O apetite do planeta por óleo de palma asiático afecta o ambiente e a vida selvagem. No Gabão, procura-se demonstrar que é possível construir uma indústria ao mesmo tempo que se preservam as florestas.

Sudoeste do Gabão, a floresta de crescimento antigo estende-se por centenas de quilómetros. Numa manhã de Janeiro, desço de um barco estreito e desembarco na margem do rio Ngounié, acompanhado por alguns colaboradores da Olam, uma empresa agro-industrial sediada em Singapura. Seguindo trilhos de elefantes, mergulhamos na floresta. Passamos por árvores antigas e altíssimas, ninhos de chimpanzés e pilhas de excremento de gorila com menos de 24 horas. Os macacos fogem de nós nas copas. Um jovem vigilante da natureza da Olam arranca as botas e trepa por um tronco, de pés descalços, regressando com as mãos cheias de frutos cor-de-rosa, semelhantes a ameixas.

Mais adiante, encontramos pelo caminho mangas selvagens, nozes e casca de árvore que cheira a alho. Numa clareira pintalgada de manchas de sol, vêem-se peixes a chapinhar numa poça de água. As árvores em redor foram arranhadas por presas de elefante. 

Estar aqui, iluminada por esta luz filtrada pelas copias, e imaginar que tudo isto possa ser arrasado corta-me o coração.

Este lugar não é um parque, nem faz parte de qualquer reserva, mas integra a plantação de palmeiras oleaginosas gerida pela Olam. Se estivéssemos na Indonésia ou na Malásia (os dois maiores produtores mundiais de óleo de palma) os madeireiros e os bulldozzers poderiam estar prestes a deitar abaixo a floresta e a plantar filas uniformes de palmeira-dendém.

A palmeira-dendém, com cachos gigantes de frutos vermelhos refulgindo sob as copas desordenadas, é uma antiga cultura de subsistência. Durante milénios, os seres humanos ferveram e esmagaram os seus frutos para extraírem óleo alimentar, queimaram as cascas que envolvem as sementes para gerarem calor e teceram as folhas para produzirem tudo – de telhados a cestos.
Nas últimas duas ou três décadas, porém, o consumo de óleo de palma aumentou explosivamente, em parte devido à versatilidade e textura cremosa do óleo e em parte devido à produtividade das árvores. Precisam apenas de metade do solo exigido por outras culturas como a soja para produzir a mesma quantidade de óleo. 

O óleo de palma é hoje o óleo vegetal mais popular em todo o mundo, representando um terço do consumo global. É um óleo de cozinha vulgarmente utilizado na Índia e noutros países. Como ingrediente, é quase impossível evitar a sua omnipresença. Encontra-se presente, sob múltiplas formas, em bolachas, massa para
pizza, pão, batons, loções e sabões. Existe mesmo no biodiesel supostamente amigo do ambiente: em 2017, 51% do óleo de palma consumido na União Europeia destinou-se aos motores de automóveis e camiões. 

A nível mundial, a procura de óleo de palma continua a crescer. A Índia é o maior consumidor, com 17% do total mundial, seguida pela Indonésia, a União Europeia e a China. Neste momento, os Estados Unidos ocupam a oitava posição. Prevê-se que, em 2018, o consumo mundial atinja 65,5 milhões de toneladas. Ou cerca de nove quilogramas de óleo de palma por pessoa.

Para satisfazer esta procura há que pagar um preço elevado. Desde 1973, 41 mil quilómetros quadrados de floresta virgem do Bornéu, a ilha partilhada pela Malásia, pelo Brunei e pela Indonésia, foram abatidos, queimados e arrasados para abrir caminho à palmeira oleaginosa. Esta representa um quinto do total desflorestado no Bornéu desde 1973 e 47% da desflorestação ocorrida desde 2000. 


óleo de palma

Gabão - Mais de metade da plantação de Mouila, pertencente à Olam, onde estes trabalhadores plantam palmeiras jovens, situa-se na savana, a localização escolhida para evitar mais desflorestação. O Gabão desenvolveu um plano de ordenamento do território que tenta “manter o equilíbrio entre a palmeira-dendém, a agricultura e a preservação da floresta”, segundo o director da entidade gestora dos parques, Lee White.

