O último sobrevivente do U-581: Querido Dr. John Foley, muito obrigado por salvar a minha vida!

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Wolfgang Pohl nos Açores, quatro anos antes da sua morte, durante apresentação do livro U-Boats nos Mares dos Açores. 

Em 2012, Wolfgang Pohl, o último sobrevivente da tripulação do U-581 que se afundara nos Açores em Fevereiro de 1942, concedeu uma entrevista a Manuel Paulino Costa. De visita aos Açores, onde vinha com frequência para homenagear os camaradas e visitar as suas «ilhas históricas», Pohl falou com franqueza dos dias fatídicos da guerra e lembrou o homem – inimigo – que lhe salvou a vida. A entrevista foi emitida na Rádio Montanha no dia 28 de Setembro de 2012 e constitui, provavelmente, o derradeiro testemunho do último homem que navegara no submarino alemão. Pohl faleceu em 2016. Transcrevemos aqui a entrevista, com a devida vénia a Manuel Paulino Costa.

 Em 2012, Wolfgang Pohl, o último sobrevivente da tripulação do U-581 que se afundara nos Açores em Fevereiro de 1942, concedeu uma entrevista a Manuel Paulino Costa. De visita aos Açores, onde vinha com frequência para homenagear os camaradas e visitar as suas «ilhas históricas», Pohl falou com franqueza dos dias fatídicos da guerra e lembrou o homem – inimigo – que lhe salvou a vida. A entrevista foi emitida na Rádio Montanha no dia 28 de Setembro de 2012 e constitui, provavelmente, o derradeiro testemunho do último homem que navegara no submarino alemão. Pohl faleceu em 2016. Transcrevemos aqui a entrevista, com a devida vénia a Manuel Paulino Costa.

Entrevista Manuel Paulino Costa

Fazia parte da tripulação do U-581. Quais eram os objectivos naqueles dias finais de Janeiro?
Tínhamos partido de França, pois a nossa flotilha estava ali posicionada. Era uma flotilha famosa naqueles dias. As ordens eram simples: encontrar navios, sobretudo os que vinham dos Estados Unidos, e afundá-los.

Os americanos já então tinham começado a juntar-se ao esforço de guerra britânico.
Sim. De repente, recebemos notícia, vinda da Alemanha, de que se aproximava um comboio de navios, repleto de tropas oriundas da Grã-Bretanha. Estariam cerca de mil soldados a bordo e muitas munições. O seu destino original era Singapura e o esforço defensivo britânico nessa região, mas foi um envio em vão. Nesse momento, Singapura já caíra nas mãos dos japoneses. O comboio dirigiu-se por isso para Malta e Alexandria, com a nova missão de auxiliar as forças britânicas no Norte de África. Ordenaram-nos que atacássemos esse comboio.

Parte da tripulação no submarino U-581.

Isso significa que o Almirantado já sabia do novo destino?
Sim, soubemos disso através de um agente. Esse comboio até tinha um nome – Winston Special. Atacámo-lo, juntamente com outros submarinos.

"O comandante decidiu nessa altura submergir e entrar no porto da Horta, mesmo sabendo que se tratava de um porto neutro."

Esse ataque já ocorreu perto dos Açores?
Estaríamos perto do arquipélago. O ataque ocorreu a norte dos Açores e foi obra de outro submarino alemão. Torpedeou um dos navios, que se chamava Llangiby Castle. A proa foi quase destruída. Creio que morreram 26 soldados e 4 desapareceram. O ataque foi tão bem contrariado pelos contratorpedeiros britânicos que acabámos por perder o rasto do Llangiby. Desapareceu: pensámos primeiro que se dirigiria a Gibraltar. Nem sequer tínhamos a certeza de que não se afundara. Rumámos para sul e recebemos então informação, vinda de agentes que trabalhavam para nós, de que o navio afinal estava na ilha do Faial. Apressámo-nos a mudar rumo com direcção ao Faial. Circulámos a ilha e não o conseguíamos encontrar – não estava em nenhuma das baías da ilha. O comandante decidiu nessa altura submergir e entrar no porto da Horta, mesmo sabendo que se tratava de um porto neutro. Assim fizemos, entrámos pelo cais e vimos o navio lá ancorado.

