulo Lopes, da Universidade Nova de Lisboa, analisou a transição da Idade Média para o Renascimento na cartografia europeia e descobriu que, mesmo durante os Descobrimentos, a visão do Atlântico reflectia ainda a herança da Antiguidade, na qual o mar era o espaço de prodígios, uma extensão infinita de águas, repleta de leviatãs, sereias e dragões. No Mediterrâneo, navegava-se por referências – as conhecenças. No Atlântico, existia apenas um vazio, que levava a representações de um mundo fantástico, com criaturas fantasiosas e irreais (à direita).

Monstros marinhos no manuscrito madrileno (1460) da Geographia de Ptolemeu, Biblioteca Nacional de Espanha.

 Ao mesmo tempo, o encontro com o islão mercantil e as experiências iniciais e observações em primeira mão produziram outra forma de ver o mar. “A figura das ilhas, devedoras da tradição de Artur e das sagas nórdicas, torna-as repositórios do encanto que antes pertenceu ao deserto e à floresta”, escreveu o autor.

Mapa da Europa de Mercator (1572), Olaf Mokansky, Biblioteca da Duquesa Anna Amalia, Weimar, Alemanha.

A evolução da navegação produziu uma revolução de pensamento: “O terror do desconhecido tão caracteristicamente medieval dá lugar à curiosidade e à vontade de explorar esse desconhecido.” Esperar-se-ia que a cartografia acompanhasse com realismo um mundo mais palpável, mas outros medos emergiram: é no Atlântico que se encontram obstáculos geográficos terríveis, as tempestades, as noites no mar. E a cartografia europeia só se libertaria desse peso do fantástico em pleno século XVII.

Atlas de Monte (1590), Biblioteca do Seminário Arcebispal de Milão, Venegono Inferior (VA).

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