No dia 13 de Abril de 1502, Cristóvão Colombo saiu, uma vez mais, do porto de Sevilha. O plano era encontrar a passagem marítima que, da América Central o levasse por fim, até à Ásia. Era a sua quarta viagem ao Novo Mundo e voltou a ser marcada pelas dificuldades. Certo dia, a meio de uma tempestade, o navegador e os seus homens foram obrigados a desembarcar. Aparentemente, interceptaram uma embarcação maia que levava como carga amêndoas a que Colombo não deu qualquer importância. Sem saber, o almirante tinha tido o primeiro contacto com as sementes do cacaueiro. Mais de duzentos anos depois, Madrid consumia mais de cinco toneladas de chocolate por ano. De acordo com as crónicas da época, não havia rua na capital onde não fosse vendido. Isto pode ilustrar a ideia de que um mau princípio nem sempre é determinante, já que o chocolate obtém-se a partir das amêndoas que Colombo descartara.

Não se sabe qual foi o primeiro contacto dos castelhanos com a bebida de chocolate consumida pelos maias e aztecas, para quem este produto era muito importante. Os maias deixaram escritas as primeiras referências da história relativas ao seu consumo no denominado Códice de Madrid, conservado no Museu da América. Por seu turno, os aztecas consideravam que as sementes a partir das quais obtinham o chocolate não eram mais do que a materialização de Quetzalcoatl, deus da sabedoria.

De Tenochtitlán a Madrid

Tão importante era o cacau para os aztecas que utilizavam as suas sementes como moeda. Pedro Mártir de Anglería, cronista das Índias, escreveu a esse respeito. “Usam moeda, não de metal, mas sim pequenas nozes de umas árvores, semelhantes às amêndoas.” Para perceber melhor as trocas realizadas no mundo azteca, os castelhanos criaram tabelas de equivalências. Graças a elas, sabe-se que uma lebre, paga em cacau, custava o mesmo que os serviços de uma prostituta.

chocolate

Uma fórmula secreta. Os aztecas receberam dos maias o segredo da preparação do chocolate, a sua bebida divina. Para o preparar, moíam-se os grãos de cacau até ficarem reduzidos a pó e juntavam-se também sementes ou milho. O pó resultante misturava-se com água fria e mexia-se até formar espuma. Cacaueiro, no Códice de Tudela. Museu da América, Madrid.

No início, os castelhanos rejeitavam o chocolate, já que, segundo o cronista Gonzalo Fernández de Oviedo, os lábios ficavam como que manchados de sangue depois de se beber. Além disso, o sabor amargo e picante não os convencia. Girolamo Benzoni, na sua Historia del mondo nuovo, chegou a manifestar que “o chocolate parecia mais uma bebida para porcos do que para ser consumida pela humanidade”. Apesar de tudo, no século XVI o produto chegou a Castela e foi apresentado a Carlos V por Hernán Cortés. A partir desse momento, a sua aceitação aumentou.

O triunfo do chocolate

Segundo diversos autores, foram os monges os responsáveis pela difusão do consumo de chocolate nos mosteiros. Com o tempo, os cistercienses ganhariam fama como chocolateiros. Porém, nem todos os religiosos se mostravam favoráveis ao consumo.

Bolachas com chocolate, o melhor para a digestão

No início do século XVIII, um viajante francês elogiava as virtudes do chocolate como diurético: “Os castelhanos, e outras nações que os imitam, fazem bolos ou fatias de pão que molham em chocolate e que se comem antes de o tomar.

Não parece um mau método, sobretudo se, como pretendem, o CATARRO e outras impurezas que existem no estômago se colarem a esse pão e o chocolate, ao encontrá-las juntas, consome-as e precipita-as mais facilmente.”
Jean-Baptiste Labat também assegurava que no mundo hispânico o chocolate “se utilizava para fazer pequenas tabuinhas e uma espécie de geleia sobre a qual colocam PINHÕES confitados. Seria muito desejável que o consumo deste excelente alimento se estabelecesse em França, tal como está em Castela e por toda a América”.

Os jesuítas, por exemplo, consideravam que o chocolate era contrário aos preceitos da mortificação e pobreza. Dadoqueabebidanutritivatambém era consumida nos períodos de jejum, rapidamente nasceu um debate entre os defensores e os detractores desse costume. A resposta chegou no século XVII pela mão do cardeal François Marie Brancaccio que acabaria por manifestar; “liquidum non frangit jejunum”, ou seja, “o líquido não infringe o jejum”. A Igreja aceitava o consumo da bebida de chocolate.

