Reza a lenda que, quando no século XV os exploradores portugueses encontraram uma série de ilhas verdejantes – menos de uma semana depois de terem partido de Portugal – os marinheiros ficaram escondidos nas suas naus durante dias, com o receio de bestas de dentes afiados que imaginavam habitar as florestas densas do arquipélago.

Seriam estas as Ilhas Afortunadas esboçadas pelos cartógrafos da Grécia antiga? Ou talvez fosse a lendária porta de entrada de Plutarco para os Campos Elísios?

Mas o arquipélago estava desabitado e a sua maior ilha não tinha uma presença de vida animal abundante. Por outro lado, o solo era incrivelmente fértil e rapidamente se transformou num laboratório rico em nutrientes para testar as sementes recolhidas em viagens pelo mundo inteiro. As castas do Mediterrâneo (Malvasia) e de Portugal continental (Sercial, Verdelho e Boal) foram plantadas ao lado da Jacaranda mimosifolia, da América do Sul, e da Plumeria rubra, da Polinésia, em vinhas que depressa cobriram a ilha. E enquanto as raízes se estabeleciam na região, o mesmo aconteceu com o gosto pelo vinho único deste arquipélago montanhoso.

Terras de cultivo

Localizada no Oceano Atlântico, a cerca de 480 km da costa oeste de Marrocos, a Madeira é uma ilha pequena – tem apenas 741 km quadrados – mas os seus terrenos são diversificados. As praias ensolaradas dão lugar a plantações de banana, cana-de-açúcar e a vinhas suportadas por montanhas escarpadas e pelo planalto envolto em névoa de Paúl da Serra.

levadas madeira

O trilho da Levada das 25 Fontes percorre levadas na Madeira – canais históricos de irrigação que levam água ao sul da ilha. Fotografia de Mikel Bilbao Gorostiaga, Alamy Stock Photo.

Foi formada por vulcões submarinos e as suas falésias estão repletas de levadas – canais históricos de irrigação que transportam água doce do norte da ilha até às quintas mais a sul. Algumas levadas atravessam a Laurissilva, a maior floresta de louros sobrevivente do mundo (reconhecida pela UNESCO), um vestígio das florestas primitivas que cobriram o sul da Europa há milhões de anos. Aqui, sem a presença de predadores, as plantas evoluíram e atingiram tamanhos consideráveis – e inspiraram alguns naturalistas ingleses a dedicarem-se à poesia.

O vinho da Madeira nos EUA

O vinho da Madeira era o tónico diário de George Washington. Alexander Hamilton e todo o elenco de Pais Fundadores da América elegeram-no para celebrar ocasiões importantes. Thomas Jefferson costumava escrever sobre os “sedosos” vinhos da Madeira; mais tarde, para comemorar a compra do Louisiana com um brinde, Jefferson escolheu o vinho da Madeira como o vinho que representava a América. E James Madison tinha vários barris guardados no seu sótão.

O que torna os vinhos da Madeira tão especiais?

São vinhos encorpados – que podem ser secos e saboreados como aperitivos, ou doces e servidos com a sobremesa – e costumam ter sabores térreos a frutos secos, frequentemente comparados aos do caramelo, açúcar queimado e casca de citrinos cozida. Estes sabores originam de uma combinação entre variedades de uva, mistura, oxidação e dos efeitos das oscilações de calor ao longo do tempo. Tal como o vinho do Porto, estes vinhos também amadurecem ao longo de décadas (e às vezes séculos) de envelhecimento.

ilha da madeira

Na extremidade oriental da ilha da Madeira, a Ponta de São Lourenço sobressai no Atlântico com o seu basalto árido fustigado pelo vento. Este terreno acidentado e diversificado deu origem a um vinho rico e complexo com uma longa história. Fotografia de Lukas Babalis, 500px/Getty Images.

“O vinho da Madeira vive para sempre”, diz Alberto Luz, escanção no Belmond Reid's Palace, referindo-se à longa história da bebida. Inicialmente, o vinho era tão misterioso quanto popular. Os marinheiros encorpavam o vinho com conhaque para aguentar a longa viagem até à Índia, mas descobriram que o conteúdo dos barris adquiria um sabor ainda mais agradável no final da jornada. “Os marinheiros tentaram replicar o que estava a acontecer nas naus, movendo os barris para frente e para trás, para ver se o movimento era a chave”, diz Alberto Luz. “Eventualmente, perceberam que era por causa do calor.”

Existem oito produtores de vinho da Madeira, e alguns, como Barbeito ou Henriques & Henriques, recebem visitantes para visitas e degustações. No fascinante museu da Blandy’s Wine Lodge, no Funchal, a guia Sofia Marques diz “bem-vindo ao céu”, mostrando os barris envelhecidos, que não estão em adegas, mas sim em sótãos, e que reproduzem as condições dos porões abafados dos antigos navios.

ilha da madeira

Os barcos zarpam do porto da Câmara de Lobos, uma vila piscatória a oeste da capital da Madeira. A partir do Funchal, os visitantes podem explorar as vinhas da ilha e as vistas deslumbrantes. Fotografia de Juergen Sack, Getty Images.

O vinho da Madeira desapareceu de grande parte das mesas americanas depois de ter sido proibido durante a Lei Seca. Hoje, está de regresso, sobretudo em festas com sotaque da Madeira. Mas provar um vinho da Madeira puro, sem adulteração, é como beber a história por um copo. E existem histórias interessantes: em 2015, foi descoberto no Museu Liberty Hall de Nova Jersey um carregamento da época da Lei Seca, com garrafões e caixas de vinho centenárias da Madeira. Uma dessas garrafas, datada de 1796, foi leiloada pela Christie’s por cerca de 16 mil dólares – e o vinho ainda está bom.

Com uma vasta riqueza cultural, a Madeira organiza um calendário de eventos anual, incluindo a Festa do Vinho Madeira no início de setembro. Também há vários espetáculos de ranchos folclóricos, uma colheita tradicional de uvas e um desfile que mostra a história do vinho da Madeira.

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