Toda essa desflorestação tem sido devastadora para a vida selvagem. Quase 150 mil orangotangos do Bornéu, espécie em perigo crítico de extinção, pereceram entre 1999 e 2015 e, embora os principais culpados fossem o abate madeireiro e a caça, a cultura da palmeira-dendém foi um importante factor. Ela também exacerba as alterações climáticas, pois quase metade das emissões de gases com efeitos de estufa da Indonésia é causada pela desflorestação e por outras alterações ao ordenamento do território. É ainda uma causa grave de poluição atmosférica.

As pessoas que se atravessaram no caminho das plantações sofreram de outras maneiras. Têm sido documentados abusos dos direitos humanos, entre os quais trabalho infantil e despejos forçados. Na ilha indonésia de Samatra, as empresas produtoras de óleo de palma arrasaram aldeias indígenas inteiras, deixando os moradores sem abrigo e dependentes de subsídios estatais.

Esse tipo de violência ecológica de vistas curtas é precisamente o que o Gabão pretende evitar.
O paraíso que visitei não será arrasado: a empresa Olam protegeu-o, no âmbito de um acordo com o Estado que permite à empresa a plantação de palmeira-dendém noutros lugares sob sua concessão.

“No Gabão, estamos a tentar descobrir uma nova via de desenvolvimento que não implique o abate total da nossa floresta e mantenha um equilíbrio entre a palmeira-dendém, a agricultura e a preservação da floresta”, afirma Lee White, o biólogo conservacionista que dirige o organismo estatal responsável pelos parques no Gabão. No momento em que este país, com menos de dois milhões de habitantes, se prepara para avançar com a agricultura de grande escala, o governo recorre a avaliações científicas para decidir que partes da sua vasta extensão florestal possuem um elevado valor de conservação e quais podem ser abertas à cultura da palmeira-dendém.

Em África, como no Sudeste Asiático, esta cultura chegou para ficar. Os países produtores dependem do seu rendimento. O boicote ao óleo de palma não é sensato: as culturas de oleaginosas alternativas implicariam uma utilização ainda maior de solo. Também é um combate fútil, porque o óleo de palma se encontra omnipresente e é frequentemente incorporado em ingredientes como o lauril sulfato de sódio e o ácido esteárico, cujas origens são ocultadas aos consumidores. Não é provável que consigamos cortar radicalmente o consumo de óleo de palma. A única via para o futuro é tornar a sua produção menos prejudicial.

A Indonésia e a Malásia são actualmente o epicentro do óleo de palma, mas a palmeira-dendém não é natural da Ásia. É oriunda da África Ocidental e Central, onde os arqueólogos encontraram nozes de palma com três mil anos de idade enterradas em leitos de rios nas profundezas da floresta. Ao longo do século XIX, mercadores britânicos importaram óleo de palma africano, utilizando-o num número crescente de produtos, desde sabão a margarina e a velas. Quando os cientistas descobriram como isolar a glicerina do óleo, as suas aplicações multiplicaram-se: produtos farmacêuticos, película fotográfica, perfume e até dinamite.

No início do século XX, as palmeiras-dendém tinham sido exportadas para a Indonésia e as plantações comerciais enraizaram-se. No fim da década de 1930, abrangiam apenas cem mil hectares. Nos cinquenta anos seguintes, os progressos registados na agricultura (como a criação de árvores resistentes a um agente patogénico comum e a introdução de um gorgulho africano para polinização) geraram maiores rendimentos e um investimento florescente em palmeiras-dendém. 

Mesmo assim, ainda na década de 1970, três quartos do Bornéu encontravam-se revestidos com florestas virgens luxuriantes. Perante o aumento da procura mundial de óleo de palma, as empresas queimaram e arrasaram algumas dessas florestas. As preocupações de saúde com as gorduras transgénicas alimentaram esse crescimento explosivo: o óleo de palma substituiu as gorduras transgénicas em muitos produtos. E aumentou a procura global por biodiesel. No início do século XXI, milhares de quilómetros quadrados de florestas de baixa altitude e turfeiras por todo o Bornéu foram plantados com palmeiras-dendém. 

Nessa altura, crescia a pressão dos grupos de conservação contra a desflorestação e a WWF aliou-se aos maiores produtores e compradores de óleo de palma para definir normas mais responsáveis para a produção de óleo de palma. As plantações certificadas pela Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO) não podem abater “florestas primárias em zonas que contenham concentrações significativas de biodiversidade (por exemplo, espécies em perigo) ou ecossistemas frágeis”. Têm a obrigação de minimizar a erosão e de proteger as fontes de água. De pagar um salário mínimo e de obter o “consentimento prévio, livre e informado” das comunidades locais.

