Após a morte de Jesus, em 33 d.C., os seus primeiros seguidores começaram lentamente a sair de Jerusalém em busca de refúgio em locais como o Chipre, a Fenícia, Damasco e Antioquia. Autores do Novo Testamento como S. Lucas, o Evangelista, que se crê ter escrito o livro Actos dos Apóstolos por volta de 80 d.C., relatam as dificuldades enfrentadas pelos crentes e a igreja primitiva nos seus primeiros dias. Em Actos, Lucas conta a história de Santo Estêvão, o primeiro mártir cristão a ser cruelmente executado em 36 d.C. o apedrejamento de Estêvão, diz Lucas, levou outros seguidores a fugirem para não serem vítimas de perseguições semelhantes. O que nos diz, então, a Bíblia sobre o arranque desta venerável fé, que veio a tornar-se a religião com mais seguidores (cerca de 2300 milhões, actualmente) do mundo?
Conversão Mística
Os Actos dos Apóstolos contam a história de um homem, Saulo de Tarso, que desempenhou um grande papel na disseminação do cristianismo primitivo. Devotamente judeu e cidadão romano, era um defensor improvável desta nova fé. O livro descreve como ele assistiu à cena da multidão que se juntou no local onde Estêvão foi morto e veio a acreditar que o seu dever solene era perseguir os cristãos, chegando ao ponto de arrastar homens e mulheres cristãos para a prisão e obrigá-los a negar a sua fé. Obteve permissão do sumo-sacerdote de Jerusalém para perseguir e deter cristãos em fuga. A caminho da cidade síria de Damasco, porém, uma luz vinda do céu piscou à sua volta. Ele caiu no chão e ouviu a voz de Jesus ressuscitado dizendo: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” (Actos 9:4). A partir desse momento, Saulo (mais tarde denominado Paulo) dedicou-se à missão apostólica.
A obra de arte “A Conversão de São Paulo”, foi criada em Inglaterra por volta de 1180. Imagem por cortesia de Pantheon Studios, Inc.
Espalhando a mensagem
Antioquia, capital da Síria romana, foi um dos locais para onde os cristãos primitivos fugiram em busca de segurança. O recém-converso Paulo chegou ao local e, juntamente com o apóstolo Barnabé, passou um ano a pregar o evangelho e a criar a primeira igreja cristã. O termo “cristãos” – seguidores de Cristo – foi aqui cunhado (Actos 11: 26).
Foi também em Antioquia que Paulo embarcou em três viagens diferentes, descritas em pormenor em Actos, percorrendo mais de 16.000 quilómetros entre 46 e 57 d.C. O livro relata as visitas Paulo às actuais Israel, Síria, Grécia e Turquia, caminhando por estradas construídas pelos romanos para facilitar o controlo sobre o Império e suportando travessias desconfortáveis em conveses de navios expostos aos elementos. Pelo caminho, argumentou “de forma a persuadir […] o que dizia respeito ao Reino de Deus” (Actos 19:8) e fez “milagres extraordinários” (Actos 19:11), como curar os doentes. Em Chipre, baptizou o cônsul romano Paulus Sergius. Paulo partilhou o evangelho de Jesus e fundou igrejas no Império Romano, comunidades de fé que incluíam confissões, liturgias, bispos, padres e diáconos.
Paulo conseguiu converter o governador local Sergius Paulus em Paphos, no Chipre, onde se encontram estas ruínas. Imagem por cortesia de Pantheon Studios, Inc.
Resistência, prisão e martírio
Por onde passava, porém, Paulo também encontrava seguidores do judaísmo, que lhe chamavam herege. Suportou espancamentos, apedrejamentos e foi preso por pregar o evangelho.
Actos relata que Paulo ficou afligido com a preponderância dos ídolos em Atenas. Tentou chamar os cidadãos à razão: “Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: ‘Ao Deus desconhecido.’ (Actos 17:23). Ele debateu que este “Deus desconhecido” era o Deus bíblico, o criador do Céu e da Terra. Alguns desdenharam, mas outros disseram que queriam que Paulo lhes falasse mais (Actos 17:32). Bastava-lhe falar com as pessoas para as converter uma a uma.
A detenção de são Pedro e São Paulo é retratada num políptico de cenas das suas vidas da autoria de Hans von Kulmbauch.Imagem por cortesia da Galleria Degli Uffizi, Florença, Itália/Bridgeman Images.
Actos relata que Paulo foi detido várias vezes pelos romanos e aprisionado duas vezes em Roma. Na primeira vez, entre 60 e 62 d.C., foi detido por causar um motim num templo judaico em Jerusalém. Foi-lhe permitido viver numa casa na qual se diz ter convertido os seus guardas romanos.
