No fim do século XIX, cativado pelas promessas da tecnologia, um engenheiro sueco de meia-idade, funcionário num gabinete de patentes, teve uma ideia radical. Decidiu usar um balão de hidrogénio e tornar-se o primeiro ser humano a descobrir o Pólo Norte, naquela altura tão misterioso como Marte. Há muito que os exploradores tentavam atingir o pólo por via terrestre e muitos morriam nas tentativas. Salomon August Andrée pensou que uma expedição aérea eliminaria grande parte dos riscos.
Assim, num dia ventoso de Julho de 1897, Andrée e dois colegas mais novos subiram para o cesto de um balão com 20 metros de diâmetro na ilha de Danes, no arquipélago de Svalbard.
A equipa levava dois trenós de madeira, mantimentos para vários meses, pombos-correio para transmitir mensagens e até um smoking que Andrée esperava vestir no final da viagem. Depois das despedidas e dos aplausos de jornalistas e apoiantes entusiastas, levantaram voo, com o objectivo de flutuar até um sítio nunca dantes avistado por qualquer ser humano.
EXPEDIÇÃO DE BALÃO AO PÓLO NORTE - Membros da viagem de Andrée em 1897 inspeccionam o seu balão caído antes da caminhada fatal de três meses rumo a sul. Esta fotografia foi recuperada de uma máquina fotográfica 33 anos mais tarde, aquando da descoberta dos seus corpos. Fotografia Museu Grenna, AndréExpeditionen Polarcenter/Sociedade Sueca de Antropologia e Geografia.
Pouco depois de se elevarem no ar, o vento fustigou o balão e o nevoeiro congelou sobre ele, puxando-o para baixo com o peso. Durante 65 horas e meia, o Eagle deslizou à deriva, por vezes rasando as águas do Árctico. Trinta e três anos mais tarde, caçadores de focas tropeçaram nos cadáveres congelados de Andrée e da sua tripulação, juntamente com as suas máquinas fotográficas e diários. As suas notas revelaram que eles tinham sido obrigados a aterrar numa plataforma de gelo a 480 quilómetros do Pólo Norte. Os três tinham morrido no decurso de uma extenuante caminhada de três meses para sul.
O fracasso nunca é procurado, é sempre temido e impossível de ignorar.
O fracasso nunca é procurado, é sempre temido e impossível de ignorar. Na verdade, paira sobre todas as tentativas de exploração. No entanto, sem o aguilhão do fracasso que nos estimula a reavaliar e a repensar, o progresso seria impossível. Actualmente, existe um crescente reconhecimento da importância do fracasso. Os educadores ponderam formas de deixar as crianças mais à vontade face ao fracasso. As escolas de gestão ensinam as lições que se aprendem com o fracasso. Os psicólogos estudam a forma como lidamos com ele, geralmente com vista a melhorar as probabilidades de sucesso. Com efeito, a própria palavra “sucesso” deriva do latim succedere, “vir a seguir”, sugerindo que ele vem a seguir a um fracasso. Não pode existir um sem o outro. O oceanógrafo Robert Ballard, veterano de 130 expedições submarinas e autor da descoberta do Titanic, chama a esta interacção dinâmica yin-yang de sucesso e fracasso.
GEORGE MALLORY - Ninguém atingira o cume do Evereste quando Mallory (o segundo a contar da esquerda) se juntou a uma equipa em 1924. Posou para a fotografia poucos dias antes de desaparecer durante a sua tentativa. Fotografia J. B. Noel, Royal Geographic Society, Com IBG.
Mesmo os piores fracassos fornecem informações que nos ajudam a fazer diferente na próxima vez. “Aprendi como não escalar nas primeiras quatro vezes que tentei atingir o cume do Evereste”, afirma o alpinista Pete Athans, que já subiu por sete vezes ao pico mais alto do mundo.
“O fracasso dá-nos a possibilidade de refinar a nossa abordagem. Corremos riscos de uma forma cada vez mais inteligente.”