Actualmente, a RSPO certifica cerca de um quinto da oferta mundial. Muitos fabricantes de bens de consumo que dependem do óleo de palma (como as gigantes Unilever, Nestlé ou Procter & Gamble) comprometeram-se a mudar as suas cadeias de abastecimento para o uso exclusivo de óleo de palma certificado nos próximos anos. É um grande passo em frente. Mas não é suficiente. 

Um passo essencial é a intervenção do Estado nos países produtores. “Nós, na comunidade da conservação, fomos excessivamente optimistas quando pensámos que as soluções baseadas no mercado bastariam, por si, para resolver o problema”, afirma John Buchanan, responsável pelo programa dos mercados sustentáveis da alimentação e da agricultura da Conservation International. “Se o Estado não intervier, se não tiver capacidade para fazê-lo ou e não souber o que faz”, afirma, a floresta tropical continuará a sofrer.

Numa tarde húmida, perto do limite nordeste do Bornéu, pequenos grupos de elefantes pastam junto de um rio de águas turvas. Quando o Sol se põe atrás das copas das árvores, os grupos juntam--se na margem lamacenta do rio. Pouco depois, mais de 50 elefantes, em fila bem ordenada, atravessam as águas rápidas do largo rio Kinabatangan, baloiçando as cabeças, movendo-se para cima e para baixo, jorrando água pelas trombas.

O Kinabatangan é um dos lugares onde mais facilmente se podem avistar animais selvagens em Sabah, o estado malaio que ocupa o Norte do Bornéu. Navegando no rio, os turistas podem avistar espécies raras como os elefantes-pigmeus do Bornéu, os macacos-narigudos, os calaus-bicornes e até os orangotangos sem sujarem as botas. 

É excitante observar estes animais em liberdade, mas a razão para esta visibilidade é o facto de eles não terem mais nenhum sítio para onde ir. Numa extensão interminável de muitos quilómetros em torno do rio, a floresta foi obliterada e substituída por palmeiras-dendém. É possível viajar horas a fio de automóvel, cruzando-nos com um comboio de camiões-cisterna carregados de óleo de palma, quase sem ver qualquer outra espécie de árvore.


Indonésia - Activistas da Fundação para a Sobrevivência do Orangotango do Bornéu libertam um orangotango num santuário. Criado no refúgio de Nyaru Menteng, depois de perder o seu lar na selva, o símio está a ser reabilitado para poder ser devolvido à floresta virgem… se ainda existir uma secção suficientemente grande de floresta. A desflorestação e a caça mataram quase 150 mil Orangotangos no Bornéu entre 1999 e 2015.

Na década de 1970, o governo de Sabah concentrou-se na agricultura para ultrapassar a dependência excessiva da actividade madeireira, que durava há muitas décadas. Seleccionou vastas zonas de planícies férteis nas florestas de baixa altitude, incluindo a região do Kinabatangan, para colheitas de rendimento. “Partiram do pressuposto de que os melhores solos deveriam ser afectados à agricultura”, afirma o biólogo John Payne, que vive em Sabah desde 1979.

Ao longo da década de 1980, a terra agrícola de Sabah foi em grande parte reservada ao cacau. Quando esta cultura se tornou menos lucrativa, devido à baixa dos preços a nível mundial e a uma praga infestante que afecta as vagens do cacau, a maior parte das plantações concentrou--se nas palmeiras oleaginosas. A terra era barata e, por isso, as empresas continentais da Malásia começaram a arrebanhá-la, construindo fábricas e outras infra-estruturas. Tornou-se mais fácil para os produtores comercializarem os seus frutos no mercado e a desflorestação em grande escala começou a todo o vapor. Hoje em dia, um quinto do estado encontra-se revestido por palmeiras-dendém. Sabah produz mais de 7% de todo o óleo de palma do mundo. 

Os custos ecológicos têm sido avassaladores. Muitos fragmentos de floresta sobreviventes estão isolados. São ilhas bravias que parecem intactas, mas onde a vida animal praticamente não existe. “No local que alojava antigamente a maior densidade de orangotangos, existem agora apenas palmeiras-dendém”, resume John Payne. 