Teria sido muito simples torpedeá-lo ali, mas o comandante concluiu que, se o fizesse, com todas as munições que estavam a bordo, destruiria também parte dos bairros circundantes e mataria as pessoas que lá viviam. Entre o navio e as primeiras casas distariam 80 ou 90 metros. Era de noite, as pessoas dormiam e o comandante decidiu que as suas ordens eram para participar na Batalha do Atlântico e afundar navios inimigos e não para matar civis inocentes. Claro que também terá pensado que, sendo Portugal um país neutro, seria responsabilizado se Portugal declarasse guerra à Alemanha depois de um incidente dessa natureza.


O que fizeram?
Recuámos. O outro submarino que alvejara o Llangiby Castle posicionou-se a sete ou oito milhas a sul do Pico. Encontrámo-nos aí enquanto os dois submarinos navegavam paralelamente. Os dois comandantes discutiram então a estratégia. Combinaram que um ficaria a sul do canal do Pico e o outro a norte. Não sabíamos em que direcção o Llangiby sairia. Entretanto, três contratorpedeiros britânicos [um era canadiano] aproximaram-se vindos de leste. Nós não sabíamos que eles vinham, mas eles sabiam da nossa presença. Começaram de imediato à nossa procura, com varrimentos de radar e detectores acústicos. Descobriram-nos assim. O dispositivo fazia um ruído – tic, tic, tic... Percebemos que tínhamos sido detectados.

Começou então a perseguição.
Os britânicos lançaram cargas de profundidade enquanto estávamos submersos. Quando subimos à superfície, vimos as ilhas, tentámos marcar um rumo, mas os três contratorpedeiros dispararam intensamente contra nós. Usaram os canhões pesados e a artilharia anti-aérea – canhões quádruplos de 4cm. Voltámos então a submergir.

Não tinham sido atingidos?
Pelo contrário: fomos gravemente atingidos. O exaustor de combustível foi destruído. A água começou a entrar no nosso submarino através desta válvula destruída. Entrou muita água. Tentámos reparar os danos, descendo a mais profundidade, mas a pressão era insuportável. Ficámos submersos enquanto pudemos, mas tínhamos de subir à superfície para recarregar as baterias. Subíamos, carregávamos por alguns instantes, voltávamos a submergir. Isto ocorreu durante toda a noite. Ainda estava escuro.
A certa altura, o comandante aproximou-se de mim, eu era o navegador daquela missão. Ele queria saber onde estávamos precisamente. Mostrei-lhe na carta. Aconselhei-o a navegar o mais rapidamente possível para a costa do Pico porque aí teríamos hipóteses de nos escondermos contra qualquer método de detecção – radar ou outro. Eles detectariam a costa, mas não o submarino. Disse-lhe ainda que, se fôssemos atingidos, teríamos mais hipóteses de nadar até terra.

Walter Sittek demosntrou uma capacidade física impressionante: depois do submarino ter afundado, nadou até terra praticamente despido, sendo acolhido pela população do Pico.

Infelizmente, o submarino já não conseguia submergir naquela altura e navegava com dificuldade. O HMS Croome tentou torpedear-nos. Nós já só tínhamos um torpedo. Eles dispararam, um dos nossos tripulantes viu o torpedo e iniciámos uma manobra de fuga. O torpedo terá passado a dez metros do nosso casco. O Croome iniciou fogo contra nós com as suas armas Pom-Pom, causando muitos danos. Voava ferro e aço por todo o lado. O comandante decidiu que deveríamos todos posicionar-nos no convés superior. O engenheiro-chefe certificou-se de que o submarino estava vazio. Já estávamos quase em posição de naufrágio. O comandante Werner Pfeiffer ordenou que abandonássemos o navio e o engenheiro-chefe afundou-o. Saltámos então para o mar.

A quantos metros estariam da costa?
Na minha opinião, e tendo em conta que analisara o mapa pouco antes, estaríamos entre 6 e 4 milhas da costa [o destroço foi encontrado a cerca de 2,1 milhas da costa sul do Pico]. Afundou-se 25 a 30 metros atrás de mim.