Os romanos detiveram-no novamente algures entre 62 e 67 d.C. Desta vez foi confinado em Tullianum, uma prisão de segurança máxima. Pouco depois, Paulo foi martirizado. O seu fim é incerto, mas os relatos mais comuns afirmam que foi decapitado por ordem do imperador romano Nero, que o culpou do incêndio de Roma enquanto líder cristão.
O estilo singular de Paulo
Muitos outros apóstolos e missionários evangelizaram o cristianismo ao mesmo tempo que Paulo. Embora os relatos bíblicos digam que Paulo não afirmava ser mais do que um embaixador de Cristo, ele tinha uma estratégia singular. Esforçava se por baptizar as almas independentemente de serem judias ou gentílicas.
“São Paulo escrevendo” foi pintado pelo artista holandês Jacob Adriaensz Backer. Imagem por cortesia do Scala/White Images/Art Resource, NI.
Havia grande debate sobre se os conversos a Cristo deveriam, ou não, tornar-se também judeus. Para os apóstolos de Jerusalém, a resposta era sim. Para eles, a fé era inseparável dos ensinamentos de Jesus enquanto rabi judeu. Paulo discordava. Ele acolhia os gentios que se sentiam atraídos pelo cristianismo, mas não estavam interessados em adoptar os costumes judeus.
Paulo era inteligente e polémico e transferiu as suas experiências e pensamentos para cartas que redigiu ao longo das suas viagens. Alguns dizem que escreveu tantas cartas porque havia muitas pessoas que discutiam com ele. Independentemente, as cartas resumem os seus pontos de vista sobre o cristianismo, ideias que se tornaram o alicerce da igreja católica. Na sua Carta aos Romanos, por exemplo, ele disse que a fé em Cristo excedia a lei judaica, que cada comunidade fazia parte do “corpo de Cristo” e deveria ser governada pelo amor, e que a fé no Deus cristão contém a promessa da vida eterna. No geral, redigiu 13 epístolas, sete das quais são indiscutivelmente suas e as restantes seis de autoria discutível), tornando-se o autor prolifero da bíblia. Catorze dos 27 livros do Novo Testamento são-lhe atribuídos (embora os especialistas também discordem quanto a este número).
Paulo caminhou provavelmente neste Cardo Maximus durante a sua estadia de dois anos em Éfeso. Imagem por cortesia de Pantheon Studios, Inc.
Paulo transmitiu sempre a mensagem de Jesus sobre o “Reino de Deus” como uma ideia compreensível, aceite pela população maioritariamente gentílica, e a sua capacidade de espalhar a mensagem do cristianismo primitivo é verdadeiramente extraordinária. As suas três viagens, descritas em Actos, fixaram a fé insipiente nas terras gentílicas e mais além. Sem ele, o mundo greco-romano poderia nunca ter ouvido falar nos ensinamentos de um carismático rabi da Nazaré, cujo programa redentor veio a espalhar-se por todo o mundo.
Os gnósticos
Para além do trabalho missionário apostólico, outros movimentos cristãos circulavam pelo Mediterrâneo, frequentemente em conflito com a interpretação de Paulo sobre Jesus e os seus ensinamentos. Os académicos bíblicos atribuíram o nome confuso de gnosticismo a estes outros movimentos cristãos.
Algumas seitas aderiram à crença de que a meditação profunda e a imersão no divino acabariam por conduzir a um conhecimento secreto (ou gnose, em grego) de Deus. Essa ideia foi popular, pois estava de acordo com a premissa da filosofia grega de que cada humano tem dentro de si uma centelha do divino. No entender dos cristãos gnósticos, isso também explicava por que Jesus se exprimia frequentemente através de parábolas. O verdadeiro conhecimento de Deus era um segredo precioso e potencialmente perigoso que só poderia ser revelado àqueles que se provassem merecedores desse conhecimento.
O Triunfo da Fé, ou Mártires Cristão na Época de Nero”, foi pintado pelo impressionista francês Eugène Romain Thirion.
Outras seitas, como os docetistas acreditavam que a presença física de Jesus fora uma ilusão e que ele sempre for um ser divino. Outra seita, liderada por um indivíduo abastado chamado Marcion (c. 85 a 160 d.C), filho do bispo de Sinop (na actual Turquia), acreditava que o cristianismo deveria ser dissociado da influência judaica e transformado numa religião puramente gentílica. A seita ebionita manteve-se fiel às suas raízes judaicas, defendendo que Jesus sempre fora um simples mortal.
A descoberta de 13 livros encadernados antigos junto à cidade egípcia de Nag Hammadi em 1945 abriu uma janela fascinante para o mundo dos cristãos gnósticos. Algumas seitas afirmavam que a sua autoridade apostólica provinha de Maria Madalena, com base no denominado Evangelho de Maria, descoberto no Cairo em 1896. O gnosticismo sublinhava frequentemente o valor da revelação individual, segundo a qual uma pessoa poderia tornar-se apóstolo por direito próprio, antecipando assim o protestantismo em cerca de 1500 anos.