No meio de tanta perda, é difícil haver esperança, mas em Sabah, um grupo formado por cientistas, activistas, membros da RSPO e funcionários públicos tenta corrigir erros passados. John Payne dirige agora a Palm Oil & NGO (PONGO), uma coligação entre a indústria e o sector não-governamental que pretende reconverter 5% das maiores plantações do Bornéu em floresta, devolvendo-a aos orangotangos. (Pongo é o nome do género deste símio.) Na última década, a organização de conservação Hutan, que me guiou na subida do Kinabatangan, já plantou mais de cem mil árvores de 38 espécies, numa tentativa de preservar um corredor para animais selvagens ao longo do rio. 

Ao leme do departamento estadual de florestas, encontrava-se, até há pouco tempo, Sam Mannan. Sob a sua liderança, na última década, Sabah alargou as suas áreas protegidas de 12 para 26% do território total, abrangendo mais de 19 mil quilómetros quadrados. A meta de Mannan consistia em aumentar essa superfície para 30% até 2025, interligando parques, reservas de animais selvagens e outros segmentos de floresta estaduais por corredores replantados, através dos quais os animais pudessem movimentar-se.

Sam Mannan acreditava na colaboração com os produtores de óleo de palma. “Sem a palmeira-dendém, Sabah viveria com dificuldades”, disse-me Mannan no seu gabinete, na cidade costeira de Sandakan, outrora a capital madeireira da ilha. Só o petróleo proporciona ao governo de Sabah receitas maiores do que a indústria da palmeira-dendém. “O dinheiro é devolvido à conservação”, resumiu.

Poder-se-ia argumentar, como fiz questão de sublinhar, que sem as palmeiras-dendém não seria necessário tanto dinheiro para a conservação. “Poderíamos defender esse argumento, mas estaríamos pobres”, retorquiu.

O crescimento explosivo do óleo de palma trouxe benefícios evidentes a Sabah: estradas asfaltadas, escolas melhores, televisão por satélite. Em Kota Kinabalu, capital estadual, marcas de luxo ocidentais e asiáticas vendem-se em centros comerciais novinhos em folha. 

No passado mês de Agosto, Sam Mannan foi exonerado pelo novo governo de Sabah, após uma investigação para averiguar negócios madeireiros possivelmente ilegais, feitos pela administração anterior. Sam incomodara interlocutores dos dois lados da barricada no debate sobre o óleo de palma em curso na Malásia durante o seu mandato de quase duas décadas. No entanto, muitos ambientalistas consideravam-no um travão à indústria, um líder “visionário, arrojado e eficaz” do estado, nas palavras de John Payne.

Em última análise, segundo o director-geral da RSPO, Darrel Webber, natural de Sabah, a cultura da indústria da palmeira-dendém vai ter de mudar. Com o apoio de Sam Mannan, Webber e uma activista malaia, Cynthia Ong, lançaram uma iniciativa ambiciosa em Sabah para concretizar a ideia. O objectivo é ensinar desde os pequenos agricultores e proprietários aos directores-gerais das grandes empresas os melhores métodos para produzir óleo de palma e as razões pelas quais devem usá-los. Depois, a organização pretende certificar a sustentabilidade da totalidade da produção do Estado. “Com a procura a crescer e Sabah desejosa de satisfazê-la, vamos ter de definir limites,” diz Cynthia Ong.

O Estado tem esperanças de conseguir obter a certificação para a totalidade da sua produção até 2025, embora ainda não se saiba bem como o irá fazer. “Estamos a construir o avião ao mesmo tempo que o pomos a voar”, resume a activista. A organização sem fins lucrativos Wild Asia, da Malásia, está a agregar centenas de pequenos agricultores na região de Kinabatangan em grupos que possam ser certificados em conjunto e, depois, possam vender o fruto da palmeira a uma fábrica certificada.

A Nestlé, uma das grandes consumidoras de óleo de palma que não possui plantações, está a financiar parcialmente o projecto. Os agricultores conseguem preços melhores e os membros da RSPO (nomeadamente a Nestlé) conseguem assegurar a rastreabilidade do seu óleo. “Queremos garantir a ligação à cadeia de abastecimento”, afirma Kertijah Abdul Kadir, da Nestlé.


óleo de palma

Indonésia - Militares indonésios pulverizam água na área queimada da floresta em Riau, Indonésia. Durante a estação seca anual, centenas de incêndios são acesos ilegalmente para limpar florestas nas ilhas de Sumatra e Kalimantan, onde grandes concessões florestais são usadas por empresas de celulose e óleo de palma. 