Precisamente no século XVII, o chocolate quente como bebida era uma parte imprescindível do ritual seguido nos lanches que os nobres ofereciam às suas visitas. Costumava ser acompanhado de bolos e outros doces que se molhavam no líquido. Se a merenda acontecesse no Inverno, o habitual era que fosse tomada junto do calor das braseiras ou sobre os estrados das salas de estar, entre almofadas e tapetes. Se o chocolate fosse bebido num lanche de Verão, era costume servir-se junto a um copo de sorvete. Como o chocolate se consumia muito espesso, as nódoas que produzia quando se entornava eram muito aborrecidas. Certo dia de 1640, ocorreu a D. Pedro Álvarez de Toledo y Leiva, vice-rei do Peru e primeiro marquês de Mancera, uma solução. Criou um recipiente que consistia numa pequena bandeja com um braço central, onde ficava segura a taça, uma pequena vasilha sem asa onde se vertia o chocolate. Em honra ao seu criador, a bandeja foi baptizada com o nome de mancerina. Segundo o nível social de quem servia o lanche, as mancerinas podiam ser de prata, de porcelana ou de barro.

chocolate

Viciados em chocolate. A Condessa D’Aulnoy, durante a viagem que fez por Castela no final do século XVII, esteve num lanche oferecido pela duquesa de Terranova no seu palácio. Após os doces, “foi servido chocolate em taças de porcelana, com pires de ágata guarnecido a ouro e açucareiro igual. Havia frio, quente, com leite ou com ovos. Tomava-se com bolos ou pão torrado propositadamente. Há pessoas que bebem seis taças seguidas duas ou três vezes ao dia, e por isso ficam sedentas, pois é um alimento muito quente”. Na imagem chocolateira de cobre, pão e taça de chocolate numa natureza-morta de Luis Menéndez. Século XVIII. Museu do Prado, Madrid.

A moda chega a Versalhes

O consumo de chocolate em Castela difundiu-se amplamente ao longo do século XVII e era anunciado nas confeitarias como a “bebida proveniente das Índias”. O hábito de beber chocolate estava tão difundido que até as damas da nobreza o mandavam servir a meio dos longos e aborrecidos sermões eclesiásticos. Os bispos, ofendidos, proibiram esta forma de consumo.

Rapidamente o resto da Europa adoptou a doce tradição. Uma das responsáveis foi Ana de Áustria, filha de Filipe III, que exportou o hábito de consumir chocolate ao lanche e ao pequeno-almoço depois do seu casamento com Luís XIII. Maria Teresa de Áustria, filha de Filipe IV e esposa de Luís XIV, reforçou esta prática ao tomar chocolate na Áustria tal como o ingeria no país natal.

Quando os Bourbon chegaram a Espanha, gostavam muito de chocolate, sobretudo Filipe V e o filho Carlos III, que frequentemente tomavam esta bebida ao pequeno-almoço. Foi precisamente Carlos III, na sua ânsia de criar uma indústria como alicerce do desenvolvimento económico do país quem permitiu o intercâmbio exclusivo e em regime de monopólio entre Madrid e a Real Capitania Geral da Venezuela. Através do sistema centralizado que caracterizou o seu reinado, o monarca criou uma instituição encarregada de gerir o comércio, a chamada Real Companhia Guipuzcoana de Caracas. O produto chegava às mesas castelhanas através das mercearias.

Foi também no século XVIII que o chocolate invadiu a pastelaria. Juan de la Mata usou-o como ingrediente para fazer doces secos em algumas receitas do seu livro Arte da pastelaria. O mesmo De la Mata foi precursor da mousse de chocolate quando inventou aquilo a que chamou espuma de chocolate, muito semelhante à mousse dos nossos dias.

Mestres chocolateiros

A preparação do produto que seria consumido era responsabilidade do moleiro. Este percorria o país com uma pedra redonda às costas. Seguia uma técnica que consistia em moer, de joelhos e sobre a mencionada pedra, as sementes de cacau. Pouco a pouco e com muito esforço, extraía uma massa líquida e uniforme, conhecida como pasta de cacau. O jurista Marcos Antonio Orellana fala dele neste poema: “Oh divino chocolate / que de joelhos te moem / de mãos juntas te batem / e de olhos virados ao céu te bebem!”

mestres chocolateiros

Preparativos para uma chocolatada. O museu de cerâmica de Barcelona conserva um elemento de tecto em forma de meia-lua, criado em 1710 na oficina de Llorenç Passoles, que representa um lanche num jardim senhorial. Numa das cenas que o compõem, os criados preparam com esmero o chocolate quente que vão servir aos convidados.

1. Blocos de cacau, Depois de torrado, descascado e moído, misturava-se com baunilha, canela e açúcar e convertia-se numa pasta fina a que se dava a forma de blocos.

2. A preparação, Os ingredientes eram aquecidos numa vasilha de cobre, com um orifício na tampa para introduzir o moinho ou batedor com o qual se mexia o chocolate.

3. A chocolateira, O chocolate era vertido para uma chocolateira, de porcelana ou de prata, com uma tampa com pega para facilitar a sua abertura e um braço em ângulo recto. 

4. Servido em taças, O chocolate toma-se quente em taças especiais, colocadas sobre bandejas, ou mancerinas, de porcelana.

Tudo mudou a partir do século XIX, quando as técnicas da Revolução Industrial favoreceram ainda mais o seu consumo e fizeram baixar o seu custo. Rapidamente, o chá e o café foram substituindo o chocolate, que começou a ser associado a foliões e noctívagos. Longe estavam os dias em que se considerava ter carácter divino, como deixou escrito Valle-Inclán: “Cacau em língua do Anahuac / é pão de deuses, o Cacahuac”.