O comandante do U-581, Werner Pfeifer.

Ficaram então na água?
Sim. Nesse momento, outro contratorpedeiro, o HMS Westcott lançou cargas de profundidade para o ponto onde estávamos. Uma explodiu mesmo à minha frente – talvez a 100 ou 200 metros. É mais difícil estimar distâncias quando estamos dentro de água. Senti que os meus pulmões ficaram sem ar quando a carga explodiu. Nadava e sentia o sangue na boca, juntamente com a água salgada. Ainda estava escuro, seriam seis horas da manhã. Pensei em desistir. Estava tão fraco que já não conseguia nadar. Sangrava. Nesse momento, três homens sentados à proa do HMS Croome lançaram-nos bóias. Pegaram em mim e em mais quatro sobreviventes e subiram-nos a bordo.

Apenas cinco sobreviventes?
Neste contratorpedeiro, sim. O outro, o HMS Westcott, capturou 35 camaradas, mas, nessa altura, não o sabíamos. Estávamos separados. Nós, mais perto do canal do Pico; eles, na direcção leste. Eu não conseguia ficar de pé, nem sentado. Estive quase a perder consciência. O médico desse navio pôs os braços sobre os meus ombros e levou-me para a sua cabina. Deitou-me ali. Fiquei ali durante oito dias e ele permaneceu ao pé de mim durante esse tempo. Foi como um pai para mim! Ele salvou a minha vida.
Depois da guerra, procurei o seu nome, mas ninguém conseguia dizer-me onde vivia. Até que um amigo, curador no Museu Britânico dos Submarinos em Gosport, descobriu por fim o seu nome e endereço. Infelizmente, em 1974, ele já tinha morrido. Escrevi à viúva e ela convidou-nos, a mim e à minha mulher, de imediato para sua casa. Visitámos em conjunto a sua sepultura. A viúva tinha então mais de noventa anos, mas ficou feliz por eu ter conhecido o marido. Nessa ocasião, deixámos um ramo de flores e um bilhete simples na sua campa: «Querido Dr. John Foley, muito obrigado por salvar a minha vida.»

Já tinha estado nos Açores depois da guerra?
Vim cá pela primeira vez em 1967. Logo nesse ano, fiz questão de visitar as nove ilhas do arquipélago. Depois disso, visitei as ilhas em mais quatro ocasiões. São as minhas ilhas históricas.

Voltando ao seu salvamento. Para onde foi levado então?
Primeiro, fomos levados para Gibraltar e ali entregues ao exército britânico. Ainda fomos alvejados duramente pela aviação alemã durante essa viagem. Fui prisioneiro de guerra em Gibraltar. O Croome voltou aos combates e o Llangiby Castle também se salvou. 
Fui depois transportado para Inglaterra e para a Escócia. Fomos interrogados. Em meados de 1942, fui internado num campo para oficiais no Norte de Inglaterra, onde fiquei cerca de um mês. Foi depois decidido que todos os prisioneiros alemães seriam levados para o Canadá. Os britânicos ainda temiam uma invasão alemã.

"Logo nesse ano, fiz questão de visitar as nove ilhas do arquipélago. Depois disso, visitei as ilhas em mais quatro ocasiões. São as minhas ilhas históricas."

Ficaram em território canadiano até final da guerra?
Sim. Cerca de quatro anos no Canadá, até 1946, e depois fomos devolvidos a Inglaterra. Eu era oficial da Marinha, era a minha profissão. Naturalmente, não a podia desempenhar depois da guerra, quando a Marinha foi desmantelada. Comecei uma nova vida. Inscrevi-me na Universidade de Munique, estudei física, matemática, química, geografia, meteorologia e história. Tornei-me um físico nuclear conhecido e estive envolvido na construção da primeira central nuclear alemã, que dirigi cientificamente.
Foi outra saga da minha, uma história incrível, pois, quando se constrói um reactor nuclear pela primeira vez, ninguém tem a certeza se tudo vai correr bem. Felizmente, correu.

Leia a reportagem sobre o naufrágio do U-581 aqui

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