Desde 2011, ela já supervisionou a plantação de cerca de setecentas mil árvores ao longo das margens do rio Kinabatangan, abrangendo 2.500 hectares. Noutros lugares de Sabah, a Wilmar, o maior fornecedor mundial de óleo de palma e igualmente membro da RSPO, está a replantar florestas para proteger as bacias hidrográficas e criar corredores para animais selvagens. A reflorestação requer mão-de-obra intensiva, pois é dispendiosa e lenta. Gerações sucessivas não conseguirão produzir nada que se assemelhe a uma floresta virgem de crescimento antigo. Mas já é um princípio. 

Os críticos da RSPO queixam-se de que a colaboração com empresas que causaram a perda das florestas torna suspeitos os esforços. Em resposta, Darrel Webber, da RSPO, outrora colaborador da WWF, compara a indústria do óleo de palma à viagem do apóstolo Paulo para Damasco. “Devemos perdoar um pecador se ele puder tornar-se o nosso mais importante missionário? Poderíamos excluir todos os pecadores, mas que mudança conseguiríamos obter? Há que encontrar maneiras de mobilizar todos.”

Na última década, segundo Darrel, um número crescente de empresas do sector do óleo de palma aceitou a necessidade de mudanças. “Temos bastantes em estado de aceitação, mas também temos bastantes em estado de negação. A nossa tarefa consiste em empurrar esta longa fila de produtores no sentido da aceitação. Vai demorar algum tempo.”

No Gabão, um dos países mais florestados de África, o óleo de palma está a regressar a casa, podendo vislumbrar-se no horizonte um crescimento explosivo. Situado sobre a linha do equador, na costa ocidental do continente, o Gabão é escassamente povoado. Mais de 76% do país encontra-se revestido de florestas e 11% da sua superfície terrestre foi protegida por parques nacionais. É um país maravilhoso para a vida selvagem.

“É exactamente o tipo de floresta intacta que queremos proteger de qualquer tipo de desenvolvimento”, afirma Glenn Hurowitz, director-geral da Mighty Earth, uma organização ambiental sediada em Washington que criticou as explorações de óleo de palma da Olam no Gabão. “Já há tanta terra degradada [em toda a região tropical]. Porquê instalar plantações de palmeira-dendém em países que possuem tanta floresta?”

No entanto, o Gabão deseja-as. A antiga colónia francesa tem o quarto PIB per capita mais elevado da África subsaariana, mas grande parte das receitas provêm do petróleo. O país precisa de diversificar. Segundo Glen Hurowitz, o Gabão poderia desenvolver o ecoturismo. País relativamente seguro, com parques e animais selvagens espectaculares, tem poucas pistas de aterragem, estradas dificilmente transitáveis e escassez de alojamentos. Há enormes oportunidades para o turismo, explorado pelo organismo gabonês responsável pelos parques, a Agence Nationale des Parcs Nationaux (ANPN).

O turismo, porém, é apenas uma parte daquilo que o país necessita. O Gabão importa grande parte dos seus alimentos: o trigo e o leite vêm de França e a carne de vaca é importada de avião da Índia e do Brasil. O governo do presidente Ali Bongo Ondimba, que venceu as polémicas eleições de 2016, conquistando um segundo mandato de sete anos, quer acrescentar a agricultura comercial à economia do Gabão. Isso exige o abate de árvores. 

Reconhecendo que existem interesses em conflito no seu país, o governo lançou um projecto tentado por  poucos países: um plano nacional de ordenamento do território. 

Lee White, director da ANPN e um dos assessores mais próximos do presidente, supervisionou o mapeamento da terra e da vida selvagem do país, definindo as áreas que deveriam ser reservadas ao desenvolvimento agrícola. O governo atribuiu duas concessões novas à Olam e, mais tarde, vendeu à empresa uma plantação já existente. A Olam explora actualmente 1.300 quilómetros quadrados do Gabão, ou seja, 0,5% da área terrestre do país. Cerca de 557 quilómetros quadrados já estão plantados com palmeiras-dendém.

Numa manhã radiosa de Janeiro, Christopher Stewart, director do departamento de sustentabilidade da Olam, conduz ao longo de uma estrada esburacada a sudeste de Libreville, a capital do país. Os camiões passam a assobiar, carregados com troncos gigantes de okoume, a principal madeira exportada pelo Gabão, em grande parte para a China e para a Europa. Fora da área urbana de Libreville, a paisagem apresenta-se pontilhada por aldeias minúsculas. Quase todos os aglomerados de casas têm uma banca de venda à beira da estrada, normalmente composta por um barril metálico ferrujento e uma grelha de madeira. Os barris estão cobertos com bananas ou bananas-da-terra, alguidares com frutos da floresta, de cores garridas, garrafas de plástico cheias com vinho de palma produzido em banheiras. Pendurados nas grelhas, vêem-se animais mortos, peludos ou espinhudos: porcos-espinhos-de-rabo-africanos, seixas, um ou outro macaco, uma civeta, um crocodilo, os quadris de uma gazela. 