O fracasso serve também para recordar que a sorte desempenha um papel em todos os empreendimentos. O alpinista Alan Hinkes, membro do pequeno clube de montanhistas que já alcançou o cume dos picos mais altos do mundo, foi sujeito a uma série de infortúnios: partiu um braço, empalou uma perna no ramo de uma árvore “como se fosse uma lança medieval”, deu um espirro tão violento perto do topo do Nanga Parbat, o pico paquistanês de 8.126 metros de altitude, que sofreu uma hérnia discal e foi forçado a abandonar a escalada. “Eu deveria estar morto”, admite.
OTTO LILIENTHAL - Otto era um engenheiro alemão do século XIX que inspirou os irmãos Wright. Foi pioneiro do voo planado. Um fotógrafo captou-o no ar em 1896, antes da sua morte num acidente de aviação. Fotografia R. W. Wood, National Geographic Creative.
Para a maioria dos exploradores, só um fracasso é realmente importante: não regressar com vida. Para os restantes mortais, estes finais trágicos arrebatam a imaginação. Robert Falcon Scott, que morreu depois de chegar ao Pólo Sul em 1912, é aclamado como herói no Reino Unido. Os australianos sentem-se comovidos por uma desastrosa expedição realizada no século XIX que terminou com a morte dos chefes da equipa. Fixamos estas histórias pela mesma razão que fixamos os nossos fracassos: “Lembramo-nos deles porque ainda estamos a analisá-los”, diz Robert Ballard.
O sucesso, por outro lado, “passa depressa”.
AMELIA EARHART - A aviadora desapareceu em 1937 durante uma tentativa de voo à volta do mundo seguindo o equador. Quando as mulheres fracassam, “o seu fracasso deve ser um desafio para as outras”, dissera antes da partida. Fotografia Colecção Hulton-Deutsch/Corbis.
Os peritos mostram relutância em reconhecer publicamente os seus erros. As suas reputações e financiamento dependem da percepção de sucesso. Na última década, contudo, pelo menos seis revistas científicas solicitaram o envio de relatos de experiências, estudos e ensaios clínicos fracassados. Os pressupostos subjacentes ao pedido sugerem que os resultados negativos podem levar a resultados positivos.
O mundo dos negócios já compreende o valor dos resultados negativos, mesmo que sejam de baixo custo e não catastróficos. Para incentivar o empreendedorismo, o banco ABN AMRO Bank, sediado na Holanda, criou um Instituto dos Fracassos Geniais, e a farmacêutica Eli Lilly and Company organiza “festas de apresentação vocacionadas para a Pesquisa e Desenvolvimento” (festas de fracassos) há duas décadas, para honrar os dados obtidos a partir de ensaios clínicos com fármacos que não correram bem.
APOLLO 13 - A missão lunar de 1970 foi um fracasso, tendo abortado depois de um tanque de oxigénio do módulo de serviço (em baixo) explodir. Mas também foi um sucesso: os astronautas regressaram com vida. Fotografia Universal Images Group Limited/Alamy.
Os líderes empresariais costumam procurar lições simples nos fracassos, mas beneficiam igualmente de verdades que só se vislumbram num quadro mais amplo. Nancy Koehn, professora da Escola de Negócios de Harvard, crê que ensinou a história do explorador polar irlandês Ernest Shackleton pelo menos cem vezes. A sua expedição de travessia da Antárctida em 1914-16 estava condenada ao fracasso quando o seu navio, o Endurance, ficou encalhado no gelo. O objetivo de Shackleton desviou-se rapidamente da exploração e focou-se em encontrar uma forma segura de ele e os seus homens regressarem a casa.
EXPEDIÇÃO DE ERNEST SHACKLETON - “Maravilhei-me muitas vezes com a ténue fronteira entre sucesso e fracasso”, escreveu Shackleton depois da sua viagem transantárctica de 1914-16. A sua equipa teve de abandonar o navio quando encalhou no gelo. Depois de uma viagem de quase dois anos até um local seguro, os 28 homens conseguiram regressar ao Reino Unido. Os cães não tiveram essa sorte. Fotografia Underwood&Underwood/Corbis.
“É um enorme fracasso do ponto de vista da exploração, mas também é, em parte, fonte de inspiração por ser um fracasso”, diz Nancy Koehn. “Estamos numa época de malfeitorias empresariais e as empresas negam responsabilidades.
