Na Nápoles dos Bourbon, os presépios de Natal tornaram-se uma arte refinada que despertava admiração nos próprios habitantes e nos estrangeiros.

A celebração cristã do nascimento de Jesus foi acompanhada ao longo do tempo por recriações artísticas da cena tal como é relatada nos Evangelhos. Segundo estes, Maria deu à luz o menino Jesus de noite num estábulo humilde de Belém, que por vezes se situa numa gruta. Ela e José colocaram o recém-nascido numa manjedoura que fazia de berço e os pastores chegaram para o adorar depois de terem visto no céu o sinal de um anjo.

As primeiras representações da Natividade foram pictóricas, como um fresco das catacumbas de Priscila, em Roma (cerca do século III). As versões plásticas da Natividade, aquilo a que chamamos presépio, surgiram no final da Idade Média. A sua origem talvez remonte à tradição do pesebre vivo iniciada por Francisco de Assis em 1223, no qual os aldeãos encarnavam personagens da Sagrada Família. Surgiu deste modo a ideia de criar Natividades permanentes, com esculturas de tamanho natural de pedra, terracota ou madeira, colocadas nas igrejas para estimular a piedade dos fiéis. A mais antiga destas obras é a realizada em 1288 por Arnolfo di Cambio para uma igreja de Roma, embora os exemplares mais numerosos datem do século XV.

presépio

Presépio do Palácio Real de Caserta. O presépio actualmente exposto numa sala do palácio de Caserta, a norte de Nápoles, corresponde à última montagem feita pelos Bourbon em 1844. A Sagrada Família vislumbra-se no meio de uma multidão de personagens vestidas à maneira do século XVIII.

Nos séculos XVI e XVII, o modelo de presépio monumental sofreu novas alterações que terminaram com a versão de presépio que conhecemos na atualidade. Esta evolução pode ser seguida, melhor do que em qualquer outro sítio, em Itália e mais particularmente em Nápoles, onde no século XVIII surgiria um tipo de presépio hoje famoso em todo o mundo.

Um mundo em tamanho pequeno

Embora em Nápoles existam referências ao presépio da época medieval, de acordo com a tradição a primeira forma moderna deve-se a São Cayetano de Thiene, que em 1534 idealizou um presépio com figuras de madeira cobertas com vestuário típico da época, em vez das anteriores esculturas de pedra. Posteriormente foram introduzidas figuras articuladas, e simultaneamente o seu tamanho foi reduzido até chegarem, em 1700, ao tamanho terzino, de cerca de 33 centímetros de altura, que se tornou no tamanho padronizado.

A cabeça e extremidades dos pastores (termo dado às figuras do presépio) eram feitas de terracota policromada, gesso cartonado ou madeira. Os olhos eram de vidro e, dentro do corpo, colocava-se arame para permitir o movimento. A elaboração destas figuras ficava a cargo de alguns dos escultores mais importantes da cidade.

A inovação mais significativa do presépio napolitano foi a ambientação do conjunto. No século XVIII, a representação distanciara-se da iconografia religiosa tradicional para localizar o nascimento na Nápoles da época. Procurando reflectir a vida social e o quotidiano que animava as ruas da cidade, o sagrado e o profano misturavam-se e a Sagrada Família surgia rodeada de pescadores, vendedores de legumes e taberneiros. Também foram introduzidos elementos de diferentes épocas (era frequente a presença de ruínas romanas, que frequentemente substituíam a gruta) e elementos exóticos, de ar oriental. No presépio napolitano, figuravam personagens populares da cidade como Benino, o pequeno pastor adormecido, ou Armenio, um pastor mais velho. Outra figura habitual era uma mulher chamada Stefania. Segundo a tradição popular, proibiram-na de ver a Virgem por ser solteira, pelo que pegou numa pedra e envolveu-a num trapo para fingir ser mãe. De repente a pedra transformou-se num bebé verdadeiro, ao qual deram o nome de Estêvão e que mais tarde se tornaria o primeiro mártir da igreja. Por seu turno, Ciccibacco (ou Cicci Bacco), o bêbado, era representado ao lado de barris de vinho.

Presépio

Músico com traços orientais a tocar trompa ou corno francês. Figura do presépio do Palácio Real de Caserta.

Se originalmente os presépios se destinavam unicamente às igrejas, na Nápoles do século XVIII instalaram-se nas casas particulares, sobretudo da aristocracia. O presépio tinha de estar pronto alguns dias antes do Natal e habitualmente desmontava-se a 2 de Fevereiro, por ocasião da Candelária. Tornou-se habitual visitar os presépios nas igrejas e nas casas privadas, onde as famílias competiam por ter o mais bonito e inovador. Por exemplo, em 1734, a condessa Visconti della Pieve, vice-rainha da Áustria, intrigada com a fama dos presépios do príncipe, foi visitá-los com as suas damas e guarda pessoal.

Em Portugal, os presépios criados pelo escultor Machado de Castro constituem retratos invulgares do século XVIII, pois o criador português misturou habilmente cenas bíblicas com registos do quotidiano que observava em Lisboa, perto da sua oficina.

Dois desses tesouros, o Presépio da Sé e o Presépio da Estrela, ainda podem ser apreciados em toda a sua exuberância. Saíram da mesma mão que viria a projectar a estátua equestre de Dom José no Terreiro do Paço.