Grande parte desta carne é ilegal, mas, em muitos restaurantes de Libreville servem-se menus com animais selvagens caçados ilegalmente. A caça furtiva é um problema para a Olam: os habitantes locais e os trabalhadores servem-se das plantações como pontos de acesso à floresta, onde é sabido caçarem espécies em risco. Por isso, os vigilantes da Olam patrulham as florestas protegidas.

Duas horas e meia depois de sairmos de Libreville, viramos para uma estrada de terra batida, rumo à plantação de Awala. Trata-se de uma área de floresta secundária, um dos locais onde a actividade madeireira começou no Gabão. O governo concedeu à Olam cerca de vinte mil hectares e um terço já foi plantado com palmeiras-dendém pela empresa. Outro terço está conservado como um bloco de floresta e a área restante permanece como está, em pequenas parcelas, algumas das quais em encostas de colinas íngremes.

Dentro da plantação, é fácil perder o sentido de orientação, com tantas filas sucessivas de palmeiras, intercaladas com estradas indistintas. No final de cada fila, os trabalhadores empilharam ramos frescos de frutos de palma e frutos soltos. Nessa tarde, outros trabalhadores virão atirar a fruta para os camiões, que a transportarão para uma fábrica no interior da plantação.

Na plantação de Mouila, outra propriedade da Olam mais a sul, há uma fábrica ainda maior. Mais de metade da área plantada em Mouila era paisagem aberta de savana. A investigação revelou a presença de um antílope raro, o chango. Fotografado por uma armadilha fotográfica em 2017, o animal está a contribuir para o pedido de criação de um novo parque nacional na savana, apresentado por Lee White. 

No cume de uma colina, trepamos para o tejadilho do camião. Cento e oitenta graus em redor, as filas de palmeiras-dendém estendem-se quase até ao horizonte. Sob um sol escaldante, o panorama monocromático provoca tonturas. O mapa que Christopher me mostra é aflitivo: esta secção da plantação abrange quase 16 mil hectares e aquilo que avistamos é apenas 7% do total. 

Como ecologista, Christopher detesta a ideia do abate de árvores. No entanto, reconhece que “a longo prazo, é de interesse para o Gabão que estes projectos estejam em curso e que sejam bem geridos, para se demonstrar o que a agricultura bem planeada pode alcançar.” Lee White concorda. A Olam não está a minar as áreas protegidas, diz. “A Olam está a ajudar-me a criar mais parques nacionais.” 

A sete horas de Libreville, situa-se o Parque Nacional de Lopé, um dos 13 parques nacionais que Lee White ajudou a criar.  Assim que se começa a abater florestas para a agricultura, torna-se mais fácil abater ainda mais. Será que isso preocupa o meu interlocutor? Ele sorri. “A verdade é que eu não sou o tipo de pessoa receosa”, responde, antes de reformular o risco: “Se, dentro de 50 anos, não conseguirmos alimentar os seres humanos que vivem no planeta, então os sítios tropicais altamente produtivos e húmidos onde se podem cultivar grandes quantidades de alimentos vão estar sob ameaça.”

Nas colinas de Lopé, o arqueólogo francês Richard Oslisly descobriu vestígios de comunidades da Idade da Pedra e da Idade do Ferro: lascas resultantes do fabrico de pontas de seta de quartzo, ferramentas de ferro e fornalhas. Há três mil anos, os povos banto começaram a migrar ao longo da costa atlântica até ao Gabão, vindos dos Camarões, trazendo consigo palmeiras-dendém. 

Esses agricultores primitivos cobriram de palmares grandes partes do Gabão e do Norte do Congo. “A África Central parecia-se talvez com a Indonésia de hoje”, diz Lee White. Um choque demográfico radical varreu do mapa essas comunidades. A floresta virgem regressou com toda a sua força.

“Agora estamos a recomeçar o ciclo”, diz Lee. “As nossas acções determinarão se vamos destruir novamente as florestas ou se conseguiremos manter o equilíbrio.” Para os seres humanos, o equilíbrio é, por norma, uma meta fugidia.