Schackleton, em contrapartida, retorquiu: ‘Por amor de Deus, vou resolver isto.’ Assumiu a responsabilidade por aquilo que fez.” O explorador trouxe os 27 homens da sua tripulação para casa, sãos e salvos. “Era um grande gestor de crise”, resume a historiadora. Através dele, os alunos da professora “aprendem o que é persistência e maleabilidade e aprendem muito sobre a importância dos pequenos gestos”.
Persistência. Maleabilidade. Adaptabilidade e gestão de crises. São temas essenciais na exploração, bem como no quotidiano.
Persistência. Maleabilidade. Adaptabilidade e gestão de crises. São temas essenciais na exploração, bem como no quotidiano. Também é útil manter as coisas em perspectiva: os exploradores tendem a ver tudo no longo prazo, reconhecendo a natureza ilusória do fracasso e do sucesso. “Trata esses dois impostores da mesma maneira”, aconselhou Kipling no seu poema “Se”. “É assim que vejo as coisas”, diz o espeleólogo Kenny Broad. Muitos dos seus colegas morreram em mergulhos profundos na escuridão de labirintos de grutas. “Podemos ter sorte num mergulho. Podemos ter sorte algumas vezes e começar a pensar que é perícia. A fronteira entre sucesso e fracasso é muito ténue na exploração inovadora.”
A expedição de S. A. Andrée foi inovadora para o seu tempo e fracassou, mas “em aeronáutica, nada se sabe antes de tentar”, salienta Urban Wråkberg, especialista em história da ciência na universidade norueguesa de Tromsø. Os benefícios tecnológicos acabaram por ajudar a resolver o problema da aeronáutica no Árctico (o primeiro voo bem sucedido ao Pólo Norte ocorreu três décadas depois da tentativa de Andrée) e abriram inúmeras portas. As ligações dos terminais terrestres aos satélites, a fiabilidade das comunicações e os avanços na meteorologia e assistência robótica são apenas algumas das inovações que mudaram as fronteiras da exploração. Mas até Robert Ballard, cujas grandes descobertas foram realizadas com a ajuda de robots, afirma que a tecnologia “não torna tudo possível”.
E ainda bem que assim é. “Se eliminarmos a incerteza, eliminamos a motivação”, conclui Pete Athans. “Querer ir mais longe do que aquilo que se conhece faz parte da natureza humana. Não há qualquer magia em chegar onde já sabemos que conseguimos chegar.”
GRUTAS SUBAQUÁTICAS - Escuras, profundas e difíceis de percorrer, atraem os exploradores, mas a prudência pode ser mais importante do que os louros do sucesso. Ao avaliar esta gruta na Florida, os mergulhadores Kenny Broad (à esquerda) e Tom Morris concordaram em deixá-la “relativamente inexplorada”. Por enquanto. Fotografia Mark Long.
FRACASSOS FAMOSOS (e algumas agradáveis surpresas)
Texto Brett Line e Linda Poon
1492 - Cristóvão Colombo
Nunca chegou à Índia. Mas ninguém lhe levou a mal.
1804-06 - Lewis e Clark
Procuraram uma rota aquática do rio Missouri ao Pacífico. Essa passagem não existe. No entanto, documentaram a geografia, os povos, as plantas e os animais do território adquirido com a compra do Louisiana.
1925 - Percy Fawcett
Viajou à floresta tropical brasileira em busca da cidade antiga de Z e desapareceu. Alguns anos depois, foi descoberta uma civilização perdida (Kuhikugu) nos arredores da expedição de Fawcett.
1991 - Biosphere 2
Trancar oito pessoas num terrário de 200 milhões de dólares não correu bem: escassez de alimentos, atmosfera de má qualidade, “formigas loucas”. Mas as universidades de Colúmbia e do Arizona utilizaram depois a redoma como espaço para investigações ecológicas.
1993 - Apple Newton
Conhecido como o maior fracasso da Apple, o assistente pessoal digital foi eliminado ao fim de seis anos, mas abriu caminho ao iPad.
1998 - Mars Climate Orbiter
A NASA enviou a estação orbital para estudar o clima de Marte. Mas após uma viagem de 287 dias, a sonda provavelmente ardeu na atmosfera do planeta vermelho. O que correu mal? Os eternos pormenores. A NASA utilizou o sistema métrico para os seus cálculos e a equipa de engenharia da Lockheed Martin utilizou o sistema inglês.